(Eu e Ângelo, poucos minutos antes do Renato cortar o cordão umbilical que nos uniu por 9 meses, 16 de Julho de 2007)
O que chamamos de senso de identidade é a certeza de que nosso eu mais profundo, mais forte e mais verdadeiro persiste através do tempo, a despeito da mudança constante. É a sensação de um eu verdadeiro mais profunda do que qualquer diferença, o eu para o qual todos os nossos outros eus convergem... Todos nós, no começo, precisamos de uma mãe que nos ajuda a ser, a mãe que nos ajuda a estender o braço e reclamar o que nos pertence, a mãe que nos ajuda estabelecer uma certeza central - tão certa quanto as batidas do nosso coração - de que nossos desejos e sentimentos são nossos...
Judith Viorst, "Perdas Necessárias
Eu sempre ouvi de algumas amigas que o primeiro dia em que deixaram seus bebês na creche ou na escolinha foi devastador. Elas me falavam sobre a tristeza e o vazio que tomava conta de suas vidas naquele curto momento entre o deixar a criança nas mãos de estranhos e sair de fininho para uma vida sem ela.
Me falavam também de terem ficado observando seus filhos pelo vidro... de abafarem o choro ou de soluçarem quietinhas, absolutamente sozinhas do lado de fora.
O fato é que eu ouvi com carinho essas amigas, mas nunca consegui entender esse sentimento de verdade. É algo que você tenta compreender, mas a falta de experiência não absorve.
Essa semana foi a primeira semana do Ângelo na creche-escola. Aqui na Suécia só existe essa opção quando a criança completa 1 ano de idade. Antes disso, não há opção particular ou pública. Os pais são pagos pelo Estado para estarem com seus filhos, na licença paternidade ou maternidade. E quando elas vão para o "Dagis", elas aprendem a cuidar de si próprias, terem muitas atividades no mesmo dia e a se desenvolverem cada vez mais como pessoa.
E, então, os primeiros três dias dessa semana foram agitados, mas foram bem mais fáceis do que eu tinha imaginado e do que haviam me contado. Até ontem, Ângelo não havia chorado. Eu havia estado junto com ele na maior parte do tempo, para fazer a adaptação da primeira semana.
Naquelas duas primeiras vezes em que disse: "Tchau Ângelo, a mamãe vai sair agora e volta depois para te pegar" nem ele, nem eu choramos. Parecia que precisávamos mesmo desse tempo. Ele, de brincar, conhecer mais gente, explorar o mundo pelo qual ele é tão fascinado. Eu, de um tempo apenas para respirar pelas ruas sozinha. Um tempo para pensar em mim e cuidar de mim. Haviam sido, porém, meia hora no segundo dia e uma hora no terceiro. Eu estava bem tranquila e a professora elogiou muito o Ângelo. Então, hoje, será o primeiro dia em que ele vai comer junto das outras crianças, brincar fora da sala e conhecer outros meninos e meninas. E foi o dia de deixá-lo por três horas e não ficar junto dele com a professora.
Tudo parecia apenas agitado e corrido até aquela mesma hora da qual minhas amigas haviam me falado. Pela primeira vez ele chorou um pouquinho, embora logo tivesse se distraído lá com as crianças no parquinho. Quanto a mim não foi a mesma coisa. Senti um choro preso na garganta, talvez algo como contou minha mãe ter sentido quando deixei Sumaré, e minha sogra, quando o Renato deixou Santo André. Naquele tempo, ambos fomos viver em Campinas e estudar na Unicamp, onde nos conheceríamos e nos apaixonaríamos. Senti a mesma solidão e dúvida que tomou conta de minhas amigas quando deixaram seus bebês no primeiro dia da creche.
E que tristeza boba. Uma sensação de que estavam arrancando Ângelo de mim, embora eu mesma tenha decidido por isso. Embora eu mesma tenha ansiado por fazer zilhões de coisas esse ano todo que passou. Todos meus planos de voltar a trabalhar, estudar, pintar, namorar o pai dele, arrumar a casa, tomar café com as amigas, sentar na frente da TV por alguns minutos, tudo pareceu muito ridículo agora de manhã. Ridículo e sem sentido.
