(Os biquinis necessários)
Eu imaginei que o post sobre minha colega iraquiana não passaria sem causar alguma polêmica, embora eu tenha até me surpreendido (positivamente) com a rapidez e animação com que vocês se manifestaram.
Desde que me mudei para a Suécia eu desvio do assunto quando penso em escrever um post sobre as enormes diferenças que há entre os estrangeiros vindos do oriente médio e o os vindos de outros cantos do mundo. Desvio porque sou o tipo que evita muita polêmica. Acho que os oito anos que trabalhei como professora de cursinhos, nos quais discutia três, quatro vezes por dia o mesma tema sempre muito polêmico, para tentar ajudar os alunos a pensarem argumentos que eles não haviam pensado contra a tese que sustentavam no início das aulas, e tinha que trabalhar de mediadora para que eles não se pegassem na sala, me deu uma coisa nas veias de sempre querer ver dois lados das moedas.
Além disso, o tema sobre o uso do véu e como os israelenses, iraquianos, paquistaneses e outros vivem sua cultura mesmo dentro de um país ocidental sempre dá muito pano para a manga e acho que muitas vezes acaba caindo naquele: todo mundo é diferente e ponto. Então, desisto antes de começar.
Entretanto, a fala interessantíssima de vocês ali no post de baixo não me deixa ir dormir antes de tentar explicar com maior profundidade o porquê de minhas últimas frases do post anterior.
É claro que a diferença entre as minhas colegas do oriente médio com as europeias, latinas, algumas africanas, chinesas, japonesas etc salta aos olhos, já que milhares delas, apesar de viverem aqui há muitos anos, em certos casos, há dezoito, vinte e tantos, continuam a usar o véu e a roupa preta que cobre o corpo todo delas.
Para começar a argumentação lembro que o fato de eu ser dona do blog não faz de mim dona de nenhuma verdade. É claro que eu creio que o que penso é o que faça mais sentido, se eu não achasse isso mudaria meu pensamento para outro qualquer. Contudo, sou partidária da discussão, ainda que calorosa, porque sempre que discuto, ouço, troco, eu aprendo. E creio que a gente pode aprender junto alguma coisa. Espero.
Quando eu disse que não entendo como uma mulher pode usar o véu porque seu marido a obriga eu não o fiz sem conhecimento do fato de que muitas dessas mulheres "optam" pelo uso do véu. Seja no país delas, seja aqui na Suécia. Eu já conversei com várias dessas colegas de curso, a maior parte na faixa dos trinta anos, casadas, com filhos e, nessa ala que estudo, todas com nível universitário. Muitas, inclusive, falam inglês, procuram trabalho aqui na Suécia e gostam de estudar.
A colega personagem do post anterior, que chamarei de Hana, por exemplo, estudou língua árabe (o nosso curso de letras) na universidade no Iraque. Hana é casada com um professor de Biologia da Universidade de Lund e fala bem o inglês. Então Hana não é uma mulher desinformada, que apenas repete, sem noção nenhuma de história ou conhecimento de mundo, parte do comportamento que as mulheres de sua terra tem feito há milhares de anos.
Se eu perguntar para Hana, assim como perguntei a várias outras no curso de sueco, ela provavelmente me dirá que quer usar o véu. O que eu acredito é que a Hana não usa o véu porque ela quer, mesmo que ela repita isso para si mesma. Ela não escolhe usar o véu, porque simplesmente não houve nunca outra opção para ela.
Imaginemos uma moça de uns trinta e poucos anos que tenha nascido numa cidade qualquer no Brasil. Vamos chamá-la Laura. A Laura era de família classe média brasileira, filha de uma mãe dona de casa com um pai dentista. Imaginemos que depois de crescer aí, dentro dessa família a Laura acabe tendo optado por estudar odontologia, já que seu pai fazia muito gosto e sua mãe prometeu-lhe ajudar com os custos da faculdade particular do interior.
Laura educou-se, obviamente na mesma carreira, pensando ela ter escolhido por si mesma, enquanto apenas repetiu o que se esperava dela e o que precisava fazer para ser a boa filha e boa moça que achava que precisava ser. Cresceu como mulher, trabalhou e conheceu seu marido, também dentista, na universidade. Depois do namoro, do apoio dos pais dela, católicos, e dele, católicos não praticantes, para a festa e a celebração de casamento vamos imaginar que ao invés de casar de véu branquinho e grinalda e entrar naquela igreja imensa com toda a pompa e circunstância que as noivas brasileiras normalmente fazem, eles tenham decidido por casar numa mesquita.
