Pular para o conteúdo principal

O véu que cobre seu rosto é o véu...

(Minha colega de curso de sueco iraquiana, no meio de uma de nossas aulas, Malmö, 2009)

O número de imigrantes do Oriente Médio na Suécia, e em Malmö sobretudo, é muito grande. No início muitos deles eram refugiados de guerra e, com os anos, foram trazendo suas famílias e parentes junto. 

No Komvux, um órgão de ensino do Estado, que dá cursos gratuitos para estrangeiros, o número de iraquianos e israelenses é também muito alto. Então, em meio a gente do mundo todo, de culturas totalmente diferentes, há muitas mulheres desses lugares, como a moça que vocês vêem na foto, que usa o véu e uma roupa preta quando está na rua.

No esquema que estou estudando aqui, no Språkverket, isto é, uma ala dedicada ao pessoal que já tem uma base do sueco, nós nos dividimos em quatro salas diferentes, nas quais são dadas aulas em que a gente mesmo se inscreve e planeja qual quer, com cinco professores diferentes também. O esquema é interessante, embora tenha alguns itens desfavoráveis. Ele também não ajuda muito com que eu consiga realmente fazer amizade com as colegas do oriente, porque estamos sempre nos vendo em aulas curtas e muitas são mais tímidas e preferem ficar entre as outras de mesma cultura.

Mas, dias desses, numa dessas aulas, calhou de ser um grupo pequeno, com apenas mulheres na sala. Assunto vai, assunto vem, falávamos de roupa e cultura, sei lá o que... e minha amiga Liana, brasileira, paulista, do mesmo bairro que eu, disse que achava que o véu dava um tom místico a essas mulheres. E eu emendei que pra mim era uma coisa misteriosa... E então ela perguntou:

- Misteriosa? 

- É. Disse eu. Toda vez que olho pra você e suas amigas eu fico imaginando o que tem aí por debaixo do véu... Qual a cor do seu cabelo, que tipo de roupa você usa. Se usa decote, e se por baixo dessa roupa toda vocês não têm uma lingerie ousada... Se vocês não são umas danadinhas...

Ao que ela respondeu: 

- É... eu posso mostrar.

- Nejjjjj! Nãããooo...???? Você pode??? Perguntou toda a mulherada em povorosa.

- É Claro. Desde que fechemos a porta.

Então sucedeu-se que nossa colega do oriente médio era linda. Não era a mulher feia e nem a senhora a que eu imaginava que ela fosse. Ela é muito jovem. A roupa a envelhece uns dez anos ou mais. Ela tem os cabelos longos, encaracolados e tingidos num tom de vermelho. Os dois minutos que durou a tirada do véu deixou a gente de queixo caído. 

A moça bonita iraquiana, que também tem nível universitário, disse que em casa ela usa decotes para o marido sim. E se faz muito bonita. E também pode ficar sem o véu quando está só entre as mulheres que ela conhece.

E é claro que depois disso eu queria mesmo era discutir como alguém se submete a se esconder assim porque o marido exige. E como milhares de mulheres o fazem porque milhares de homens o querem... Mas me calei. Nós nunca discutimos assuntos culturais polêmicos no Komvux porque não tem como. É diferença demais e é fácil cair no desrespeito e preconceito.

Num outro dia na aula tirei essa foto dela aí, mas prefiro não escrever seu nome. 


(A colega iraquiana e a colega romena, Malmö, abril de 2009)

Comentários

Ju Moreira disse…
Q descoberta deliciosa, Somnia! Fiquei so imaginando a cena.

Mas sabe, acho q muitas delas usam o véu porque querem e não pq o homem exige. Uma amiga que está morando em Dubai, escreveu ums post muito legal sobre isso. Neste caso, são burcas (onde só os olhos ficam a mostra).

Te deixo com dois links p dois posts que falam um pouco sobre isso. Ela tem um texto muito gostoso. Tu vai gostar de lê-la. ;)

xeroca

http://mainhadissequeeuialonge.wordpress.com/2009/04/24/de-burca-biquini-ou-saiao-todas-querem-a-mesma-coisa/

