(Cena de "Os miseráveis", em que o jovem pobre e o jovem rico se juntam para lutar contra a miséria de seu povo, musical baseado na obra de Victor Hugo)
Hoje acordei "naqueles dias femininos" que quase todas nós bem conhecemos. Os dias em que os peitos incham, as saudades aumentam, os problemas do mundo, mais do que cansarem, doem em cada osso e a música do caminhão do gás nos faz chorar.
Já ouvi "Les Miserables", o que ajudou muito a chorar pelo mundo por quem já se foi, por tudo feito, pelo não feito e pelo que ainda se sonha a fazer, mas se imagina não poder... E também a pensar que o mundo hoje não é tão pior do que já foi e como tantas milhares de formiguinhas operárias eu estou aqui no mundo cumprindo minha parte.
Depois de acordar assim, eu tive minha conversa de toda quinta feira com um colega (a quem chamamos de buddy) do grupo Landmark, pois sou assistente do Fórum Landmark e tenho o compromisso comigo mesma de manter viva a possibilidade de viver minha vida extraordinariamente. É algo que fazemos para esvaziar o balde, focar no que de fato nos interessa e nos deixa felizes. Reconhecemos nestas conversas nossas operações de fachadas as quais estão sempre aí nos limitando, tirando a energia e de algum modo trazendo culpa ou sofrimento.
Temos culpa e sofrimento por tantas coisas: por não ir à academia, por não brincar o suficiente com nossos filhos, por não ter nos depilado no dia correto, por ver uma criança pobre no semáforo, porque a moça do caixa do mercado parece insatisfeita, porque a comida queimou, porque não fizemos o planejado no dia anterior...
Vinte minutos depois de reconhecer onde eu estava travada organizei no meu mural do escritório minhas tarefas. Elas pareciam milhares antes de começá-las, mas ficaram claras e pareceram novamente possíveis e gostosas de se fazer. Foi maravilhoso! De novo!
Eu mesma disse a uma amiga esses dias quem se queixava de tudo estar um horror por ela estar naquela tensão pré menstrual: "A TPM agudiza o que você sente, mas não sei se inventa..."
Sim, eu não inventei as mazelas sociais pelas quais vejo parte de meus alunos passar, a corrupção escancarada e denunciada no facebook, o sofrimento de um jovem como o David Santos Souza ou tantas outras coisas. Por outro lado, sofrer por isso como se fosse eu, se fossemos nós as vítimas é uma operação de fachada. É uma desculpa para ou não fazer o que se precisa fazer, ou para justificar porque ficamos parados frente a algo quase impossível de mudar.
Ontem, dando aulas de Sociologia para a 1a. série eu trabalhava as teorias de Durkheim, Weber e Marx e, embora tenha ficado em silêncio, eu sempre, sem-pre!, me identifico com Marx.
Durkheim (perdoem-me o resumo quase ultrajante que faço do teórico aqui apenas a título de menção) vê os fatos sociais, essas coisas das quais falei acima como algo dado, algo que está aí como um fato e o melhor que temos a fazer é conviver com isso e aceitar. Em partes, concordo! Foi isso que me salvou de enlouquecer na volta da Suécia para o Brasil.
Weber crê que estes fatos não foram criados a nossa mercê. Eles foram constrúidos e são construídos por nós. Somos parte da estrutura social que aí está. Claro! Como não concordar também com este ponto de vista. Weber, inclusive, em sua "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" (1904) o qual está entre os livros mais esclarecedores que li até hoje, explica como o Capitalismo se sustentou, cresceu e foi motivado pela conduta metódica e a ética dos protestantes. Então, para Weber é possível sim alguma contribuição para construir o mundo ao meu redor. Também depende de mim torná-lo um lugar melhor de se viver.
A ideia que normalmente mais cativa, mesmo que depois de estudar tanto Adorno e a Escola de Frankfurt, ainda é a de Marx, a utopia mais bonita de se acreditar: que o povo tome o poder, os bens necessários para criar uma vida igualitária e que saiba dividir este poder e estas posses de forma justa. Seria um mundo realmente lindo de se viver! O problema é que eu, como a maior parte das pessoas, desejaria até uma revolução, mas sem luta, sem sangue, sem mortes.
Sem contar nossa utopia da paz, ainda tem tantos milhares que falam de uma revolução sem cortes de privilégios, continuando a levar vantagens sempre que possível, sem pensar na conta de água ou luz, sem separar o lixo, pagando o mínimo possível pelo máximo de trabalho possível dos seus empregados, comprando roupas de lojas punidas pela lei por escravizar trabalhadores... Ou seja, querem, queremos, uma revolução, um mundo melhor desde que, ajudando a pobres, ela mantenha nossa vida exatamente como está!
