("Sua mãe não trabalha aqui", pano de limpeza com dizeres que os suecos adoram, na loja Lagerhaus)
Renato, quem assistia ao meu lado, riu. Nós dois sempre achamos graça de cenas assim, porque isso é algo com o qual estávamos tão acostumados na Suécia. Lá, o dono ou a dona da casa, bem como seus convidados, sempre vão terminar a festa, o jantarzinho, qualquer encontro enchendo a máquina de lavar de louça e ajudando na arrumação de tudo.
Não se deixa a louça para a empregada lavar no outro dia e vocês já sabem o porquê não?
- Essa cena só faz sentido porque não é um filme brasileiro, comentei eu com ele.
E é muito verdade.
Eu visitei muitas casas de gente sueca, brasileira, dinamarquesa, alemã, iraquiana, iraniana, grega etc, quem como eu, vivia em Malmö. Isso quer dizer que a renda familiar dessas pessoas com quem fiz amizade era muito diferente. Apesar da Suécia ser exemplar na distribuição de renda, quando se compara com países de terceiro mundo, obviamente eles não extirparam todas as diferenças. Ainda assim não houve uma casa sequer em que eu tenha ido e não houvesse uma máquina de lavar louça. Levante a mão aí quem vive na Suécia e acha que estou mentindo? O mesmo para as lavadoras e secadoras de roupa, já que o inverno impede a secagem ao ar livre durante a maior parte do ano e máquinas e eletrodomésticos são mesmo uma constante na vida deles.
Só para se ter uma idéia um casal amigo, ambos empregados da mesma empresa que Renato, ambos com diplomas e viagens pelo mundo, haviam comprado muitas máquinas e colocado eles mesmos (sim! com a mão literalmente na massa!) o piso e o telhado etc da casa toda que estavam construindo.
Sim. Aqui, a gente praticamente não usa máquina de lavar louça. A máquina de lavar até faz parte da decoração de muitas casas e apartamentos, mas no dia a dia quem lava a louça será provavelmente a empregada, se a pessoa tiver uma. Chances maiores de que ela lave na mão, seja para economizar energia, seja porque o pagamento do seu salário inclui que, oras bolas, se esforce um pouco e não fique na folga!
Aqui em casa é difícil a visita que se habilite a colocar as louças na máquina. É como se tívessemos um objeto teletransportado de outro planeta, assim como se fosse uma tecnologia incrível e praticamente ninguém se atreve a tentar aprender a usar. Não é uma crítica, é só uma constatação :). Além disso, o discurso dos nossos queridos amigos brasileiros e da família é meio parecido "o tempo que leva colocando eu já fiz na mão". Eu duvido, mas tchudo bem! Além disso, experimenta fazer isso duas, três vezes por dia todos os santos dias de sua vida! Ah! okey! é só pagar uma em? pregada! Ou deixar para a esposa do lar fazer!
Bom, o fato é que na Suécia ter uma ou um empregado doméstico não é exatamente uma opção. E se ela existe ela é muito, mas muito cara! Absurdamente cara porque os salários são muito mais parecidos entre as categorias do que os são no nosso país.
Isso significa que o pai de família, a mãe de família irá chegar cansado do trabalho, irá cozinhar, cuidar da prole, pôr a roupa numa máquina e a louça em outra. As máquinas são parte essencial da nossa vida por lá porque elas ajudam demais. Custa muito menos do que o empregado diarista, mas, claro, obrigam a pessoa a fazer ela mesmo o "serviço sujo", coisa que os suecos não parecem se preocupar mesmo em fazer! E digo mais: muitos sentem certo orgulho em fazer! E eles não são uma exceção, talvez nós sejamos...
Muita gente vai discordar de mim, mas eu creio que não usar máquina em casa porque tem um empregado para fazê-lo é normal por aqui e em países em que a revolução industrial trouxe melhorias inacreditáveis, mas não ainda para toda uma população.
Olhando nossos lares eu ainda sinto que é como se reproduzíssemos a maneira a la anos 80 de nossas mães cuidarem da casa. Ou das empregadas de muitas delas. Usamos rodo, pano e balde. Usamos mãos, bucha e sabão nelas. Isso tudo pode parecer tão metido à besta, mas é sério!
E mesmo na maior parte dos lares de gente abastada a coisa não muda muito de figura. Muda a decoração, mas não necessariamente a forma como tudo funciona.
Houve dois momentos nos últimos meses nos quais eu pude ver como a maioria de nós ainda acha que lavar a própria louça, roupa ou limpar sua casa é coisa que só prova o baixo nível financeiro da pessoa. Como associamos ser bem sucedido com o número de empregados que temos. E mesmo os empregados pensam isso sobre os patrões!
Quando o mocinho Princípe Willian se casou e fez um churrasquinho no dia seguinte com o sogro e a família, eu pude ler muitos comentários assim nas redes sociais (tão badaladas e muitas vezes tão senso comum): "eita pobreza!", "o churrasqueiro não foi?", "não sobrou dinheiro para pagar o buffet?" e coisas assim super "desenvolvidas" e de gente de "moito nível".
