(Alguns objetos pessoais para criar uma atmosfera agradável e a programação da tarde escrito do jeito antigo, Workshop de pintura da Somnia, Lund, novembro de 2009)
Era cinco e trinta e quatro da tarde e a cidade já caía numa escuridão imensa. Da estrada eu via muitos pontos acesos nas casas e nas empresas ao redor e o farol do meu carro iluminava a estrada negra.
Ao som dos Pet Shop Boys cantando "Always on my mind" na rádio local, o dia todo e alguns momentos especiais iam passando pela minha cabeça tão rápido quanto a paisagem ao meu lado.
Em casa me aguardavam Ângelo e Renato e eu dirigia em direção a eles e atrás de mim ficara o grupo de 17 pessoas, todos suecos e suecas, que estavam no meu primeiro workshop de pintura na Suécia.
(Puxa sofá de outra sala, espalha livros, empresta tapetes e muda a cara séria da sala de reuniões, Workshop de pintura da Somnia, Lund, novembro de 2009)
Enquanto meu carro avançava sobre a paisagem negra da Escandinávia pensei em minhas primeiras turmas de redação em 1998, no Brasil, e no frio na barriga que senti nas primeiras vezes.
Pensei também nas primeiras aulas de pintura que tive, há sete anos, com minha agora amiga Eloísa. Nos cursos do MAM, em que a gente criava de tudo com as tintas e os papéis. Lembrei dos museus por onde andei pelo mundo e das telas maravilhosas que pude ver ao vivo. E também do quanto eu um dia iamginei ser a pintura apenas para alguns bem dotados.
Me vieram à mente ainda s aulas na universidade e de como eu me escondia entre as prateleiras da biblioteca de letras lendo Fernando Pessoa sentada no chão. Pensei nos dias solitários que passei com minha escrivaninha e Anita Malfatti, preenchendo páginas e páginas de um longo doutorado.
E, por último, me veio a expressão no rosto daquelas 17 pessoas, até então desconhecidas, com as quais tive contato ontem. Seus olhares e sua ansiedade para ouvir o que eu tinha a dizer. A forma como as suecas sairam literalmente correndo para pegar as telas maiores e iniciar sua pintura. O jeito dos moços sorridentes e brincalhões constatando que haviam se sentido muito bem durante todo o tempo e que os colegas todos deveriam ter uma tarde daquela.
E assim como num filme eu lembrei de todos me elogiando e me agradecendo no final e pensei como é normalmente fácil para a gente reconhecer que os outos são bons, mas por que será que é tão difícil aceitar que a gente mesmo possa ser essa pessoa admirável, digna de elogios?
Foi o que tentei falar ontem um pouco. Todo mundo é capaz de criar. O mais difícil não é o desenhar e o pintar em si, mas estar aberto para olhar para as coisas de um jeito novo.
O workshop foi um sucesso. Assim foi o que a amorosa gerente do grupo me disse inúmeras vezes. Falando em inglês, apesar de todos eles terem o sueco como primeiro língua, eu falei rapidamente sobre algumas teorias de desenho e pintura e como liberar a parte do cérebro que cuida da criativade de um jeito mais rápido e fácil.
Exercícios de desenho com fundo musical, conversa e partilha, pintura com ajuda individual. O grupo pôde criar o que queria e fui ajudando individualmente cada um.
(Os integrantes da equipe de Gunilla na primeira atividade de desenho, Workshop de pintura da Somnia, Lund, novembro de 2009)
Meu inglês tropeçou em alguns momentos, mas deu para o gasto, embora eu tenha sentido que preciso ler mais, praticar mais para ter um vocabulário mais rico. Apesar de que isso não parece ter sido um problema. Animados, alguns disseram querer começar a pintar mais em casa. Outro simpático rapaz saiu decidido a fazer um curso de pintura no período da noite, depois do trabalho e voltar ao seu antigo hobby que era pintura. Outros propuseram que eu desse o workshop para mais grupos e que façamos exposições nos prédios da Sony Ericsson em Lund com todas as pinturas feitas durante os encontros. Uma das moças, linda e tímida, chorou e me abraçou, como normalmente os suecos não o fazem quando não conhecem alguém. Confessou que teve duas perdas há alguns meses e está passando um período difícil. A pintura tinha a ajudado a liberar seus sentimentos e projetar um mundo mais branco no futuro. Entre tumultos negros e sangue uma figura ia em direção a luz...
