(A notícia nas páginas do Facebook e na net: ministra sueca participa de ato racista em Museu na Suécia?)
Se você não tinha visto até agora as fotos "chocantes" nas quais a Ministra da Cultura da Suécia está cortando um bolo, cujo formato é o de uma mulher negra, me desculpe por ser eu a pessoa quem vai trazer tais imagens bizarras a sua mente. Como muitas outras mensagens feitas para passar rapidamente pelo Facebook esta traz, além do episódio do doloroso bolo, a seguinte mensagem:
"Durante a celebração do Dia Mundial da Arte, em 16/04/12, no Museu de Arte Moderna, Suécia, a ministra da cultura daquele país, Lena Adelsohn Liljeroth, partiu um "bolo" caricaturando a senhora Saartjie "Sarah" Baartman, chamada "A vênus negra". O bolo foi partido primeiro em sua genitália e alimentou a cabeça da "obra", uma pessoa em blackface e escondida sob a mesa, numa referencia a uma autofagia canibal... Tudo isto entre muitos sorrisos."
Makode parece querer criar, entretanto, uma obra mais provocadora (ou repulsiva, ou chocante, ou revoltante depende da leitura de cada um): a mulher negra em questão na celebração era ninguém menos do que a dançarina africana Saartjie "Sarah" Baartman, a "Vênus Negra" quem emigrou da África para a Europa em busca de realizar o sonho de ser artista no velho continente, em 1810, mas acabou sendo "escravizada" em shows de quinta em Londres, recebendo cachês ridículos e se valendo da exploração do seu corpo exótico pelo seu patrão e pelos europeus racistas e/ou curiosos.
Obviamente tem-se aí um material fácil para indignação. Por essa razão, creio eu, muitas pessoas tem repassado mensagem e o tema racismo na Suécia veio com toda a força. Foi assim que fiquei sabendo do ocorrido na celebração sobre o "Dia Mundial da Arte", no Museu de Arte Moderna de Estocolmo.
Eu, entretanto, apesar de fazer minhas análises neuróticas sempre que possível, apesar de também saber que a Suécia, toda a Escandinávia e até mesmo o Brasil, não está livre de grupos racistas, extremistas e gente desejosa de ver imigrantes longe de seu país, não consegui engolir o bolo do Facebook. Achei as imagens intrigantes demais e resolvi pesquisar.
Eu, entretanto, apesar de fazer minhas análises neuróticas sempre que possível, apesar de também saber que a Suécia, toda a Escandinávia e até mesmo o Brasil, não está livre de grupos racistas, extremistas e gente desejosa de ver imigrantes longe de seu país, não consegui engolir o bolo do Facebook. Achei as imagens intrigantes demais e resolvi pesquisar.
Sim, porque a Suécia onde eu vivi, apesar de não ser perfeita, não combina com aquelas imagens. A Ministra da Cultura numa declaração aberta assim de racismo? Não. Mesmo uma ministra de partido moderado. Simplesmente não tem nada a ver com a maior parte das pessoas suecas que conheci e o como grande parte daquele povo luta para tentar ver todos os povos como iguais, ainda que diferentes. Ou será?
Além dessas pulgas atrás da orelha, em se tratando de arte (moderna ou contemporânea), fiquei ainda mais curiosa e fui pesquisar para além do Facebook, quando descobri coisas, no mínimo, interessantes para formar um ponto de vista. Descobri que o artista criador da obra se chama Makode Aj Linde. Como se nota pelo nome, Makode, apesar de viver na Suécia, tem descendência africana. Dito de outra forma: ele é negro.
O episódio, entretanto, não lhe rendeu louros com a comunidade africana na Suécia. Todos se mostraram indignados e tanto ele, quanto a ministra estão sendo "apedrejados" virtualmente. Embora eu não goste de olhar para o bolo da "Vênus Negra" com o corpo em bolo vermelho, muito menos imaginar que a cena toda possa ser de fato uma manifestação claramente racista, há alguns aspectos nisso tudo que deveriam ser ressaltados.
A arte é a única esfera social em que nós, ao menos em tese, somos livres. A arte é o único lugar onde é possível fugir à lógica sistemática.