Gente é tão deprimente o fato de tantas pessoas acharem que para fazer um churrasquinho com uns gatos pingados é preciso sempre ter buffet, garçom e churrasqueiro, porque fazer nós mesmos é prova de que não podemos pagar para outro fazer por nós. Até ser uma opção é algo totalmente compreensível, mas ser uma obrigação ai! cansa até a beleza!
No mesmo naipe foram comentários no facebook de uma amiga quando ela postou uma foto incrível do Paul McCartney (sim! ele!) e Michael (o Jackson! can you believe that?) lavando louça juntos. E não era um comercial para vender panelas! Não! Era a vida real de dois astros da música pop, mas ninguém se conformava: "como assim? que cena surreal!".
Onde quero chegar com tudo isso? Eu sou louca e prefiro fazer tudo eu mesma? Adoro lavar a louça ou tô dizendo isso só porque não posso pagar uma empregada todos os dias?
Não, não é exatamente isso. É que ter alguém para fazer absolutamente tudo para nós em casa, com nossos filhos é muito antiquado. Vai na contramão do desenvolvimento, porque desenvolvimento - insisto em dizer isso - significa que todo mundo possa estar em casa nos fins de semana para cuidar de seus próprios filhos e não os alheios.
Semanas atrás, no playground e jardim de onde moro, vi um monte de copos descartáveis jogados no chão onde alguns adolescentes acabavam de se levantar. Indignada perguntei: "será que foram esses grandões os responsáveis por toda esta sujeira?". Nete, um amor de pessoa, babá super simples, respondeu rapidamente: "nossa! com certeza os pequenos não foi, porque se fossem eles as babás com certeza já tinham pegado! A gente nunca deixa nada sujo!".
Tadinha da Nete...
Fui reclamar com a secretária do condomínio se a gente não poderia escrever uns cartazes etc, já que a cena é corriqueira e ela me afirmou que isso não resolveria, mas ela estaria "avisando os funcionários para não deixar nada sujo por lá, porque era obrigação deles pegar esses lixos jogados".
Qual o problema dessas moçoilas e moçoilos? Seus pais provavelmente pagaram uma Nete para pegar os copos jogados no chão. E também uma para lavar qualquer pratinho sujado durante o dia... E a máquina de lavar ficava parada e nem eram eles quem a enchiam em competições logo após encontros entre amigos.
Na Suécia não tem quem não tenha lavadora de louça e também não tem quem não ensine seus filhos de que ao menos algumas de suas sujeiras são eles os responsáveis poe pegar.
Sim... minha chatice não mudou nada depois que voltei, obviamente. E muito pouco muda, porque a gente só percebe problemas quando eles acontecem em escalas gigantes e nos afetam diretamente. Ou então porque eles poderão afetar alguns de nossos netinhos ou bisnetos no futuro, como os desastres de um efeito estufa (no caso extremo do descuido com o lixo), ou da violência exacerbada (no caso extremo da desigualdade). Essas coisinhas bobas como cozinhar para si mesmo, limpar a própria louça e a própria sujeira é coisa de gente pobre, gente que provavelmente mora em lugares como... a Suécia?
Comentários
eu não conheci ninguem! ninguem mesmo! mas a questao que se segue e: essas pessoas e voce tem empregada domestica para lavar a louça para voces?
se não tem, então entra para a mesma estatistica do titulo do meu post que na verdade quer sugerir que ou os suecos tem lavadora ou eles lavam eles mesmos a louca com, obviamente, raríssimas exceções... rs
e entao?
Cada post seu que leio, principalmente estes sobre educação / cotidiano, etc, admiro - a mais e mais.
A pobreza (de pensamento principalmente) é grande mesmo.
OK, não tenho máquina de lavar louça e para ser sincera não pretendo ter uma. Da mesma maneira que não pretendo ter uma empregada doméstica. Por motivos que vão do financeiro, ao apego as minhas coisas, a não querer estranho na intimidade da minha casa / coisas, a sartisfação que tenho de cuidar do que considero meu e, olha só, momentos 'cozinha' para marido e eu, por incrível que pareça, são os de maiores intimidade. Calma, não é isso que você está pensando, kkkkkkkkkkk.
É na cozinha que nossas conversas mais longas se desenrolam. Lá que, enquanto um lava a louça e o outro seca, falamos sobre nós, sobre nossos projetos, nossas angústias, família, trabalho.
Eu adoro!
E sobre o 'fazer você mesmo' é a filosofia do marido aqui.
Te contei aquele dia que boa parte da reforma está sendo feita por ele né?
Pois é, agora sismou que ele mesmo vai confeccionar os trilhos para a portas de correr (quartos), a mesa da cozinha e também pequenos armarios para o banheiro (gabinete).
Não, ele não é marceneiro e ele não tem muito tempo sobrando, mas acha que certas coisas feitas por ele tem mais valor / sabor.
