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"Sexy and the City", eu e as suecas assanhadas



"Sex and the city" na série e as conexões possíveis

A convite de minha amiga alemã, a Nikol, fui pela primeira vez ao cinema, aqui na Suécia, e vimos "Sex and the city", o longa baseado na famosa série.

No Brasil assisti a todos os episódios, todas as temporadas, em DVD, em casa e sozinha. Um ou outro apenas vi com minha querida cunhada, a Dri. E a gente adorava. Ria muito e ficava naquele tititi feminino por horas. Sozinha, era muito bom pegar minha pipoca ou uma porcaria qualquer pra comer, bem no fim da noite, e ter um pouco de diversão e distração. 

Eu não gosto de comédias. Não consigo rir com elas e não tenho paciência, mas eu ria com "Sex and the city". E me via em inúmeros episódios e identificava os meus ou os problemas e dilemas existencias de tantas de minhas amigas.

E não foram poucas as vezes em que algum episódio foi tema de conversa gostosa e descontraída com elas. E a gente brincava de pensar em qual delas nos enxergávamos mais. E até hoje me lembro de alguns episódios e dou muita risada. Não porque era comédia barata, mas porque era tão parecido com as bobeiras que eu vivenciava que, de trágico, virava cômico.

A série toda tratava de dilemas muito comuns de grande parte de mulheres na casa dos trinta: não ter casado, não ter engravidado, não ter uma casa própria, não ter um relacionamento fixo ou se dar conta de que o tempo simplesmente estava passando e as coisas com as quais você havia sonhado a vida toda não estavam acontecendo. Eu via isso na série e ouvia o mesmo de minhas amigas o tempo todo.

Isso tudo fazia, eu creio, com que tantas milhares de mulheres adorassem ver as quatro amigas na série. E provavelmente é o que tem levado multidões delas a ver o filme agora.



"Sex and the city" no cinema: more money than sex

Mas se eu me divertia com a série eu sabia perfeitamente - e até me incomodava em um grau não muito elevado - a vida fantasiosa que parecia que elas levavam. E os exageros. Me irritava o fato de Carrie, a escritora ter dinheiro para comprar os tais sapatos "Manolo", tão caros. Ou as bolsas e vestidos chiques e descolados que ela desfilava nos episódios. Tudo bem que todos os personagens da série eram caricaturais, mas eu não gostava. O que eu fazia era abstrair essa parte e outras bem bobas e pegar o tema do dia e pensar ou deixar ou, claro, deixar de pensar.
Apesar disso, eu me divertia. E muito. E me emocionava também. 


Sex and the Malmö city

Ontem, quando chegamos ao cinema, o clima era de festa. Sabe festa de amigas que não sem vêem há anos? Era esse. E as trezentas ou mais suecas e algumas dezenas de estrangeiras que haviam feito reserva para o filme, como Nikol, fez para nós, estavam muito oriçadas. A sala era 99% mulher. E estava lotada. 

E as suecas silenciosas que encontramos nas ruas estavam barulhentas e dando gritinhos de alegria. Se abraçavam, estavam super felizes. Eu e Nikol, por nossa vez, estávamos eufóricas de ter conseguido, depois de tanto tempo sem sair, só cuidando dos bebês e nos encontrando em playground e falando de fraldas e gripes, falar de nós mesmas. Tomar algo e bater aquele papo gostoso que a gente só consegue ter com algumas mulheres. Então, o filme valeu muito a nossa saída, mas o filme, em si, achei fraco demais. 

É claro que não se deve esperar muito, inclusive porque o longa tenta resumir num único episódio a continuação de uma história que levou anos para ser passada na TV. E se você não via a série provavelmente vai achar muito ruim mesmo, porque há personagens que parecem péssimos se você não sabe como eles eram antes. Em mim, irritou o exagero do que já era exagero antes. O supérfluo, o luxo, a falta de verossimilhança. 


Compre isso, compre aquilo e também aquilo outro

Tem, claro, uma história por trás e a gente pode pensar que o filme fala das amizades femininas, as boas e duradouras, ou de quanto o amor exige que você olhe além do seu próprio umbigo, ou até mesmo de quanto os sonhos e fantasias do universo feminino devem ser repensadas a favor de uma relação saudável. Entretanto, o desfile de moda que as quatro fazem, o tempo todo, me irritou que foi uma coisa.

E a propaganda forçada, exagerada, descarada das marcas todas, desde a tal bolsa, que pra mim não vale nada, Louis Vuitton, dada por Carrie à sua dedicada secretaria, até o copo de café da Blockbuster. Ufa! foi tanta propaganda que eu não consegui me concentrar muito no restante.

Não vou fazer uma análise do filme, porque não faria sentido, já que ele não se propõe a ser mais que diversão. E também vou pegar leve, porque tem o lado legal de rever aquela história meio perdida das quatro e porque tem gente que eu adoro que gostou muito de ter ido ao cinema ver "Sex and the city", mas fiquei incomodada com preconceitos e sonhos de consumo, considerados normais e sem problema nenhum de serem aceitos. 