(A empolgação masculina não perdeu em nada para a feminina, Workshop de pintura da Somnia, Lund, novembro de 2009)
Outros faziam piadas com sua tentativa de pintar e não se sair tão bem. Eu ia aqui e ali. "Sônia, please, can you help me here..." E tudo foi tão bom.
No volante e na escuridão eu me senti extremamente aliviada, feliz, orgulhosa de mim mesma e até um pouco poderosa. No bom sentido. Poderosa no sentido de que a gente as vezes percorre um caminho e percorre e percorre e de repente vê resultados. Senti uma coisa gostosa como a que sentia quando estava na frente de 120 alunos nos pré-vestibulares do Brasil. É algo realmente bom saber que sei algo que o outro quer aprender. Saber que posso partilhar o que aprendi nos livros, na vida durante esses anos.
Aprender é fantástico, mas ensinar, para mim, é fantástico e meio. Ter a sensação de que posso acrescentar alguma coisa na vida do outro e talvez mudá-la um pouquinho é bom demais. E tenho até um problema obsessivo de quando estou aprendendo algo novo eu já penso em como posso ensinar aquilo.
A sala de reuniões da grande empresa sueca ontem parecia um ateliê de pintura no Brasil. Mudei tudo, tirei móveis, coloquei outros, levei livros, flores, música, pinturas e telas. E minha amiga Xu que, por acaso trabalha numa outra área, estava lá para me dar uma super ajuda. Na Suécia não tem a moça que faz o café, nem o moço que carrega os móveis, nem a que faz a limpeza depois. Fiz, fizemos tudo sozinhos. Desde a tranformação, que uma outra loirinha disse que nunca mais se esquecerá, quando estiver em uma reunião na mesma sala, até a limpeza total. No fim, ficaram alguns para me ajudar e inclusive levar todo meu material até o carro.
Isso é bem legal nos suecos. Ninguém acha que a parte dele, mesmo que ele seja um super gerente, não inclua pôr a mão na massa.
E é assim. Como tudo na vida o workshop passou. E espero, creio que outros virão. Tenho planos e é isso que me leva sempre adiante. Muitos. E ontem, cantarolando no carro eu pensei neste post e em dizer uma coisa para vocês hoje: que o sentimento que eles todos tiveram ontem não foi proporcionado por mim, sem falsa modéstia. O que eles sentiram tem a ver com a transformação maravilhosa que a arte pode fazer conosco.
Criar é algo que simplesmente nos modifica por inteiro.
Ontem me lembrei de coisas remotas que já fiz como curso de pintura em guardanapo, quando era bem adolescente. Do curso de pintura art noveau em espelhos com uns 18. De quando cantei em corais na mesma época e como decorava os salões das comunidades onde organizávamos encontros. Lembrei-me com saudade do curso de dança flamenca em Campinas, quando eu tinha uns 25, dos de pintura e o atual de cerâmica.
Em todas essas experiências eu me senti como que flutuando para um outro mundo. A arte, qualquer que seja, pode tirar-nos desse mundo e transportar-nos para um mundo melhor. Um mundo de sensações e possibilidades. E a única coisa que precisamos fazer é experimentar. Tentar.
Você pode tentar qualquer coisa. Não precisa ser pintura. Nem desenho. Pode ser qualquer outra atividade criativa. Você pode cantar num coral, pode fazer oficinas de escrita, pode fazer decoupagem e transformar seu móvel velho. Pode se inscrever num curso de bijouterias perto da sua casa. No Brasil há simplesmente um leque enorme de cursos, alguns grátis inclusive, para se fazer e aprender. Juro para vocês! Não consigo imaginar minha vida sem essas sensações. Não consigo imaginar minha vida sem literatura, sem música, sem filosofia, sem arte, sem pintura. Não mais. Antes disso tudo eu sempre vivi bem sim, mas esse portal mágico só se abriu depois de eu ter me aberto para isso tudo.
E se você resolver provar tenho certeza que não vai querer mais voltar atrás... como eu e talvez como alguns suecos e suecas simpáticas que tive o prazer de conhecer ontem.
...
ps: eu consegui decorar quase o nome de todos eles, mas como não pedi autorização para escrever o post, apenas para as fotos, eu não estou citando os nomes de cada um.
Comentários
Agora, vem cá, Campinas? Náo sabia desse seu lado campineiro. Se eu te disser que TODA a minha família (menos eu e irmã, nascidas em Sumpaulo), você credita? Vai ver somos parentas....
beijo
Mas dar a volta por cima só depende de mim, sei disso!!!
Não uso o argumento de que já "estou velha" pra fazer isso ou aquilo. Não mesmo. O que me falta é vontade.
