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"La ci darem la mano": o passado presente num milésimo de segundo


(Dueto de Pavarotti com Sheryl Crown, "La ci darem la mano", Don Giovani)

Estou aqui, um pouco em meio ao caos que eu mesma criei em meu ateliê-escritório. Tem mais ou menos uns duzentos livros espalhados, potes de tintas pra lá e pra cá e uns tanto mais objetos.

Tenho uma mania maluca de organizar a casa externa para daí começar a me arranjar por dentro. É tempo de procura por trabalho, de mudança radical na vida levada nos últimos anos. Tudo isso requer energia, organização e mesmo que eu esteja totalmente sem tempo quando vejo já estou com todas as prateleiras no chão tentando organizar as coisas...

Ao som de Pavarotti bem alto, enquanto a criançada brinca comigo por aqui ao mesmo tempo agora, eu percebi isso: o quanto tantas coisas em mim, na gente, não mudam nunca!

Lembro de ter uns doze, treze anos de idade e fazer a mesma coisa na casa de minha mãe. Escondida e em silêncio eu organizava meu quartinho, meus poucos livros, minha cama, ouvindo música clássica na rádio FM da época. Quando terminava eu me sentia tão feliz, mas tãão imensamente em paz naquela limpeza e organização feita por mim mesma que podia passar horas depois estudando para as provas da escola.

Então me dei conta disso e também percebi novamente como as memórias nos são importantes. Apesar de ter despertado meio sozinha um gostinho pela música clássica em meio a um ambiente muito simples e sem estudo no interior de São Paulo o conhecimento mesmo veio só quando conheci Ludmila e Dona Carmem. Minha amiga do curso de filosofia, sua mãe e seu pai eram amantes de ópera. Um piano, inúmeras partituras e discos de vinil naquela casa grande em Barão Geraldo foram parte de minha vida por uns quatro anos.

Vivi com eles um pouco do que eram e não só carrego comigo os nomes das peças, quem são os compositores e os intérpretes, mas sobretudo ficou em mim o prazer que ouvir aquelas músicas com elas me proporcionavam. Ficou aquela sensação de que eu crescia, de que minha vida ali era passageira e aqueles momentos iriam embora como muitos outros... A de que o passado, o tempo "perdido" nos pertence de certa maneira.

Dona Carmem quem vivia cantarolando pela casa com seu vozerão se foi ano passado, na semana do Natal, mas ainda assim tudo agora pouco, enquanto eu ouvia Don Giovani, uma ópera que vi com Ludmila e também com Renato e um amigo Klaus, me levou de volta aos meados de 1990. É possível me transportar, sentir de novo a felicidade daqueles momentos, sentir o cheiro da casa da Lud e da comida da sua mãe... É como se a voz de Luciano Pavarotti pudesse enlaçar minhas mãos com as delas de novo....

Certas memórias, eu já sabia e fico bem contente em constatar, nem as manchas do tempo conseguem apagar.

Comentários

Beth/Lilás disse…
Ah, amiga, eu também tenho grandes memórias do meu passado e das pessoas que o povoaram, como a mãe portuguesa de minha amiga Lurdinha que eu amava de coração, ela me ensinou tantas belas coisas, simples, lá de sua aldeia em Portugal e músicas que cantarolava ou versinhos que eram muito comuns dos portugueses falarem quando aqui chegaram ao Brasil.
Essas pessoas ficam para sempre em nossos corações e mentes, são elas que fizeram o estofo de cada um de nós.
E eu amo ouvir música clássica também, inclusive à noite quando estou escrevendo.
uma beijoca geladinha, carioca

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