E mesmo eu tendo trabalhado minha vida inteira, desde os 13 anos de idade. Mesmo eu tendo me ocupado durante 35 anos de minha vida sem essa pequena e maravilhosa criatura que é meu filho Ângelo, eu pareci não ter lugar no mundo. Como se eu tivesse apenas cuidado dele minha vida toda e nada mais tivesse feito. Nem as aulas muito agitadas que eu dava no cursinho, nem o mestrado ou o doutorado, nada parecia ter algum valor naqueles minutos depois de deixá-lo ali.
(Eu e Ângelo, ainda com um pedaço do cordão, no aniversário do Kian, filho de minha amiga Paulina, julho de 2008)
Quem era aquela Sônia? Quem é essa nova Sônia? Minha identidade pareceu perdida. Quem eu sou e que novo lugar eu tenho agora no mundo que não seja mais só ser a professora barulhenta, a esposa carinhosa ou a amiga "psicóloga"? Que devo fazer que não seja cuidar do Ângelo: fazer-lhe a comida, a mamadeira, trocar a fralda, dar-lhe abraços e dançar com ele durante o dia todo?
Há ainda o que eu possa fazer que seja tão valioso que fazer crescer saudável uma criatura?
Há ainda o que eu deseje fazer que não seja sentir sua pele macia no meu rosto e ouvir sua voz delicada?
Tudo isso me acometeu por alguns quarenta ou cinquenta minutos hoje de manhã.
Andei um pouco sozinha. Falei com meu companheiro de viagem pelo telefone e chorei muito. E aí uma nova luzinha foi se abrindo de novo... Sim, a gente está criando nosso Anjo para o mundo, ele disse. E eu sabia que, assim como nossos pais um dia fizeram, a gente deve fazer com ele. Sim, ele vai continuar nos amamdo e nós a ele, embora a gente deixe espaço para ele começar a ser essa criatura mais única e independente de nós. A vida continua. Provavelmente ainda melhor, porque eu posso voltar e unir-me a minha identidade esquecida desse um milhão de anos que foi o ano que passou. Melhor e mais feliz, porque nenhuma mãe consegue ser tudo o que um filho precisa por mais que o ame e ele precisa se completar com outras pessoas do mundo. Mais completa porque eu preciso ser mais do que a mãe do Ângelo. Preciso ser a Sônia, que também é a mãe do Ângelo. A Sônia que ele, há algumas semanas entendeu que eu sou, ao ouvir o pai me chamar assim.
E, então, eu me recompus. Olhei adiante e senti o mesmo que minhas amigas e nossas mães: apenas um profundo amor e a certeza de que se a cada dia mais o cordão será cortado, o amor, porém, nunca diminuirá. Caminhei rumo à casa mais aliviada e conseguindo enxergar muitas possibilidades que o amanhã reserva para mim, para o Ângelo e para o Renato e entendi perfeitamente o que minhas queridas amigas tentaram me dizer em seus momentos de perdas necessárias.
Comentários
Me sinto, nesse momento, como você se sentiu quando suas amigas contaram sobre as experiências delas, mas compreendo seus sentimentos, não consigo me imaginar minha vida sem Ana, é como se a vida toda ela estivesse aqui...
Um grande beijo pra vocês
Saudades
Myrna e Ana
Adorei o texto, e apesar de já não me lembrar se foi assim que eu me senti, agora já não sinto mais.
Mesmo quando eu o deixo e ele faz beicinho, da uma pontadinha de alguma coisa, mas eu sei que é o melhor para ele e para mim.
E que nossa relação será tão melhor quando melhor ele experimentar o mundo, com independência e nosso suporte e amor.
Voce vai ver, vai ser ótimo este período que ele ficar no berçário, voce vai estar mais disposta ainda para os momentos que ficar com ele.
Não vai dar tempo das brincadeiras ficarem repetitivas, ou do seu filhote ficar entediado que não pode sair de casa porque esta chovendo.
Adorei as frases finais do texto (“...porque nenhuma mãe consegue ser tudo o que um filho precisa por mais que o ame”). Vou usar como citação de “Sonia Carvalho”.
E voces já sabem quando será a proxima vinda? E como vão de Suecia, ainda vão morar por ai por muito tempo? Quais são os planos?
Beijos,
Dani
O Ângelo só tem motivos pra se orgulhar de ter voce como mãe.. A mãe que Deus escolheu... Você e especial demais!