Parabéns pra você e mais e mais sucesso, sempre.
Um beijo da amiga que ainda vai ter um prazer enorme em dizer: "Sônia, a artista brasileira que mora na Suécia e está "bombando" por lá?. Conheço ela! É minha amiga!" Rsrsrsr
Bj
Você faz mesmo jus ao apelido de "borboleta", pois foi assim que te vi retratada neste lindo post vitorioso. Parecia uma borboletinha pousando aqui e ali, levando incentivo e conhecimento aos alunos, essas pessoas daí que deixaram um pouco sua roupagem de profissionais da área tecnológica para terem este encontro bonito de luz, cor e energia.
Eu queria ser uma pulguinha para ver tudo isso de perto.
Posso dizer que em algumas coisas sou parecida contigo, pois até em coral já cantei, fiz minhas lindas decoupages, tapeçaria, pintei quadros, claro que tudo copiado, nada criado da minha cabeça, mas fiz. Adoro também qualquer forma de manifestação de artes, como a música e literatura, poesias, cinema, exposições.
Ficaria murcha copletamente se vivesse longe disso ou de pessoas como você. Na verdade, pessoas assim me atraem como abelha para o mel.
Você foi mais uma vez brilhante, luminosa, uma borboletinha fluorescente na negra tarde sueca e garanto que aquelas pessoas sairam dali leves, chegaram em casa felizes para mostrar aos seus o que realizaram, como crianças no jardim de infância. Que barato!
Parabéns e que tenha muitos outros encontros como este em sua vida para o privilégio de outros e sua realização pessoal!
um super beijo carioca
Olha, vou ter que passar o seu link pra minha mãe, que também é artista. Espero que ela não tenha preguiça de passar aqui, porque vcs têm muito que conversar.
Abração!
Beijos.
Fiquei emocionada em cada frase do seu texto. Adorei o cenário que vc criou e viajei junto pensando em como os suecos puderam dar asas à imaginação, inspirados na sua criatividade e descontração. E sim! Você é uma pessoa admirável e isso eu já sabia há muito tempo! Parabéns!
Bjs
Fico muito feliz pelo resultado do seu excelente trabalho! Feliz por aquele "frio na barriga" ter dado lugar à realizacão pessoal, profissional, artística, etc. Feliz tb por eu, de alguma forma, fazer parte desta história. :-D
E espero, do fundo do coracão, que este seja apenas o abre-alas de muitos outros. E conte comigo pro que der e vier! ;-)
Quem diria que uma "brincadeira" no seu ateliê renderia tanto, hein?!?!
Agora precisamos sair pra comemorar seu sucesso!
Bjos
! Bjs!
Imagino que o workshop tenha mesmo sido muito bom para ambas as partes, assim como o seu blog o é. Tenho aprendido muitas coisas por aqui e adoro ler os seus posts.
um beijo
PS: uma mexicana que faz ingles junto comigo disse que não gosta de música, aquele "barulho" a irrita. Eu não consigo imaginar como uma pessoa possa viver assim.
Se nao foi tu a razao do sentimento deles ontem, mas foi tu que proporcionou, e quantos serà que nao teriam conhecido o poder da arte se nao fosse através de ti?
Eu acho também uma coisa maravilhosa!! Jà mexì com tudo dentro da arte, e hoje me restou o que no momento eu mais gosto: literatura e scrapbooking. Terapia pura, um momento sò nosso.
Mil parabéns pelo atelie, todo o teu esforço parece ter sido recompensado, e que venham muitos mais!!!
ps: inveja da escuridao vindo depois das 5 da tarde... rs Aqui 3 jà està preto!
estou respondendo comentarios de frente para tras... entao volto a esse post assim que der para responder todo mundo com muita calma ok? agora vou preparar um texto pro curso de sueco e dormir... beijao
eu lemrbo que, dois anos atrás, quando eu fui falar para umas 100 pessoas, aqui na Suécia, sobre a vida da crianca refugiada, titubiei, mas, no final, eles disseram:
SEU R É DIFERENTE...QUANDO VC FALA REFUGEE(é que eu nao pronunciei re e sim rré.
mas, a gente vai aprendendo..Brevemente, vou abrir uma exposicao de meus trabalhos. e creio já poder me expressar em sueco.
Uma coisa de cada vez,.
sua arte é linda. e acredie nela..A gente, tbm, consegue tocar as pessoas pela arte
bjs e dias felzies de mutia sorte
graceolsson.com/blog