http://mainhadissequeeuialonge.wordpress.com/2009/05/07/207/
telecoteco disse…
Olá Sônia! Eu acompanho seu blog há algum tempo e estou estreando hj como sua "comentadora" rs. Pelo que eu entendi vc não tem amigas próximas vindas do Oriente Médio mas se um dia vc tiver vai ver que essa surpresa que vc teve em ver sua colega sem véu foi só o início. Eu tb moro na Suécia e tenho amigas próximas que usam véu portanto não pude deixar de vir aqui "defende-las" e dizer q a maioria dessas mulheres usam véu pq querem e não pq o marido as obriga. Da mesma maneira que eu odeio usar esses biquinis imensos dos suecos, as mulcumanas nao se sentem bem andando por aí sem véu.
Beijocas de quem adora seu blog!
Mr.Jones disse…
Tenho uma amiga do Oriente Médio. Mas não tive o privilégio de ver como é esse mistério por baixo daquela roupa toda (rindo).
Elas podem até revelar o mistério para outras mulheres. Já para os homens, só o marido dela que tem a sorte.
Anônimo disse…
Oi Sonia!!
depois de tanto tempo de ibernacao dentro dos meus livros nao aguentei e essa eu tenho que comentar...
isso tudo e uma contrucao social(sueco em versao portugues...kk) Se voce poem isto numa linha do tempo e cultura todos passaram por transformacoes, eu pessoalmente detesto o "véu" acho isso uma arma de opressao, da mesma forma que sinto repugnancia a todas as formas de "leis invisiveis" que existem na sociedade west(vc me entende?)exemplo:vc tem que pesar no maximo 50 kg porque senao vc sera excluida de uma forma ou de outra da sociedade.
As jovens dessa era sofrem de anorexia, ataques de panico e etc porque elas tem que "fit" dentro dessa sociedade.
Isso nao e uma forma de oprimir o individo??A diferenca esta em que nos temos a oportunidade de escolher se vamos "join them or not" e com os anos aprendemos em qual "gaveta" encaixamos melhor. Mas sinceramente nós mulheres nao queremos sempre estar na moda e "lindas" mas quem poem as regras do que e bonito ou nao??
Voltando a amiga do véu...nao é só cultura no caso do meio oriente e uma questao de religiao(que fique claro que eu nao gosto de nenhum tipo de religiao mas acredito numa forca maior a qual prefiro nao identificar com um nome absoluto)praqueles lados sexo(ou qualquer coisa que possa induzir a isso)é sujo e mulher nao tem direito a gozar, por isso as meninas tem que ser...nao acho a palavra correta mais oque eles fazem e retirar o clitoris e blygläpparna...infelismente nesse ponto eles continuam em 1600 no tempo de quando a igreja catolica ia "salvar" o resto do mundo e a unica verdade era e deles.
peco desculpas se onfendi a alguem mas essa é a minha opiniao.
/JR REBELDE SEM CAUSA
Tô aki imaginando a cena...
eu tb tinha essa curiosidade, poxa nem sabia que elas podiam tingir cabelos!
Agora fica a questão... será que os maridos respeitam essas mulheres tão dedicadas?
Eu prezo mto respeito e fidelidade, acho que estão na base de uma relação!bjs
Mr.Jones disse…
só hoje me dei conta que tinha esse lance das letrinhas no comentários lá. Retiradas!
ahahaha
Sei como é, quando eu fiz um curso de ingles em uma universidade lá estavam, uma turca, uma macedônia, duas chinesas, uma da cidade e outra do campo, e eu. A professora era americana/judia, criada lá e depois imigrada para os Estados Unidos.
Era tanta diferença, que eu só ouvia e achava interessante. Quando por ventura me perguntavam como era no Brasil e eu explicava, elas ficavam chocadas, achavam os brasileiros liberais demais, que não entendiam.
Eu só respondia: a cultura de outro povo não é para se entender, é para se aceitar, eu não posso mudar o jeito de voces viverem e vice-versa, mas respeito tudo o que voces consideram certo, mesmo eu não entendendo.
Elas me achavam exótica, até que um dia vieram almoçar comigo, na minha casa.
DEpois deste almoço viram que eu nao anda nua dentro de casa (rs), nem que jogo bola e sambo o dia inteiro (rs), ou seja era tão normal quanto elas.
É muito engraçado viver em países com esta diversidade cultural.
bjks
Somnia Carvalho disse…
Mulherada e Mr. Jones,

demais os comentarios! acabei escrevendo primeiro o texto acima para vir responder, mas agora to cansada demais e preciso ir nanar... amanha, sem falta respondo! beijocas boa noite!
Beth/Lilás disse…
Ai, que cheguei meio tarde!
Mas, tô saindo pra pegar o maridex na barca, quando der volto.
Quero mostrar uma coisa.
bjs
Luciana disse…
Eu tinha comentado mas o comentário não entrou, bom, vou resumir.
Estudei com duas meninas que não mais usavam o véu, aqui, porque elas disseram que quando voltam pro país de origem delas TEM que usar, pois podem até serem mortas. Elas não disseram que pela família, mas já ouvi coisas nesse sentido.

