(Ana Flávia e sua mãe, Dona Euripa, na Irlanda)
Normalmente minha alegria contagiante do fim de semana começa na sexta e o sábado é o dia "mais fim de semana" por excelência. É um dia que quero coisas gostosas e bonitas, começando por um demorado e delicioso café da manhã, por ler (tentar ler) um bom livro ou uma poesia. Por pintar ou rabiscar algo numa tela, encontrar gente querida, ouvir aquela música especial e sentir-me juntinha à família.
Por essa razão me dá um prazer enorme postar este texto, enviado pela Ana Flávia, do blog Europrosa, para vocês saborearem. A Ana é brasileira e mora em Viena. Uau! Que inveja! E em seu blog ela conta bastante sobre o país onde vive e suas viagens. Há tempos em que a Ana sempre me deixa comentários muito carinhosos, críticos e positivos no Borboleta. Ela tem uma aura, uma energia boa que emana até nas palavras.
Semana retrasada, quando recebi e li a história dela e sua mãezinha Euripa, foi difícil conter as lágrimas. De um lado uma mulher cuja vida é exemplo de perserverança, de otimisto e força. De outro, uma jovem mulher quem consegue ver em sua mãezinha simples todas essas qualidades. Consegue vê-las em tempo de aprender com ela, de retribuir tanta dedicação e amor.
Com vocês a Europa, Dona Euripa e Ana Flávia. Obrigada Ana!
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"Essa, à direita, é minha mae, no dia em que chegou à Dublin, Irlanda.
Ela chegara à ilha esmeralda no dia do Reveillon, pra participar de meu casamento que ali se realizaria.
Essa era a primeira viagem internacional de minha querida. Era o primeiro carimbo no passaporte; e, já que viajava para as terras menos ensolaradas, mãezinha nutria o desejo de ver a tao famosa e bonita de ser ver- a neve. Entremente, a Irlanda, embora gelada, não é terra em que se neve. Quer dizer, nao nevava por lá havia 11 anos e mãezinha fora encorajada a desistir do sonho de ver esses famosos floquinhos brancos.
Então partira minha mae de Goiânia pra Irlanda, com conexões em São Paulo e Paris. Em virtude da data, a companhia aérea francesa serviu champanhe durante toda a noite. Dona Euripa se sentira em tudo muito chique. Ah, como essa Euripa que vai à Europa para o casamento da filha, que bebe champanhe e aprende de última hora a dizer "thank you" é tão inimaginável para a Euripa de meio seculo atrás.
Essa de outrora nascera no campo e por lá vivera até a idade adulta. Órfa aos cinco anos, porque o pai alcoólatra surrou a mãe que havia acabado de parir um menino, essa morreu na manhã seguinte, o pai sumiu, minha mãe fora recolhida por um casal de fazendeiros que por muito resistiram e quase não a enviaram para o grupo escolar.
Ela, que limpara o fiofó com folha de goiaba, vaso sanitario só foi ver aos 20 anos, que bebia leite direto do peito da vaca, que trabalhara sem parar e o dia começava às 3 da mãnha, e pra lavar roupa, o sabugo de milho era a escova.
Ela, que fora abandonada pelo amor de uma vida inteira com 4 filhos pra criar, passara fome, , distribuia os filhos em internatos ou com madrinhas, quando não lhes podia alimentar que a inflacão era tremenda e o salário não chegava ao fim do mês, nem mesmo só para um arroz com feijao; varrera ruas porque o salário era um tanto melhor que de doméstica, carteira assinada, férias, creche gratuita para a pequena...
Esforçando-se ao máximo, resignando- se com todas as adversidades e seguindo sempre adiante, nunca desistiu de acreditar numa vida melhor. Nunca deixou de acreditar e ensinar aos filhos que existe um criador, que por nós sempre olhava e que tudo sairia bem, tudom conforme a vontade Dele.
Funcionária exemplar da prefeitura, sem um único atestado ou falta ao longo de anos, forçou uma carreira: de gari foi transferida para os servicos gerais da educação, foi promovida a cozinheira e mais tarde a assistente na creche pertinho de casa. 25 anos de carteira lhe garatiram quiquenios e outros benefícios financeiros. Hoje, só trabalha meio período, serviço leve e condizente com a idade e condicões fisicas.
Ajuizada e simples, desde que a filha partira pra estudar inglês na tal terra do São Patricio, arrumara um namorado por lá e só fala em nao voltar, passou Dona Euripa a juntar todo dinheiro que lhe fosse possível, porque nao ia perder a oportunidade de ir ver com os próprios olhos onde e como é que é essa tal de Europa que tanto encanta a filha que não quer mais voltar pra casa.
Assim, com passagem paga de seu próprio bolso, chega ela na Irlanda. Os céus, como reconhecimento de sua fé, mandam a neve. Estávamos todos na sala a beber, quase meia noite de ano novo, tv ligada à espera do fogos, a neve comeca, mãe e filha botam uma jaqueta e saem destrambelhadas escadaria abaixo de pantufas nos pés, pra ir ver com olhos e maos a neve.
Como é bonito a neve e tudo branquinho. Como é bonita essa Europa. A mae entende porque a filha quer ficar."
Ana Flavia, Europrosa
Comentários
Eu que não sou de chorar por qualquer coisa, fiquei aqui me contendo, e terminei o texto com vontade de aplaudir a Flávia por fazer-nos, num crescente, visualizar desde a dificuldade e tristeza à alegria de viver.
Que história bonita de vida a mãe dela teve, apesar de tanto sofrimento, superou a tudo, lutou, venceu e hoje pode aproveitar o que há de melhor para ser feliz.
Adorei o texto, nem precisava dizer né!
beijão carioca
abs
Jussara
Girassóis nos seus dias.
beijos
Emocionante.
bjs