Aí, é possível criar algo sem ter que cumprir padrões, expectativas, usando apenas de criatividade e pensamento livre. Provocar, instigar novas leituras, quebrar paradigmas, questionar, alfinetar, ser um espaço onde a expressão ocorre livre de... tudo isso é parte do que a arte moderna entende como sendo seu papel.
O Dia Mundial da Arte tinha como tema exatamente a liberdade do artista frente à sociedade. O que fez Makode? Tomou um tema polêmico: a mutilação genital de mulheres negras na África. Somadas às mulheres mutiladas no Oriente Médio e no sul da Ásia, por ano, são 3 milhões de mulheres que têm seu clitóris cortado, daí haver no Museu obras cujo tema era a circuncisão feminina. O fato é que, apesar de protestos e opiniões contrárias no mundo todo, a prática continua. É cultural, imposta e "aceita" por suas sociedades.
(A notícia nas páginas de jornal sueco, em inglês, sobre a Suécia para imigrantes: a ministra não tão feliz assim)
(A ministra oferece pedaço do bolo para o artista Makode durante performance no Museu de Arte Moderna)
Makode parece querer criar, entretanto, uma obra mais provocadora (ou repulsiva, ou chocante, ou revoltante depende da leitura de cada um): a mulher negra em questão na celebração era ninguém menos do que a dançarina africana Saartjie "Sarah" Baartman, a "Vênus Negra" quem emigrou da África para a Europa em busca de realizar o sonho de ser artista no velho continente, em 1810, mas acabou sendo "escravizada" em shows de quinta em Londres, recebendo cachês ridículos e se valendo da exploração do seu corpo exótico pelo seu patrão e pelos europeus racistas e/ou curiosos.
Sua história de vivência do horror colonialista e racista na Europa do século XIX, foi tema do filme "Vênus Negra", da mesma forma que o bolo celebrativo de Makode provocante-repulsivo-chocante-revoltante. Makode parecia ter em mente, portanto, a dupla liberdade castrada de Sarah Baartman e ainda um terceiro objetivo em mente: o bolo seria cortado na Suécia e, a pedido dele, por uma branca, a sueca Lena Adelsohn Liljeroth's, representante do povo sueco.
Segundo a ministra, ela foi abrir o evento e falar sobre o Dia Mundial da Arte, quando o artista pediu a ela que cortasse o bolo...
A cena, bem como a encenação feita por ele - sim, porque o corpo da mulher era feito de chocolate, mas a cabeça era do próprio Makode, enfiado debaixo da mesa, quem gritava enquanto cada pedaço do corpo era cortado por alguém - deveria então fechar o espetáculo da tortura. A mesma tortura sofrida por estes milhões de mulheres no continente onde Makode tem raízes. A mesma tortura sofrida por outras mulheres, de formas variadas em outros cantos do mundo. O tema racismo estaria então estampado e colocado em discussão num país conhecido como democrático, onde não só mulheres, mas mulheres imigrantes tem em lei seus direitos garantidos.
Cada um de nós é livre para desgostar, odiar, achar feio ou (acho difícil no caso do bolo) admirar a obra de Makode Aj Linde. Isso não importa. Ele não fez sua "Vênus Negra" para ser amada. Ele não berrou no salão de Arte Moderna de Estocolmo tentando fazer uma obra bonita. Sua "Vênus" tem, aliás, quase a mesma cara de suas outras obras: bonecos negros que se confundem com pessoas ou vice-versa.
Somos livres para criticar a obra, para repensar o racismo na Suécia e na Europa atual e como este vem novamente crescendo quieto dentro de seus grupos minoritários. Somos livres para usar a obra de Makode assim como ele quando a fez e sentir até repulsa por ela. Todavia, concluir daí que a ministra do partido moderado sueco, num ritual macabro racista, juntamente com outros brancos racistas, estavam felizes comendo uma mulher negra em formato de bolo, ou ainda deduzir que a Suécia é um país horrosamente racista por conta deste evento é tomar o Facebook como coisa séria demais, o que ele não é! E é generalizar toda uma cultura que ensina o respeito ao outro e a todo o tipo de diferença desde o jardim da infância.
Entendo perfeitamente como nós precisamos pôr a boca no mundo contra qualquer manifestação racista, contra qualquer ato que envergonhe, diminua as mulheres, as mulheres negras ou qualquer pessoa e grupo minoritário no mundo. E se Makode conseguiu o contrário do esperado ele deve, da mesma maneira, ser tema de crítica e análise. Tenho, contudo, bastante receio em tomar o evento como foi compreendido pela maoria das pessoas...