Outras com quem estudei ainda usam, mas não com essa roupa preta por baixo, somente cobrem o cabelo, e pareciam a vontade com isso, e outras não usavam mas usaram na época do ramadã, para manter a tradicão e respeito pela religião.

Eu leio muito sobre a mulher muculmana, e por tudo que já li, vi e ouvi, não posso deixar de ver e acreditar que elas usam por imposicão e submissão, mesmo que digam que não, que fazem o que querem com isso, mas deve tá nas células dela isso, afinal, anos e anos de submissão não é fácil se livrar assim.

Dia desses uma queimou o véu aqui em público, houve manifestacões contrárias, até agredida ela foi, pois jogaram gelo nela, um absurdo. Agora, se elas pudessem decidir, porque outras foram lá manifestarem-se contra, né?

Mas micão eu achei a rainha da Noruega, em um evento com muculmanos, dia desses, usando um véu muito mal arrumado na cabeca, tentando cobrir os cabelos armados de laquê. Sei que ela tentou ser elegante, mas acho que ela não tá tão ligada de que essa do véu é um símbolo de submissão imposto as mulheres muculmanas. E também não vi porque ela fazer isso se eles vem para cá e não tão nem aí em respeitar a cultura norueguesa e tentam impor a deles,claro, salvos as excecões.

Beijo
Somnia Carvalho disse…
Ju, sim foi muito interessante!

ah! sobre o site la das fotos vou entrar pra ver! obrigada lindona!

sua referencia foi excelente! adorei o blog dela e os textos tambem! Ela escreve gostoso e tem experiencia bacana! apesar de que eu acabo por não concordar em tudo com ela.

beijocas!!!
Somnia Carvalho disse…
Oi Teleco, seja sempre bem vinda!

sim eu nao tenho amiga proxima do oriente medio não... não porque eu não queira... ate tento, mas elas sao mesmo mais fechadas. Puxo conversa e tal, mas rola so ali na aula.

ainda assim eu ja ouvi de varias delas tambem que elas estao de veu porque querem nao porque o marido obrigue aqui... mas sobre isso e tentando responder voce eu escrevi o proximo post! manda ver no comentario de la inclusive no que discordar!

beijocas
Somnia Carvalho disse…
O Mr. Jones eu sinto que ja ficou uma ponta de curiosudade em voce! nao pode mesmo ver um rabo de saia, literalmente hem seu danado!
Somnia Carvalho disse…
Jéssica minha linda e revoltada amiga,

haha... a gente se conhece bem e eu entendo quando voce fala com tanta empolgacao... Eu havia pensado em responder a Teleco, dai seu comentario chegou e achei que voces mereciam um post... rs

eu não vou entrar na discussao da religião porque acho que nao ha como chegar num consenso, mas eu havia pensado exatamente nisso... nessa obrigacao do peso, em tudo que nos impomos porque todo mundo espera isso de nos, mesmo no ocidente... mas tambem pensei nisso, em como essa liberdade nao custa a vida ou uma agressao fisica...

beijos
Somnia Carvalho disse…
Barbie fofa, sabe que essas que vivem fora do oriente eu ja nao sei mesmo... preciso ter mais intimidade pra perguntar...

elas nao me parecem infelizes, essas que conheco, sabe? e falam com carinho dos maridos... por outro lado, lendo artigos na internet a gente ve que elas precisam se submeter a tudo, como por exemplo desistir de tudo se o marido pedir... uma deputada de la desistiu do congresso depois que o marido proibiu. Como ela tambem e xiita ela disse que e assim mesmo que na biblia ta escrito e ela tem que seguir o que o marido quer...
Somnia Carvalho disse…
Cris, e exatamente assim como voce falou! uma diversidade incriiiivel!

ate tenho um post na cabeca sobre essa nossa vidinha muito internacional!!! rs...

alias que a sua tinha que virar livro de tanta experiencia!
Somnia Carvalho disse…
Lilas, manda ver no que tem pra trazer!
Somnia Carvalho disse…
Lu,

é isso mesmo! concordo em tudo com voce!
Eu nao sabia do evento da rainha da Noruega! como e o nome dela?

