Uma música, mil lembranças: "Eyes without a face", Billy Idol entre o meu eu mais brega e meu eu mais cult, se é que eu tenho um
"Eyes without a face", Billy Idol)
Atenção: Para seguir a idéia da série você deve ler este texto ouvindo a música acima
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Alguns meses atrás, quando ainda finalizávamos o concurso "Uma foto, mil lembranças" eu estava num dia qualquer, num fim de tarde qualquer fazendo "uma janta" corrida para Ângelo e Marina. Os dois, na sala, estavam começando a aprender a brincar juntos. Cansada do dia difícil eu ouvia a risada gostosa deles, mas estava com tanta pressa porque sabia que mais dois minutos seriam suficientes para que eu tivesse companhia, então eu mexia uma, duas panelas pra lá. Uma duas panelas pra cá.
Rádio é algo que eu praticamente não ouço mais. Sou movida à música, mas seleciono diretamente minhas listas do meu Spotify. Naquele dia, ao contrário, um radinho de pilha estava ligado na minha cozinha e a conhecida rotina só foi quebrada quando comecei a ouvir "Eyes without a face", uma música pop muuuito tocada nos rádios dos anos 80, quando eu era uma pré-adolescente numa apagada cidade do interior.
Sem exageros eu posso afirmar que os 4:58 minutos de Billy Idol criaram em minha cozinha um portal do tempo. Eu deixei minhas crianças ali na sala que rolavam entre almofadas, a comida continuava a ferver no fogo e parte de mim continuava as mesmas ações aqui enquanto outra foi parar na década de 80, em Sumaré. Mais particularmente aportei num tal clube Recreativo, onde a menina pobre da vila passava as noites de domingo junto ao pessoal do centro da cidade, dançando, rodopiando, cabeça tombada pro lado, cabelos longos, soltos ao vento, o rosto iluminado por aquela famosa bola de discoteque. A saia amarela longa, cheia de babados e a barriga toda de fora. Um top do mesmo tecido fazia o conjunto e eu estava tão imensamente feliz de estar ali.
A roupa, confeccionada pela minha mãe, como quase todas de minha infância e nos primeiros anos da juventude havia sido "criada" por mim. Depois de desenhá-la e coordenar: "assim Dona Maria! desse jeito!", escolher o tecido e vê-la pronta eu me sentia dona do mundo, viajante planetária com aquele rodado todo. Foi inesquecível e me lembrei então de como eu amava aqueles momentos tão meus na discoteque do clube na minha cidade caipira.
O mundo ainda era pequeno para mim, mas de alguma forma eu já me sentia dona dele... E através das músicas que ouvia e dançava era como se o mundo me pertencesse...
A cena se desfez então rapidamente e fui transportada ao meu quarto na casa de meus pais. E me vi nas minhas muitas centenas de madrugadas limpando meu quarto, ouvindo Billy Idol sem entender a letra, sim porque agora eu entendia a letra inteirinha e como ela era horrível! Me via ali organizando os pouquíssimos livros que tinha: a vida do Papa João Paulo II, a conversão de Maria Magdalena e meu dicionário de português. Sim! Pura verdade! Minha mãe não sabia ler e meu pai, por quem eu tinha enorme admiração intelectual por ter cursado até a terceira série, havia ganhado os dois primeiros numa excursão religiosa para Aparecida do Norte. O dicionário havia sido o primeiro, único e último livro com o qual meu pobre pai me presenteara. E então me vi lá, orgulhosa dos meus livros e de minha recém conquista de ter um quarto só para mim, enquanto meus irmãos dormiam juntos no outro. Tudo colocado sobre a mesinha vermelha de madeira, feita pelas mãos fortes de meu pai e que me acompanhou por toda minha vida acadêmica até vir morar em São Paulo.
