(Vaso com quinze girassóis, Vincent Vang Gogh, 1889, Museu Van Gogh, Amsterdã)
“Meus estudos não têm para mim nenhuma razão de ser além de uma
espécie de ginástica para subir e descer nos tons [...]”
(Cartas a Théo, Vincent Van Gogh)
O silêncio de vocês nos comentários sobre o segundo post da série "O que você vê nesta obra" foi bastante significativo.
Ao escolher o Michael Kvium para a primeira pintura da série e saber que se tratava de uma obra pouco conhecida e também polêmica, fiquei em dúvida se deveria alternar com outras menos "chocantes" e, de certa maneira, mais "suaves".
Eu sei que dizer que o holandês Vang Gogh pode ser "suave" é quase um palavrão. E é! o que quero dizer é que se Van Gogh foi extremamente contestador em sua época e ajudou a inaugurar uma forma totalmente nova de pintar, com experimentações de cores, com pinceladas carregadas de tinta, sem preocupação com retrato fiel da realidade, se ele pensou que uma pintura poderia ser sentida através da expressão de cores da paleta e isso fez com que ele vendesse apenas um quadro em vida, hoje isso é totalmente diferente.
Nossa geração cresceu vendo as telas fauvistas, impressionistas e expressionsitas. Por essa razão a super Lilás, a solitária e brava leitora que comentou o post, disse que "com certeza" ela teria um quadro do Vang Gogh em casa. O gênio das cores tornou-se agradável ao nosso olhar, porque aprendemos a vê-los com outros olhos e com outro tipo de experiências sensoriais. Vemos o pintor com olhos de quem olha e vê um gênio, não alguém que não sabia pintar, ao contrário do que se via na sua época, porque estamos "mais preparados" para ver algo fora das convenções na pintura e na arte em geral.
(A Igreja de Auvers-sur-Oise em duas perspectivas: a de Vang Gogh e a real, captada pela fotografia)
Na pintura da Igreja em Auvers-sur-Oise, de 1890, que pertence ao Museu D´Orsay, em Paris, a gente pode notar um contraste muito forte entre o azul do céu com os amarelos e os verdes do chão. A Igreja, com uma gama enorme de tons pastéis ou amarelados, tem um dos seus tetos em vermelho. Oras bolas por que esse vermelho chocante em apenas um dos telhados? Porque não é a Igreja e sua cor original o que importava a Vang Gogh passar para a tela, mas como o aquele vermelho em contraste com as outras cores do quadro poderia causar a quem contemplasse a pintura de sua Igreja.
Quando você vê esta tela pessoalmente pode notar uma "tonelada" de tinta no tecido. A espessura do quadro é alta, tal qual o "Vaso com quinze girassóis", do Museum Van Gogh de Amsterdã.
Eu visitei esses museus em anos diferentes. A Igreja, em Paris, acho que em 2002, depois os Girassóis, em Amsterdã, em 2006, mas a sensação que tive diante das duas telas foi muito parecida. As cores usadas pelo sensível Vincent tem tanta vida que saltam da tela. Dos girassóis o próprio Vang Gogh fez inúmeras versões, uma das quais eu também vi no National Gallery, em Londres, mas que não me causou o mesmo impacto que a de Amsterdã. Dizem que a mais famosa é a de Munique, então eu não imagino o que me espera se ainda houver um vaso de girassóis melhor do que aquele da Holanda.
A tela da Igreja não é grande, mas a gente tem essa impressão diante dela. As pinceladas ondulais dão uma sensação de que ela está se movimentando no ar. Fiquei parada durante uma eternidade só olhando, olhando, sentada num banquinho do museu, enquanto milhares de turistas passavam por ela fotografando e filmando.
Em Amsterdã, esse "choque" de emoções foi por conta dos muitos tons amarelos usados no "Vaso com girassóis". Há um contraste fortíssimo entre cada pétala e outra dos girassóis e as cores são tão intensas quanto o pintor que as pintou.
Em um livro de bolso lindíssimo, "Cartas a Théo", que você pode comprar em qualquer banca de jornal (e que alguém que já nao me lembro emprestou de mim e nunca me devolveu), a gente pode ler as cartas que Van Gogh escreveu, durante décadas, a seu irmão. Nelas ele esmiúça o uso que faz das cores, e relata suas experiências ora bem sucedidas, ora frustradas. Van Gogh tinha uma ansiedade excessiva e, ao mesmo tempo, encantadora com a escolha ideal das tonalidades e essa era uma característica também de outros pintores de seu tempo.
"Continuo sempre à procura do azul. As figuras de camponeses, aqui, em regra geral,
são azuis. No trigo maduro, ou destacando-se sobre as folhas secas de uma ala de
faias, de forma que os matizes escalonados de azul escuro e de azul-claro recobram
vida e passam a expressar-se opondo-se aos tons dourados ou aos castanhosvermelhos"
(Cartas a Théo, Vincent Vang gogh, L&M Editores, 1997, p. 73)
Talvez a gente tenha quando diante da tela num museu, ou para alguém que trabalhe com arte, como eu, mas acho que aqui para o blog, fica mais interessante trazer telas contemporâneas, ou então, bem polêmicas que dêem o que pensar, ver e falar.
Sendo assim, vai no próximo post um novo quadro para apreciação de vocês na seção "O que você vê nessa tela? Assim como os outros dos quais falei, esse também vi pessoalmente em Copenhaguem. Creio que falar de uma tela que eu tenha visto ao vivo seja mais interessante porque posso fugir das peças que o google e a internet prepara.
Enjoy it!
Comentários
Van Gogh hoje seria muito festejado e ia ter um montão de gente copiando seu estilo estranhófilo.
Acho melhor mesmo vc colocar pintores contemporâneos e que a gente desconheça a historia dele.
bjs cariocas outonais