Tenho amigas que ja viajaram para o oriente medio e usaram o veu la... em alguns paises e sinal de desrespeito e mesmo que a gente não queira é aconselhavel usar para nao correr risco de sofrer algum perjurio na rua, alguma violencia...

a sua rainha foi visitar o oriente ou encontrou com eles ai?
Luciana disse…
Somnia, a rainha se chama Sonja, vocês tem o nome em comum.
Eu acho que foi aqui mesmo o evento, fiquei meio revoltada com o ridiculo e comecei a falar, daí já tava saindo da sala e fui, então nem vi o que ela tava dizendo. Até entendo e talvez concorde em parte de que se fosse lá ela usasse o tal paninho cobrindo os cabelos armadíssimos de tanto laquê, mas acho que foi aqui.
Estava procurando uma foto dela com esse lenco na cabeca, mas não achei nada. Se achar te mostro.

Beijo
Márcia disse…
Aqui nos EUA também tem muito imigrante e é comum encontrar com pessoas de todo o mundo pela rua. Acho interessante essa cultura do véu, das roupas escondendo tudo. Mas, sabe? não acho que elas se submetem a isso só pq é desejo/opressão masculina, não. Como vc bem disse, é cultural, né?

Postagens mais visitadas deste blog

"Ja, må hon leva!" Sim! Ela pode viver!

(Versão popular do parabéns a você sueco em festinha infantil tipicamente sueca) Molerada! Vocês quase não comentam, mas quando o fazem é para deixar recados chiquérrimos e inteligentes como esses aí do último post! Demais! Adorei as reflexões, saber como cada uma vive diferente suas diferentes fases! Responderei com o devido cuidado mais tarde... Tô podre e preciso ir para a cama porque Marinacota tomou vacina ontem e não dormiu nada a noite. Por ora queria deixar essa canção pela qual sou louca, uma versão do "Vie gratuliere", o parabéns a você sueco. Essa versão é bem mais popular (eu adorava cantá-la em nossas comemorações lá!) e a recebi pelo facebook de minha querida e adorável amiga Jéssica quem vive lá em Malmoeee city, minha antiga morada. Como boa canção popular sueca, esta também tem bebida no meio, porque se tem duas coisas as quais os suecos amam mais que bebida são: 1. fazer versão de música e 2. fazer versão de música colocando uma letra sobre bebida nela. Nest

"Em algum lugar sobre o arco íris..."

(I srael Kamakawiwo'ole) Eu e Renato estávamos, há pouco, olhando um programa sueco qualquer que trazia como tema de fundo uma das canções mais lindas que já ouvi até hoje. Tenho-a aqui comigo num cd que minha amiga Janete me deu e que eu sempre páro para ouvir.  Entretanto, só hoje, depois de ouvir pela TV sueca, tive a curiosidade de buscar alguma informação sobre o cantor e a letra completa etc. Para minha surpresa, o dono de uma das vozes mais lindas que tenho entre todos os meus cds, não tinha necessariamente a "cara" que eu imaginava.  Gigante, em muitos sentidos, o havaiano, e não americano como eu pensava, Bradda Israel Kamakawiwo'ole , põe todos os estereótipos por terra. Depois de ler sobre sua história de vida por alguns minutos, ouvindo " Somewhere over the rainbow ", é impossível (para mim foi) não se apaixonar também pela figura de IZ.  A vida tem de muitas coisas e a música é algo magnífico, porque, quando meu encantamento por essa música come

O que você vê nesta obra? "Língua com padrão suntuoso", de Adriana Varejão

("Língua com padrão suntuoso", Adriana Varejão, óleo sobre tela e alumínio, 200 x 170 x 57cm) Antes de começar este post só quero lhe pedir que não faça as buscas nos links apresentados, sobre a artista e sua obra, antes de concluir esta leitura e observar atentamente a obra. Combinado? ... Consegui, hoje, uma manhã cultural só para mim e fui visitar a 30a. Bienal de Arte de São Paulo , que estará aberta ao público até 09 de dezembro e tem entrada gratuita. Já preparei um post para falar sobre minhas impressões sobre a Bienal que, aos meus olhos, é "Poesia do cotidiano" e o publicarei na próxima semana. De quebra, passei pelo MAM (Museu de Arte Moderna), o qual fica ao lado do prédio da Bienal e da OCA (projetados por Oscar Niemeyer), passeio que apenas pela arquitetura já vale demais a pena - e tive mais uma daquelas experiências dificilmente explicáveis. Há algum tempo eu esperava para ver uma obra de Adriana Varejão ao vivo e nem imaginava que