Foi ali, naquele quartinho de vila que eu sonhei com um mundo que eu não conhecia. Havia consertado um rádio antigo de meu pai e com ele ouvia músicas clássicas de uma rádio de Campinas. Ouvia também tudo que qualquer menina da minha época gostava e tinha nas paredes o "Thriller"de Michael Jackson e os Menudos, ambos parte do senso comum e do meu gosto infantil criado pela indústria cultural que eu um dia criticaria bastante num mestrado, mas que naquela época me ajudavam a criar ali naquele minúsculo quarto um canal com meus sonhos.
- Mamãe! Mamãe!
A voz de Ângelo me chamou rapidamente para dentro da cozinha e então me dei conta de estar ouvindo aquela música e de como minha vida havia caminhado por tantos caminhos incríveis desde aqueles anos todos.
Não tenho certeza como exatamente fui me dando conta de como até hoje, sobretudo pelo fato de termos nos mudado 9 vezes em 10 anos de casamento, meu companheiro sempre tenta me dissuadir a jogar algumas dezenas, da minha atual muitas centenas de livros, no lixo para diminuir volume e trabalho. Os livros e os cds. E mesmo sob muita pressão eu sempre respondi por último que "não!". São meus livros e meus cds! E eu os carrego pra lá e pra cá desde que Renato me conhece. Eu os empresto, eu dou alguns, mas a maior parte continua comigo. Eles são a prova do quem sou hoje e de quem fui ontem! Eles me ensinaram, me acompanharam em momentos solitários em bibliotecas, em repúblicas, em moradia solitária. Eu aprendi tanto nestes anos! Eu aprendi tanto e continuo aprendendo! Os livros e seus autores! Como eu sempre os amei!
Neste momento, claro! eu estava aos prantos na minha cozinha... Eu, brega que sou, eu, a sempre Soninha do interior, chorava porque estava tão grata por tudo! Eu nem sabia exatamente pelo quê, mas eu estava! Pelos meus pais e seu amor simples e cheio de entregas, pelos meus irmãos e sobrinhos queridos, pelos milhares de amigos que fiz em minhas andanças, por aqueles com os quais nunca mais cruzei e aqueles que continuam a iluminar meus dias, pelas viagens, os lugares maravilhosos que pude conhecer desde que saí um dia de casa para passar um fim de semana na casa de uma amiga, pelos meus estudos e por ter tido gente suficiente para ir aparecendo e me tomando pela mão mesmo que sem perceber. Estava ainda grata por ter encontrado uma alma tão gêmea e bondosa, apesar de sermos tão diferentes um do outro, e finalmente por ter com ele duas das criaturas mais lindas e doces que...
- MAMÃEEE! MAMÃEEE! a Marina está me beliscando!
- Tô indo! Calma aí Ângelo que a mamãe já está indo!
E assim percebi que as milhares de lembranças suscitadas por "Eyes without a face" deveriam inaugurar um novo concurso no blog assim que eu as escrevesse aqui.
E como hoje é meu aniversário e eu estou inspirada, acabo de publicá-lo na esperança de ganhar de presente a sua participação no nosso novo concurso: "uma música, mil lembranças".
Mais detalhes em breve! Até lá vai separando a música e revivendo sua história...
Comentários
Parabéns pela vida tão rica. Dinheiro nenhum vale uma vida feliz, com pais, irmãos, escola, professores, discotecas,amores, viagens, marido, filhos. Amores, muitos, pela vida afora, em cada livro, em cada música, em cada abraço, em cada partida, em cada chegada.
Beijos, adoro você e se há alguém, entre tantos, que merce ser feliz, esse alguém é você.
Beijo!
BEIJOS
Chorei. Lindo demais.
Tao iguais, meu Deus, tao iguais...
Feliz aniversário atrasado. Saúde, paz, amor. Que vc permaneca esse ser lindo que escreve encantando.
Dessa vez acho que topo participar do concurso :-)
Bjs
Minha irma mais velha tbm.
Que legal.
Vou procurar diretamente no youtube.
Parabéns pelo bom gosto e pelo Blog, coisa doce! bjo!