Vão contra os pais, começam a achar interessante a religião muçulmana porque tiveram um amigo na faculdade que era de Israel e ela acabe desejando usar o véu, não no casamento, mas o véu que lhe cobre o rosto, mesmo morando aí no Brasil.
Dá para imaginar uma situação assim? Será que é tão fácil optar por algo tão diferente quando a gente foi educado para ser e pensar de um jeito desde que nasceu? Algo que está tão em nós que não sabemos mais se é nos que um dia decidimos por aquilo ou não? Ou é mais fácil imagina a Laura casando com o Paolo, um rapaz super bacana, de família com valores mais ou menos parecidos, de religião similar e condição econômica não tão diferente ? E o bebê não será lá na Igreja da família batizado? Ou mesmo se não for, essa não é a cena mais comum que a gente encontra numa situação assim?
Pois é assim que eu vejo minha colega Hana. A Hana poderia não usar o véu na Suécia, aqui em Malmö? Poderia. Ela não o faz porque, de acordo com a cultura onde foi educada, uma mulher de respeito usa o véu. Está escrito na Bíblia que a mulher não deve revelar seu corpo. O corpo da mulher não é para causar prazer e não pode levar os homens ao desejo. Se um homem na rua vê o corpo dela e a deseja a culpa é dela, entende? Não é dele. Por isso Hana pode usar decote na frente do marido, mas não do irmão dele.
A tese de que Hana não é livre, ainda que pense ser, vale também para nós ocidentais, em muitos e muitos casos. Concordo totalmente com quem diz que também somos oprimidas por uma cultura machista. Sim! O decote cavado no corpo magro, o batom vermelho na boca carnuda, o cabelo longo no bumbum saliente. Tudo isso é também uma exigência cultural machista brasileira, por exemplo, mesmo quando é a gente que queira usar de todos os apetrechos. Até mesmo o biquini cavadinho brasileiro que eu a a minha querida leitora Telecoteco preferimos, em detrimento do biquini sueco grandão, é uma escolha que a gente não faz. Mesmo vivendo em outro país, onde a maior parte das mulheres usa um biquini grandão na parte de trás, acabo procurando até achar um que seja como os que eu usava no Brasil. Aqui o biquini precisa ser grande, creio, porque o banho de sol se estende aos quintais, parques e praças, não só à praia e piscina como no Brasil e porque aqui o biquini não precisa, como no Brasil, salientar tanto o pedaço do corpo da mulher que o homem brasileiro mais admira e mais deseja. Não sei qual a tara deles aqui, mas bunda realmente não parece ser. Agora vejam que mesmo num assunto tão simples eu não consigo mudar meu hábito. Para mim, estar bonita e sensual num biquini exclui um biquini que tampe meu bumbunzinho todo. Sou eu que penso isso, mas eu penso porque sou brasileira o que seria com certeza diferente se eu não fosse.
Se, por um lado, eu não ache que as mulheres do oriente médio são as únicas a se submeterem a exigências machistas, por outro, eu não acredito que dá para comparar como se fosse a mesma coisa. Sim, é verdade que não tenho liberdade nem mesmo para escolher a música que ouço, já que a indústria da cultura fabrica seus ídolos e me faz crer que eu os escolhi e que o gosto seja meu, já diziam os filófosos e sociólogos Theodor Adorno e Max Horkheimer nos anos 30, com os quais aliás eu concordo totalmente, Não escolho nem mesmo meus biquinis sem ter em mente toda a história que veio comigo desde que comecei a ser mais mulher. Todavia se eu resolver ir à Ubatuba, ao Leblon com um biquinão suecão grande não vou arrancar pedras de ninguém. Não serei linchada, não serei banida da família e dada como sem valor. Se for de roupa escura grandona do mesmo jeito. Receberei uns olhares de desaprovação, com certeza, mas a agressão vai parar por aí.
Se a nossa colega imaginária Laura resolvesse converter-se ao islamismo ou a uma religião bem diferente da de seus pais ela provavelmente enfrentaria a cólera deles e a rejeição dos amigos, mas não creio que eles se sentissem no direito de machucá-la. De tirar dela seus direitos, seus filhos, caso ela tivesse algum. E se o fizessem na nossa sociedade eles é que seriam punidos por não dar a ela liberdade e usarem de violência.
Vocês me entendem? Na minha opinião, simplória, porque conheço apenas de "ler" e "ouvir" a cultura do oriente e desse pouco contato com as mulheres das quais falei na escola, não há liberdade para as mulheres do oriente médio. Elas precisam aceitar a violência, porque está escrito no Corão. Precisam aceitar a poligamia de seus maridos, porque é da natureza do homem desejar muitas mulheres. Precisam ter o número de filhos que os maridos lhes proverem, porque não podem usar nenhum método contraceptivo.
