("Rise", Eddie Vedder, para o filme "Into the wild" (Na natureza Selvagem)
"(...)
Such is the passage of time
Too fast to fold
And suddenly swallowed by signs
Low and behold *
(...)"
Tal é a passagem do tempo
Rápida demais para desistir
E de repente engolida por sinais
Eddie Vedder, "Rise"
Em "É tudo uma história" eu falei bastante de como aprendi, no Fórum Landmark Education, uma só "operação de fachada" minha encobria uma gama de pensamentos e atitudes que eu tinha, disfarçavam o que de fato estava ocorrendo em cada momento vivido e ocultavam outras "operações" que foram sendo criadas enquanto eu lidava com as pessoas e os desafios da vida.
O Ênio, a quem eu agradeço por estar ali ouvindo e pensando sobre o que eu escrevia me mandou o seguinte comentário:
Oi Sônia! sua experiência é fantástica! O que eu acho que faria muita diferença para você ser mais efetiva em passar sua mensagem é vc compartilhar sua experiência: O que aconteceu? O que vc interpretou? E o que aconteceu quando ficou presente não só para os benefícios mas também para os custos de estar vivendo daquele jeito máquina de ser. E quando abriu mão deles e inventou uma nova possibilidade nessa área. Não é entender o que é e como funciona as operações de fachada que faz com que as pessoas fiquem presentes a uma nova possibilidade em suas vidas. (...)
Como eu não quero parar no processo eu fiquei pensando muito no que meu amigo, e líder do time Landmark no Brasil falou. A idéia do Fórum é que só a "conversa" muito aberta, sincera, generosa, isto é, uma fala em que eu não esteja preocupada em "parecer bem" para a outra pessoa e sim, de fato, comunicar o que quero comunicar, sem "fachadas pode proporcionar em mim alguma "sacada" sobre como as coisas estão ocorrendo na minha cabeça naquele determinado momento em que falo sobre um problema ou uma situação. Só isso também me leva a ser de fato compreendida pelo outro, porque não há ali julgamento do que o outro pensa e pensará, mas apenas e tão apenas o que vejo da situação. Não sou certa, não tenho a verdade, mas comunico como vejo tudo. Entendem?
Então tentarei.
Interpretei que minha "operação de fachada" de repetir aos outros e a mim mesma o tempo todo como sendo "Eu sou dispersa" era uma forma de eu não ir direto na questão que me incomodava. Não fui, por exemplo, quando falei ao Rui, lá no Fórum, que eu precisava muito anotar o curso porque senão eu não conseguiria estar presente nele. Eu não sabia ainda que estava usando de uma "operação", mas compreendi no momento em que percebi tantas outras explicações para ações diferentes minhas.
Interpretei ainda que ao criar aquela operação eu me culpava o tempo todo por coisas e por não fazê-las tão bem quanto queria, por não ser perfeita na atenção aos assuntos com os amigos, ou questões diárias etc. E, com isso, eu sofria. Sofria muito por ser o tempo todo imperfeita. Dispersa. Ao mesmo tempo eu tinha o ganho de me jogar naquela boa desculpa todas as vezes que eu não havia conseguido ser perfeita. Era uma desculpa para os outros e para mim.
Quando percebi minha "operação", naquele exato momento do Fórum, eu abri mão de justificar tantas coisas com ser dispersa. A consequência imediata foi que me dei a possibilidade de ser alguém muito concentrada, mesmo não anotando o curso no papel. Eu entendi que eu não era aquilo. Que tudo havia sido uma "história" criada por mim e assumida por mim através de falas e atitudes de outras pessoas. Mas não só isso! Percebi que tudo não passava de uma "história" que se construiu na minha cabeça. Porque foi como eu vi e recebi e compreendi o que as pessoas falavam sobre mim e esperavam de mim.
Ao abrir mão de ser perfeita naquele dia (da maneira como eu entendia que precisava ser perfeita) eu me permiti não ter a obrigação de ser perfeita. E foi muito mais leve. Além disso, eu passei a verificar constantemente nas minhas atitudes se eu recorria de novo ao antigo modelo. E se eu estava de novo agindo como quem quer estar sempre certa. Fiz isso e ainda faço muito! Mas consigo reconhecer vários momentos e parar minha "máquina" quem me diz "Seja perfeita!", "Pareça sempre dominando tudo!".
Uma das (de novo! tem muitas outras que estou sacando e agindo todos os dias) foi, por exemplo, com respeito ao meu retorno ao trabalho. Depois de 5 anos sem lecionar, efetivamente, eu senti um baque na volta. Algumas turmas me receberam muito bem, a maioria. Outras nem tanto. E em uma, ou duas, me senti totalmente emperrada.
A aula não ia. Muitos alunos (adolescentes, a maioria de 15 anos) não gostavam da aula, achavam minha matéria (Filosofia e Sociologia) inútil e não faziam nenhum esforço para que eu não percebesse isso. Ao contrário, foram duros. Piadas, falas diretas e indiretas, risadinhas, cara feia. A cada aula eu ia me sentindo mais fraca para encará-los e com mais vontade de desistir, embora soubesse não seria o caminho. A cada aula eu saía com minha "vozinha" me dizendo: "Como podem?" "Eu tenho doutorado!, dei aula para cursinhos e sempre fui amada em sala, sempre consegui tanto sucesso com a turma e eles cresceram tanto! Como eles ousam me tratar assim?"