As pessoas tem orgulho de dizer "eu mandei fulano fazer". Tá, quando nao se sabe, nao pode. Mas concordo com você, boa parte é o sentimento de superioridade que 'mandar fazer' traz.
Brasil!
Beijos
PS: quando nos encontrarmos novamente e formos tomar um cafezinho, eu pago, kkkk. Fiquei te devendo o chocolate quente, já que você nao descontou do valor que foi depositado.
E como está a adaptação aí?
Mas no Brasil eu ja tinha uma maquina de lavar louca e la, nao tinha empregada, nao. Acho q este post eh relativo e nao quer comparar um pais com outro e vidas totalmente diferentes. nao entendi a comparacao e falar da educacao dos filhos...enfim, so minha opiniao.
na verdade e mesmo algo muito bom poder ter esta cumplicidade nas coisas de voces!
eu nao tive empregada nesta fase tambem... apenas uma faxineira de 15 em 15 dias e era muito bom ter a liberdade em minha propria casa... com filhos o servico pesa muito, fica dificil conseguir sem ajuda nenhuma. Essa era a realidade na suecia e por isso por la precisava mesmo das maquinas! santas maquinas!
na verdade essa serie comecou brincando com o otitulo de outro blog, o da paola, que e "na suecia nao tem baratas"... quer dizer: la provavelmente nao tem barata porque ela nao viu uma...? entende?
rs... agora sobre vc e seus amigos eles tambem sao solteiros e vivem sozinhos como voce? porque acho que ai entra mesmo em outro grupo, os dos suecos que nao vao disperdiçar energia, agua para lavar louca pra um... rs... talvez o titulo poderia ter sido "familias que nao tem maquina..." mas e isso!
Fique a vontade para vir e discordar deste ou de qualquer post!
Eu nao sei porque quando alguém quer discordar de um post meu acaba sempre se colocando como anonimo. Para quem escreve ter alguem para trocar ideias e fundamental! ... parece ate que eu escrevo para ouvir vocês dizendo: que magnanima! :)
eu entendo perfeitamente o que vc diz... eu vivi 4 anos la na suecia e era muuuito dificil dar conta de tudo sozinha, muito! era exaustivo! e consegui - clandestinamente e de vez em quando - alguem que viesse e ajudasse numa faxina... quando deu certo foi de 15 em 15 dias, mas e muito dificil a pessoa ficar... O sistema la funciona sim de outra forma. Mas, ao contrario do que voce diz, eu acho importante a gente comparar. Sem comparação, mesmo sendo lugares e pessoas diferentes, a gente nao pode aprender nunca nada de bom e diferente. Nao e? mesmo voce comparou a vida que tinha no brasil com a do canada e assim decidiu que mesmo sendo caro la voce pagaria uma empregada.
A senhora que ficava pra mim fazendo umas faxinas esporadivas, nos ultimos tempos em que vivi na suecia, por exemplo, ela escolhia quando ia, escolhia que so limpava, nao arrumava, e se ia encontrar a prima e nao trabalhar por exemplo. Ela era otima! um amor de pessoa! limpava que uma beleza! mas tinha a vida dela e o trabalho nao era tudo! tinha outra fontes de renda... entao eu vivia descabelada!
e eu nao sobreviveria sem tantas maquinas as quais os suecos estao acostumados.
Voce tem razao! eu mesma quando estava escrevendo o post pensei: putz! tem assunto para tres posts aqui... mas nao dava! nao estou com tempo para desmanchar em muitos posts, porque da muito trabalho. Ainda assim eu vejo uma relação em tudo o que eu disse. Veja só...
O que quis dizer e o seguinte: a vida das pessoas e diferente sim, claro! e sim tudo e relativo na vida se voce pensar por este prisma! Afinal no brasil temos muita gente desempregada etc etc.. mas o que quero dizer e que nos aqui no Brasil estamos muito mal acostumados. Como temos pessoas para fazer o que as maquinas ajudam a pessoa a fazer na suecia a gente esta aprendendo e ensinando para o filhos que sempre se tera alguem para fazer algo por voce se voce pagar... inclusive pegar seu lixo no jardim. Entende a comparação?
quando falo a gente no brasil tambem tenho em mente um grupo... e esse grupo e muito, muito grande. Envolve quase toda a parcela classe b e com certeza grande maioria dos classe a.
preciso ir! mas e isso... os suecos por precisarem operar eles mesmos suas maquinas nao tem a mentalidade de "lavar louca e coisa de pobre" limpar casa e coisa de coitados! de empregados! entende?
e ai onde o post queria chegar! bjs! seja bem vinda sempre!
Ele acha isso tudo a coisa mais normal do mundo. Quando vivemos no Brasil, tinhamos uma secretaria que tratamos como a que vem , aqui, uma vez por mês....
Brasiliero é mal acostumado...Mas acho que isso é cultural, nao é nao???
A arte de comparar....mesmo dentro da relatividade, existe desde os primordios da Humanidade quando o Homem olhava para o outro e via que, sim...eles nao eram iguais....
E em algum ponto, a comparacao era inevitável.
dias felizes....