As redes sociais, nós todos já sabemos, tem seu papel na divulgação de coisas lastimosas do nosso mundo e pode até ajudar em certa criação de consciência, mas se tomado sozinho, em grande parte dos casos o que faz é o contrário: mutila. Mutila o pensamento, mutila a reflexão, mutila o senso crítico, mutila as chances de ver outros lados da moeda. Mutila a liberdade.
O bolo de Makode teve repercussão imediata e até ameaça de bomba o Museu sofreu por conta do evento. Na página do artista no Facebook não faltaram comentários sobre seu mau gosto. Em páginas de jornais pelo mundo houve até quem insinuasse que ele, como negro, deve se odiar tanto que coloca uma mulher negra sendo comida por brancos. O racismo aparece por todos os lados! E Makode, na minha humilde opinião, já sabia bem disso! por essa razão era preciso gritar aos quatro cantos que o racismo dói...
Segundo a ministra, ela foi abrir o evento e falar sobre o Dia Mundial da Arte, quando o artista pediu a ela que cortasse o bolo...
A cena, bem como a encenação feita por ele - sim, porque o corpo da mulher era feito de chocolate, mas a cabeça era do próprio Makode, enfiado debaixo da mesa, quem gritava enquanto cada pedaço do corpo era cortado por alguém - deveria então fechar o espetáculo da tortura. A mesma tortura sofrida por estes milhões de mulheres no continente onde Makode tem raízes. A mesma tortura sofrida por outras mulheres, de formas variadas em outros cantos do mundo. O tema racismo estaria então estampado e colocado em discussão num país conhecido como democrático, onde não só mulheres, mas mulheres imigrantes tem em lei seus direitos garantidos.
(O artista Makode Aj Linde, criador do bolo "Vênus Negra" e algumas de suas obras)
(Obra do artista Makode Aj Linde, intervenção em cerâmica: boneca negra ocupa lugar da rainha em prato típico comemorativo)
(Obra de Makode Aj LInde: quem deve proteger mata? Como é que nossa Senhora do Socorro socorre? Arte provocativa)
Somos livres para criticar a obra, para repensar o racismo na Suécia e na Europa atual e como este vem novamente crescendo quieto dentro de seus grupos minoritários. Somos livres para usar a obra de Makode assim como ele quando a fez e sentir até repulsa por ela. Todavia, concluir daí que a ministra do partido moderado sueco, num ritual macabro racista, juntamente com outros brancos racistas, estavam felizes comendo uma mulher negra em formato de bolo, ou ainda deduzir que a Suécia é um país horrosamente racista por conta deste evento é tomar o Facebook como coisa séria demais, o que ele não é! E é generalizar toda uma cultura que ensina o respeito ao outro e a todo o tipo de diferença desde o jardim da infância.
Entendo perfeitamente como nós precisamos pôr a boca no mundo contra qualquer manifestação racista, contra qualquer ato que envergonhe, diminua as mulheres, as mulheres negras ou qualquer pessoa e grupo minoritário no mundo. E se Makode conseguiu o contrário do esperado ele deve, da mesma maneira, ser tema de crítica e análise. Tenho, contudo, bastante receio em tomar o evento como foi compreendido pela maoria das pessoas...
As redes sociais, nós todos já sabemos, tem seu papel na divulgação de coisas lastimosas do nosso mundo e pode até ajudar em certa criação de consciência, mas se tomado sozinho, em grande parte dos casos o que faz é o contrário: mutila. Mutila o pensamento, mutila a reflexão, mutila o senso crítico, mutila as chances de ver outros lados da moeda. Mutila a liberdade.
Comentários
To morando na Suécia há um ano e tenho a mesma impressão que você (passou no texto): por aqui o pessoal trabalha bastante contra o racismo, tanto que acredito que o preconceito racial na Suécia é muito maior contra finlandeses e leste europeus do que contra negros e islâmicos. Não sabia da história do bolo, mas devo admitir que as imagens são chocantes...
Abraços!
Não importando qual tenha sido a ideia provocadora do autor da obra, o resultado foi de MUITO mau gosto pra dizer O MÌNIMO.