O que é então possível?
Hoje, eu prefiro ficar assim: há coisas colocadas na minha vida antes mesmo de eu nascer. Há fatos que por mais que eu lute contra eles provavelmente permanecerão os mesmos, ao menos por um bom tempo, provavelmente enquanto eu ainda viver, mas como sonho com este dia em que a racionalidade servirá para proporcionar uma vida boa, justa, feliz para todo ser humano, então eu estou aqui a escrever este post para dizer: indignar-se é preciso, mas sonhar com algo novo é um dever!
Eu fico feliz de ver que muitos de vocês, nós nos indigamos com toda a podridão no Congresso, com a tragédia do rapaz David (eu choro só de pensar no nome dele) e tantas outras por este nosso país e nosso mundo, mas o que teríamos hoje se no passado todas as pessoas tivessem sentido que fossem as coitadinhas por viverem num mundo de peste e morte, domínio de poderosos e exploração? O que teríamos se as pessoas se conformassem em ficar sentadas nas suas carteiras e tirar notas razoáveis ao final do trimestre para ter um diplominha no fim do colégio? O que teríamos se os professores de filosofia tivessem se conformado em fazer seus alunos decorar uma dezena de nomes ao invés de proporcionar (a duras penas) que alguns de seus estudantes vissem no mundo uma chance de auto conhecimento, transformação da realidade, de criação, de viver a vida extraordinariamente e não de forma ordinária?
Eu ainda sonho.
Eu ainda luto.
E é isso que eu sei fazer!
E quer saber?
A verdade é que eu amo muito tudo isso!
Uma quinta feira maravilhosa pra você que está aí do outro lado?
E agora uma pergunta:
O que está ao seu alcance fazer hoje para ter uma vida extraordinária?
Comentários
Olha, imagino seu encantamento com o filme, eu também era assim, de mais nova. Ficava dias com um filme na cabeça.
Estamos todos indignados com um monte de coisas, mas elas estão ainda há muito tempo, precisamos é de atitude. As pessoas, de modo geral, acostumaram-se, andam banalizando demais os acontecimentos, os ssentimentos, tudo está passando numa rapidez que não dá tempo para eleborar nada, é acontecer e amanhã ser esquecido!
Acredito que tudo que está api serve para nosso crescimento. Às vezes penso que lutar é dar murro em ponta de faca, às vezes acho que tudo que nos vem está escrito, mas sempre penso que não podemos desistir, jamais. Precisamos ir à luta, embora sem sangue, sem mortes, como seria o ideal. Não boto muita fé no futuro desse mundo, não. Estou lendo sobre "os reis malditos", reis de França, Idade Média (anos 1300) e fico boba de ver que sempre foi assim, o povo sempre sofreu pelos desvarios dos governantes. Mesmo muito otimista, penso que o mundo só muda se o homem mudar drasticamente. Ainda estamos longe de SER. Enquanto pensamos que TER é o melhor, estamos rastejando. Complicado, você é jovem, tem que pensar diferente de mim, que já vi tantos e tantos governos passarem e tudo continua como dantes...
Beijo! (acho que falei, falei, mas não segui seu pensamento. rs)
Nossa, que post magnífico, uma aula de filosofia e sociologia! Queria ser sua aluninha, sou louca por fazer Filosofia.
Ahhhh(suspiros)! Tá muito difícil ter um ideal, segui-lo, colocar em prática, vivenciar tudo o que a gente pensa e quer. Parece às vezes que nosso mundo degringolou de vez e o que fazemos de bom não tem efeito diante disso tudo. Tá, eu sei! Isso é desesperança, mas não posso dizer que sou desesperançosa, pois sou daquelas que reajo, falo, brigo, me indigno, mostro que não tá certo, tento fazer as pessoas verem com lucidez e sem ficar presas à dogmas, mas acabo me arrebentando, me chateio de ver cabeças fechadas em pensamentos que seus pais tinham e que não levaram a nada. Você sabe, sou Ariana, gosto de me envolver, de colocar pensamentos em discussão, estou sempre olhando pros lados, vendo a vida, a natureza, as pessoas, os comportamentos.
Querida, quando eu estou assim tão indignada, invento férias e saio por aí. É o que vou fazer hoje com meu maridex, estamos indo ver as coisas boas da vida, sair um pouco deste turbilhão de acontecimentos que parecem não ter fim. Quando eu voltar, começo tudo de novo, na luta, nos sonhos, como você, eu gosto de viver e me envolver.
Amei ver você escrevendo aqui de novo! Tem tanto pra nos falar, mostrar outros ângulos, ajudar a pensar juntos em algo bom pra fazer.
um beijo e abraço apertado (carioca da gema)