E a coisa só piorava.
Até o dia em que essas falas do Fórum me vieram à mente: eu estava zangada porque eu não estava parecendo bem. Apesar disso, minha tática só me deixava pior frente a eles e nada mudava. Nada mudava porque eu estava desesperada para mudá-los! Eu queria a todo custo provar que eu estava certa e, assim, fazer com que entendessem que eles eram, então, os errados.
Não funcionou por umas três, quatro semanas.
Cheguei numa dessas salas, a mais difícil, e abri o jogo. E falei mais ou menos assim: "Gente! Eu sei que é difícil pra vocês estar aqui tanto tempo sentados nestas cadeiras ouvindo professor após professor falar. Eu sei que até agora minha aula não funcionou pra vocês e queria pedir desculpas. Desculpas porque eu não estava aceitando o fato de porque tinha tanta experiência e sempre fora amada pelos meus alunos vocês pudessem estar agindo assim. Eu estou triste porque vejo que não querem estar aqui e eu queria muito que estivessem. Eu tenho muito para trocar com vocês, se vocês me permitirem. E também quero estar aqui não como tem a verdade, mas alguém que está aprendendo também."
Pela primeira vez eu estava conseguindo a atenção da sala. Os olhinhos deles se viraram pra mim e o barulho insuportável da sala cessou. Vi algumas carinhas tão imaturas, sedentas para que alguém lhes dissesse: "Hej! pare!" e vi neles pessoas tão inseguras, tão com medo de tudo que estava por vir como eu.
Vi como, no fundo, havia uns três, quatro que chamavam a sala para ir contra mim e tentei me aproximar mais destes alunos. Ao invés de mostrar medo deles ou raiva eu tentei vê-los de fato como apenas seres humanos numa idade complicada da vida. E assumi que o problema não era eu, mas como eles me viam a partir da forma como eu estava me mostrando.
A Sônia amada de anos antes não era aquela. Autoritária. Chata. Mãezona dando bronca. Perdida. Eu não havia conseguido ainda me conectar com aqueles alunos e isso se fez neste dia.
Na semana seguinte, nesta sala, o menino quem mais liderava as piadas e caras feitas e frases sarcásticas sobre mim foi me ajudar com o slide. E com o som. E foi simpático e generoso. Eu retribuí com sorriso e obrigada. Ele ficou mais próximo e prestou atenção na aula. A sala se envolveu um pouco mais na aula e o barulho terrível foi diminuindo. Havia outros ainda dispersos, mas ele já estava conseguindo ver além do que via nas primeiras semanas.
Aproveitando o conteúdo de Filosofia das aulas fui me aproximando e, depois de uma aula em que percebi este menino realmente envolvido na aula, participando e até feliz, eu chamei-o no final, sozinho e disse: "... queria te dizer uma coisa, você tem 2 minutos?"
- "O que professora? vou levar bronca?" Isso porque ele estava sendo chamado na diretoria por outras atitudes.
- Não. Fique tranquilo. Eu só queria dizer e reconhecer seu esforço nesse últimos dias. Reconhecer como você está mais envolvido, prestando atenção e participando. Eu fiquei muito feliz que você tenha me ajudado e de ouvi-lo falando. Obrigada!
Eu não estou exagerando. Eu não sei o que houve e "ocorreu" para ele depois disso. Talvez tenham acontecidos outros episódios em outras aulas etc, não sei. O que sei é que este menino, de 15 anos, é outro. Ele parece ter criado uma possibilidade totalmente diferente de ser, de vivenciar minha aula. Não mais como o líder que trazia a sala para baixo ele, para debochar da professora, mas como alguém que chama: "ô pessoal, fica quieto ai!". E não só! Ele reflete, ele vai além nas reflexões, ele lidera a turma para cima! E isso gente! É incrível!!!
O que percebo de tudo isso (e Ênio, não sei exatamente se aqui eu consegui chegar onde você sugeria) é que desvendar minhas "operações de fachada" me permite criar novas possibilidades de experimentar viver e ser eu mesma na vida. Me traz sucesso naquilo que acho importante fazer e ser, mas, além disso, consegue criar um elo, um vínculo com as pessoas que até então eu tinha muita dificuldade em estabelecer, quando minhas "operações de fachada" não eram suficientes para fazer tudo isso.
Percebo que mesmo sendo amada (ou achando que eu era) por alunos antes eu me segurava em "fachadas" como sou a super simpática, sou a mais legal, sou a mais sabida, sou a mais falante, a que fala mais piadinhas, a mais didática... Funcionava e funcionou por muito tempo, mas também falhou. Na época eu só não sabia como fazer diferente e ia sempre pelo mesmo caminho. Me frustrava muito e me lembro de de uma sala, em especial, acho coma qual eu tive realmente um problema, ter empurrado as aulas com a barriga e suportado os alunos até o final e vice-versa.
A diferença é que agora não preciso sofrer um ano fazendo isso. A situação é outra. As "possibilidades" infinitas.
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* Tradução do trecho de "Rise", Eddie Vedder:
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