Tenha orgulho de si mesma!! Só vc pra viajar o mundo com seu filhote nos braços, segurar o xixi, trocar de país, aviões, fraldas, temperatura.... Aff Meu Deus!! Isso é AMOR e respeito por Deus!!
Talvez eu tenha voltado a trabalhar antes, por covardia..medo de sentir essa mistura maluca de sentimentos... Você é guerreira demais!!!
Deus abençõe vocês grandemente ... e agora aproveite seu tempo, ficando cada dia melhor pra vc e para os grandes homens da sua vida!!
Um beijo bem grande
Lili
que bom que você está melhor - lembre-se que será a partir de agora um pouquinho por dia e logo ja nao sentirá tudo da mesma maneira - o tempo passa muito rapido e quando vemos nossos pequenos ja sao rapazes - eu ainda nao tive essa coragem mas sei que no ano que vem o junior também fará o mesmo, ui ja sinto um aperto...
beijo
sua irma Sandra
Aí caio na realidade e reflito: o mesmo aconteceu com minha mãe,com a mãe da Sonia e com milhares de outras mães.É a vida!!!
Beijos!!!!!
Que texto de dar nó na garganta! E que bonita e madura sua forma de ver essa "perda necessária".
Fiquei com frio na barriga só de imaginar essa sensação...
Bjs,
Dri
Muito profundo e verdadeiro....
Beijos
mag
Fax
que belo testemunho, eu adorei, parabens pra voce pro Angelo e proe Renato, eu tenho certeza que voce e uma mlher maravilhosa,
parabens minha querida, Inara
Não canso de dizer que vc é super VENCEDORA... por tudo o que tem encarado como mãe aqui na Suécia (que não é fácil), e ainda por cima faz poesia dos seus momentos. O Angelinho foi muito abencoado por ter vc como mamis dele.
Pra mim vc é um exemplo a ser seguido... quando a minha vez chegar (rs).
Beijos
xu
A verdade é que se eu não tivesse corrido e escrito naquele exato momento, aquilo teria passado. O dilema seria superado e eu talvez nem me lembrasse com tantos detalhes como teria sido aquele dia de sexta-feira.
Mas a outra verdade é que eu corri pra cá e sabia que teria aí do outro lado vocês para ouvir... foi mesmo como um desabafo grande e foi tão tão bom saber que eu tinha ouvintes atentos e carinhosos do outro lado... gente que me entenderia ou tentaria entender.
Obrigado, de coração, e um beijo!
Ah! os comentários de vocês me inspiraram outro post que já escrevi na cabeça, só falta eu ter um tempinho de pôr no "papel"... ótima segunda pra todas vocês!
Então, estou vindo da cidade de Niterói que fica do outro lado da Baía de Guanabara no RJ.
Com certeza você já deve conhecer de nome.
Pois bem, deveria comentar lá no post O primeiro vôo do Anjo, mas queria que você visse por aqui e soubesse que sou de Niterói.
Menina, você me fez chorar sobre o teclado, pois tudo isso que você disse lá eu também passei, só que por duas vezes - na infância e na juventude de meu querido filho Daniel. Filho único que também criei como você, com carinho, dedicação e parei até de trabalhar fora somente para cuidar dele, estar ao seu lado em todas as horas, pois não confiava em babás.
Quando ele se foi pela primeira vez, no Jardim de Infância, sofri, mas vi que também logo logo se adaptou com as crianças e a escolinha.
Depois na juventude, quando deixei-o fazer intercâmbio em outro país por 1 ano (USA); e na volta, quando pensei que não o veria mais alçar vôo tão cedo, apaixona-se por uma guria e bate asas para estudar faculdade no Sul, tão longe de mim e do pai. Deixamos porquê não sabíamos como dizer não à sua paixão e ademais ele foi para uma cidadezinha bastante tranquila e já que o Rio é tão violento, concordamos. Vou lá pelo menos 2 vezes ao ano e ele vem nas férias de meio de ano e no final do ano, mas dói muito a distância e para aliviar um pouco, nos falamos pelo MSN, telefone, celular e não deixamos mais de 2 dias sem nos falarmos.
Infelizmente é assim a vida, quando
por amor deixamos e tomamos certas decisões.
E é como você mesma disse o "cordão será cortado, o amor, porém, nunca diminuirá".
Lindo post. Parabéns!
abraço carioca
voce lembrou minha sogra Irene! ela tambem viveu isso do Renato ir pra longe pra estudar. Depois vir pra longe, porque tava casado...