Chocar? Provocar? Usando o tema da mutilação feminina já é de uma enorme falta de visão porque esse tema não deveria ser discutido entre risinhos. Sendo ele homem talvez não consiga capturar a gravidade da situação.
Segundo, se ele quis levar a uma reflexão do racismo mesmo em uma sociedade que reflete sobre o tema como a Suécia, esqueceu de combinar com a audiência. Porque, de novo, os risinhos tornam toooda a experiência ULTRAJANTE.
Eu me senti PROFUNDAMENTE chocada e ofendida em um nível que não consigo explicar. Como mulher. Como negra.
Porque eu não dou liberdade pra ninguém rir DESSES temas que são tão caros e sensíveis para o meu povo.
Eu eu acho que tudo na vida tem um limite. Que é o da dignidade humana. A arte inclusive.
Beijocas, querida.
"Sweden thinks of itself as a place where racism is not a problem," he said. "That just provides cover for not discussing the issue which leads to incidents like this."
Parabens pela informaçào e pela divulgaçào do teu pensamento...acredito que isso ajuda formar opinioes!
Porém gostaria de saber de qual fonte vc pegou a noticia de que a mulher em questào se trata da "Venus Negra"!?!
Pois na discussoes que estou seguindo de ativistas negros que moram na Suecia, em nenhum momento até agora foi dito isso. O que encontrei foi uma noticia que ele usa os personagens do "minstrel" e para quem viu o filme "Bamboozled" do Spike Lee consegue fazer essa associaçào!
http://www.urbanlife.se/en/arts/exhibitions/387-afromantics
http://www.makodelinde.com/
O artista não foi feliz no que tentou passar.
Achei sem propósito a ministra ter se prestado ao papel de cortar o bolo e ainda ficar sorrindo o tempo todo. Seria mais natural que ela tivesse se recusado a cortá-lo, pois não me pareceu sequer apetitoso.
Não gosto de nenhuma manifestação sobre cor, acho que se mostra o valor com atos, não com reivindicações.
Você discorreu lindamente, atendo-se aos fatos e pesquisando. Isso é informação de qualidade.
Beijo!
(Tá boazinha? Irradiando alegria,
se o artista queria passar uma mensagem,nao consegui.talvez aquelas pessoas rindo nao entenderam a situaçao ou relamente entenderam.......tudo bem que eu sou uma defensora do povo sueco,se alguem fala mal ,pa!la to eu defendendo,mas nesse caso nao sei quem defender!
Arte não precisa ser bela. Ela pode abordar o horror. E se choca as pessoas e as tira da zona de conforto, claro que o artista será duramente criticado. Mas se ela levanta discussões importantes, parabéns pro cara.
Essa semana to com o saco na lua com essa questão do racismo, porque a coisa aqui na Noruega tá meio feia com o julgamento do louco de 22/7. Mas a imprensa norueguesa é tão superficial, se atém a detalhes tão irrelevantes, e ninguém se atreve a discutir a onda de racismo que cresce todo dia, na extrema direita. O governo aqui tá comecando a devolver grupos de refugiados pros seus países de origem, comecaram pelos etíopes. A direita está adorando. Um horror. É preciso que aparecam artistas ousados que tirem as pessoas dos seus mundinhos.
mil coisas
mil beijos
Tô voltando a blogar, devagarzinho, ainda sem muita inspiração, mas adoro ter o prazer em voltar a ler posts interessantes e instigantes como este teu.
Voltando da Europa agora, pude presenciar a enorme massa de povos de países pobres ou em guerra que buscam refúgio em alguns países de lá. Senti que deve ser muito difícil para aqueles governos administrar o que vem ocorrendo em grande escala nestes últimos tempos, por isso penso que a obra deste polêmico artista (que eu não achei nada bonita), pelo menos irá servir para isso, ou seja, fazer as pessoas refletirem sobre comportamentos hostis ou de pouca importância a esses povos, assim como do ato ainda grotesco como são tratadas algumas mulheres em certas partes deste mundo. Como você bem disse e terminou o texto "era preciso gritar aos quatro cantos que o racismo dói..."
E sobre o comportamento 'alegre' demais dessa Ministra diante do corte no bolo, achei que ela não captou bem a mensagem inserida.
Pra dizer a verdade, achei que ela sim é que pisou na bola e não entendeu nada do assunto.
mil beijos cariocas e saudade