E mesmo quando estão a viver num país que tenta respeitar todas as diferenças possíveis, como a Suécia, elas "optam" por manter o mesmo de antes. Optar, nesse caso, não significa para mim ter capacidade de escolher entre um leque de opções, mas sim escolher aquilo que menos causará polêmica e com o qual elas poderão viver mais tranquilas e sentindo-se mais valorizadas. Eu respeito, acho até que entendo, mas não consigo não achar estranho.
...
Li alguns posts em outros blogs e em alguns jornais que são muito interessantes para se ver muitos lados da questão. Se você quiser e só clicar:
Comentários
Nao tenho intençao de pisar no calo de ninguém, mas é facinho moldar uma cultura dizendo que Deus quer isso ou aquilo, nao?
E realmente nao é sò là nao, minha mae conta que no curso de noivas que fez na Igreja catòlica pra se casar (nos anos 70) ela aprendia bobagens como: "mesmo se o casal estiver passando por dificuldades financeiras, a mulher precisa esperar o homem em casa com pelo menos uma jarra de àgua na mesa pra ele". Essa servidao da mulher para com os homens e a sociedade machista nao é de hoje, mas pelo menos aqui no ocidente as coisas tem mudado aos poucos.
Você foi no âmago da questão - machismo de muitas culturas, a nossa inclusive.
Há duas semanas saiu uma matéria em O Globo que até coloquei um pedaço dela no blog de uma outra amiga em Washington e que mostrava as implicações que a globalização tem trazido para a Europa. A maior de todas é, justamente o fato de muitos povo não se envolverem completamente com a cultura do país em que estão vivendo, mesmo em casos de países como a Inglaterra que tem sido bem mais receptivo a todos os imigrantes.
Na Inglaterra, hoje, há uma tolerância total pelas diferenças. Isso não necessariamente impede a mistura, mas talvez seja uma coisa mais lenta. Em Londres existem regiões habitadas apenas por imigrantes de Bangladesh. Mas há pouco uma pesquisa constatou que hoje 10% da população infantil na Inglaterra é mista. É um número altíssimo em relação à história do país. Então, está havendo uma mistura. Não sei bem se receptivos ou tolerantes, mas o fato é que este primeiro momento da globalização e o que adveio dela, a imigração em massa, como você e todas as pessoas que viajam para o exterior, principalmente Europa estão assistindo, é um momento delicado para ambas as partes. Exercitar primeiro a tolerância é a primeira coisa neste momento.
Também assisti dezenas de famílias de indianos, paquistaneses, povos árabes e africanos em Washington e N.York e o detalhe é este aí, os americanos 'parecem' aceitá-los muito bem, são educados, mas distantes e eles, por sua vez, andam sempre em grupos, mulheres de véu e roupa preta aos montes e hábitos bem próprios de seus países, mas dentro de um contexto bem americano.
O mundo mudou e nós somos os primeiros a assistir esta transformação.
A sua comparação do véu e do biquini cavadão foi perfeita, pois é puramente machista de ambas as culturas.
Você disse: "Está escrito na Bíblia que a mulher não deve revelar seu corpo." - mas acho que você quis dizer no Alcorão, pois este é o livro sagrado dos islâmicos, certo.
Quanto aos islâmicos nada tenho contra nem a favor, muito pelo contrário. hahah Afinal eu não acredito em religião nenhuma e sequer estou preocupada se uma ou outra está certa ou se é a que mais 'arrebanha' fiéis, no entanto, fiquei surpresa com o que vi noutro dia no blog de um amigo e acho que você também ficará.
Veja este vídeo do you tube e se quiser mostre para seus leitores, pois acho que combina com este texto suscinto, bem elaborado e inteligente qu só você mesma poderia escrever.
Você é minha 'ídala' na globosfera.
hahaha
Beijocas cariocas
http://www.youtube.com/watch?v=CM9qSe3IbSM&feature=player_embedded
Esse tema e algo que me fascina porque nao se pode descutir sem recorrer as materias bases, psicologia, sociologia e politica.