Você deve pensar assim...

Que a dedicada secretária, bom lembrar, negra, de Carrie, a Louise, tivesse o mesmo sonho de consumo da patroa, a gente sabe que pode ser o retrato da realidade. Mas que esse quase fanatismo por marcas e coisas caras e fúteis seja tomado como central e aceitável na vida daquelas mulheres ou qualquer mulher, nossa! me incomodou horrores. 

Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda me pareceram mais volúveis e fúteis no filme do que na série. O filme me pareceu mais fantasioso, porque a vida real foi substituída por coisas que talvez nós, mulheres, talvez desejemos fazer de vez em quando: deixar tudo e apoiar a amiga triste numa viagem ao México, pagar uma secretária para fazer nossa mudança e arrumar todas as caixas no lugar, mesmo sendo uma escritora que não vende, se reunir frequentemente com as amigas para tomar o brunch do sábado...

É claro que eu concordo que, tal como elas, mulheres reais brigam e se apóiam em todos os momentos, quando amigas. E concordo que algumas tem os mesmos sonhos, como casar com "pompa e circunstância" (não me incluo nisso, apesar de ter me casado com a igreja e festa) e estejam focadas no guarda-roupa.

Por outro lado, eu acho que a gente na vida real está mesmo é lutando pra comprar a bolsa da "lujinha" da esquina. Se casadas, a gente tá se matando para dar conta da casa, do marido, do trabalho e dos filhos. Tentando manter tudo, corpo, mente, em dia e ainda ser alguém que consegue dar uma escapada e respirar como ser humano autônomo.

Se solteiras, a gente perde horas no ponto esperando ônibus ou no engarrafamento, a gente faz conta no fim do mês pra saber se terá dinheiro pra pagar uma faxina na quinzena. A gente não tem tempo para escolher a roupa direito ou a gente não tem a roupa que queria, simplesmente porque tudo isso é caro demais ou porque as vezes isso simplesmente não tem importância. 

Eu sei que o filme trouxe alguns outros dilemas que vivo, vivi ou presenciei, mas, ao meu ver, eles ficaram obscurecidos ou foram suavizados para tornar o filme muito, mas muito vendável. Eu me reconheci novamente e reconheci minhas amigas queridas em várias coisas, mas não na maioria delas. Parece que a gente foi indo pra outro caminho. Ao menos a gente continua sem dinheiro para ter vestidos assinados e sem tempo para tanta badalação.


Cadê as suecas tímidas e pensantes?

Não sei. Me diverti bastante ontem, por um lado. Mas tinha mais a ver comigo mesma do que com o filme. E as suecas assanhadíssimas, dando gritinhos até com o au-au do cachorro e aplaudindo a cada cena romântica, beijo, bolsa, roupa, tudo! me deu a impressão chata de me sentir idiota. Facilmente comprável com apelos comerciais. E boba suficiente para achar que eu precisaria sair do filme eufórica com as roupas, sapatos e tudo o mais... 

A mulherada assanhada ontem parece ter acreditado piamente numa reportagem de revista que saiu aqui dizendo que as suecas acharam o filme "Fantástico". Para mim, elas pareciam mais adolescentes que adultas, não me deu orgulho de gostar de "Sex and the city", pelo contrário. Parecia um multidão pouco inteligente o suficiente para não perceber que algumas idéias, tomadas como normais, não devessem ser questionadas apenas porque "Sex and the city" foi uma das séries que eu e elas gostamos de ver no passado e porque, depois de tantos anos, reencontrar Samantha, Miranda, Charlotte e Carrie seja realmente tão gostoso e excitante.

Talvez se eu tivesse sozinha com a minha pipoca e meu pijama eu continuasse me divertindo como antes, sabendo até onde eu deva considerar o filme legal e onde começa a ficar ridículo achá-lo o máximo.


Comentários

Anônimo disse…
Sonia querida,
foi muito bom falar com voce e saber que estao bem,
tambem quero te agradecer por atraves do seu blog me proporcionar a grande alegria de reconectar com minha velha amiga perdida, Mara.

Beijos
saudosos
Sandra Reynolds
Anônimo disse…
Muié,

Acho que vou esperar o filme em DVD pra assitir em casa, comendo pipoca, de pijamas, etc. Quem sabe assim eu evito as suecas histéricas no cinema e tenho uma outra impressão dele... rsrsrs!

Obrigada pela dica :-)

Beijos
Xu
Somnia Carvalho disse…
Muié.

seguinte: cada hora vejo mais coisa pra acrescentar sobre o filme! nunca pensei que ele me daria tanto a pensar! haha... sobre a sociedade e as mulheres, infelizmente!

se assistir com a pipoca, me conta como foi sua impressão. Adoraria perceber que eu estou completamente enganada! hahaha...

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