Tudo oque fazemos ou nao tem a raiz no behaviorism um bom exemplo e "Laura" logo se vamos analizar a religiao a minha primeira pergunta e quem escreveu a biblia/koranen/tora or whatever, foram homens com o unico fim de se beneficiar a si proprios eis entao o dilema. diz em que livro vc encontra " a mulher tem os mesmos direitos que o homem ou a mulher e o ser omnipotente e deve ser venerizada..." e claro que nao existe.
obrigado Sonia por entender e "traduzir" num texto mais comprehensivo as minhas ideias malucas.
bjs ses snart;)
/JR
mas o carinho e amor continuam bem vivos aqui nesse vermelho que pulsa e bem longes da preguiça!
beijo na testa
quase copiei aqui a carta para sua mãe... arrepiei!
sim querido, foi bom voce confessar esse pecado terrivel aqui! mas que coisa mais feia menino... a preguiça nao e coisa boa! rs...
eu sei benhe, eu sei... tem tema que da preguiça... mas tem post meu, que so olhando o tamanho, a gente ja desiste... tambem faco o mesmo quando vejo texto assim no blog de outros sobre temas que me dao preguica... fica tranquilo, vou pedir pro papai do ceu te perdoar.
Mas quando o assunto é religião, eu acho que a coisa é um pouco diferente, ainda que o machismo seja o mesmo. Pra mim, a sua amiga Hana não é livre para escolher e nunca vai ser não porque a sociedade machista está dizendo a ela que é errado, mas porque deus disse. A "opressão" da religião nos acompanha para onde quer que a gente vá e ela é quem deve achar estranho nós vivermos sem o véu e nossos maridos acharem que tudo bem.
Marilena
Acredito que tudo isso seja apenas uma questão de despojamento, desapego às nossas idéias e tradições e pensarmos como cidadãs do mundo.Se vamos à praias de nudismo com certa frequência, logo tiramos tudo, ou pra ser menos radical,onde se faz top less, uma hora a gente tira, né mesmo ? Pois é, se fosse ao contrário ? Se vc. fosse se sentir valorizada e até mesmo desejada, segura, por quem te ama, vc. tb. acabaria usando o véu, a burca, a burga, a canga...
É só uma questão de valores.
Beijoca no nariz,
Cláu :) SP
Ao contrário do que Meryl disse, não creio que é pela religião, mas a religião é usada para exercer a submissão.
Eu acho que os suecos gostam de bunda sim, norueguês também, mas o que pode ser diferente é que eles apreciam mas não olham, por enquanto a maioria ainda, a mulher e bunda como objetos, então deve ser estranhos para eles elas/nós usarmos aquele mini biquini minusculo socado na bunda para atrairmos homem, e isso vem de uma mídia que mostra que a mulher tem que ser sarada, jovem, e usar o minibiquini para mostrar o que tem a oferecer, o corpo.
Me livrei desses biquinis antes de vir pra cá, quando comecei a pensar na mulher valorizada por ela própria e não por um corpo que perece. Mas antes eu era bem submissa a esse conceito machista simbolizado pelo biquininho.
Mas também tem mulher que usa porque acha bonito, será que é o caso da opcão ou de anos vendo a valorizacão do biquininho em detrimento do biquinão?
Tem umas brasileiras aqui que dizem que o biquinão é horroroso, que o fio dental está com tudo, que as norueguesas usam biquinão porque não tem bunda e por aí vai. Ledo engano, tanto norueguesa com brasileira tem corpão ou não, só acho que elas veem o sexo de forma diferente, mais em busca do prazer delas, do que em satisfazer o homem. outra coisa que é também muito criticada pelas imigrantes latinas, católicas principalmente.
Essa liberdade sexual das norueguesas, e acredito das suecas também incomoda muito, incomoda não por que as latinas não o facam, mas pela forma como as escandinavas fazem, assumindo que ter uma vida sexual é bom e saudável, que sexo não é pra satisfazer macho, e por aí vai.
Como você ver isso?
Ontem não consegui ler o post, voltei hoje pra ler e dar meu pitaco.
Beijo
Agora lendo o comentário da Luciana aí em cima me veio uma outra coisa na cabeça. Já tinha reparado nisso, e acho bem curioso na verdade.
Quando morei na Espanha conhecí muitas gringas da Holanda, Suécia Dinamarca e etc de intercâmbio.
Embora elas não se vistam suuper sensualíssimas como as brasileiras tive a impressão q elas lidam com o corpo e o sexo com tão mais naturalidade.Até as suas "ousadias" e liberdade de transar mesmo pareceu natural..
Parece até contraditório né, pois conversando com algumas destas meninas elas disseram q pensavam q as brasileiras eram suuper "dadas" (desculpe o termo) em relação ao sexo. E eu expliquei q pelo contrário, embora as típicas brasileiras se vistam com muito decote e tal...
Parece contraditório né...
A breve síntese q pude fazer foi relacionado à religião e por esses países serem mais progressitas mesmo....
Bom, ficou longo, me desculpe Somnia...
Vc repara isso por aí?
Nossa, desviei do assunto né...sorry..
Beijão,