Mas o que acho é que amor de mae e pai e demais... a gente morre de saudade e ainda apoia a distancia. Quando viemos pra ca, lembro que nosso maior medo foi pensar no sofrimento de minha mae e da mae dele... mas as duas foram incriveis... disseram: se e pra felicidade de voces, claro que ficamos felizes! a gente se sentiu suuuper apoiado! e ate hoje sofremos em saber que elas sobrem com nossa distancia!
filho e assim... e agora vejo que ser mae tambem e assim!
Que bom ter te encontrado por aqui...
Eu sou uma mãe já bem calejada... passei por 65 primaveras... apesar de ainda me sentir uma criança!
Fiquei maravilhada ao dobrar a esquina e te ver! Você resplandeceu na minha tela imediatamente... como um cometa! Sério...
Eu estava aqui... sózinha no meu cantinho, pesquisando com imensa ansiedade assuntos sobre a Suécia... e então vc apareceu!
Foi como se eu me visse há 10 mil anos atrás... Eu era tal como vc... e tudo o que eu sentia vc veio hoje colocar em palavras, como num filme...
Tenho 3 filhos homens, com 36, 33 e 30 anos, respectivamente... mas vc não vai acreditar... para mim, eles continuam os mesmos, desde que os coloquei no colo pela primeira vez...
E hoje, o mais velho está neste momento aí bem perto de vc, em Stocolmo, a passeio... (está verdadeiramente apaixonado pela Suécia!)
Ele terminou um relacionamento de 10 anos e se encontrava muito perdido e sem chão... então resolveu largar um excelente emprego para passar algum tempo fora. Escolheu a Irlanda, porque lá ele conseguiu com facilidade um visto para permanecer por 1 ano, estando matriculado em um curso de inglês. O objetivo é, na verdade, ter um tempo para ver se encontra um trabalho na área dele (IT), fora do Brasil.
E eu aqui... querendo saber tudoooo.... querendo ver tudo que ele possa estar vendo... sempre procurando na internet para descobrir o que tem de interessante nos lugares que ele tem ido...
O meu filho do meio está casado a pouco mais de 1 ano e mora aqui na mesma cidade (Belo Horizonte-Minas Gerais), e o caçula ainda mora comigo, graças a Deus! Não tenho netos. Fiquei viúva a 1 ano atrás e me sinto bastante sozinha ainda... não sei se este sentimento vai melhorar... parece inacreditável que melhore... (perdas necessárias?...)
Me emocionei bastante com você! E tem gente que não acredita que se possa conhecer realmente o íntimo de uma pessoa pela internet – Eu conheço você! Pode acreditar... Você é límpida e transparente como cristal.
Que Deus a conserve sempre assim... aberta, feliz, comunicativa, apaixonada pela vida e pelas pessoas... e lembre-se... como disse alguém nos comentários do seu blog “...o tempo passa muito rápido e quando vemos ...”, então... viva todos os momentos com intensidade e prazer... eles ficarão na sua lembrança para sempre!
Beijos da nova amiga
Glorinha
Hoje é sábado e está chovendo desde a madrugada. Parece que com os fogos que celebraram o fim do Festival de Malmö ontem levaram consigo o verão e os dias bonitos.
Estava fazendo uma faxinona aqui em casa, enquanto os meus dois "rapazes" foram dar um passeio, abri meu blog e bumba! que surpresa gostosa num sábado chuvoso de faxina!
Você diz que eu sou sincera, mas que sinceridade e abertura em suas palavras! Quase chorei aqui emocionada de saber que através do blog posso conhecer gente assim como você!
Acho que me vi no futuro também, tentando seguir os passos do Anjo, tentando captar o que ele ainda viverá, a partir do que você disse de seus meninos.
Por enquanto ainda estou na fase dessa primeira separação. Todos os dias quando eu o deixo na escolinha e o Ângelo chora dizendo: mãmãmãmã eu me debulho em lágrimas pelas escadas afora.
Depois passa. Sempre tenho a certeza de que isso é o melhor que posso fazer por ele e por mim nesse momento. E sempre que volto e encontro-o tão feliz entre as outras crianças, todo orgulhoso, todo cheio de novidades e palavras novas para falar eu me sinto recompensada pelo meu "sofrimento" e sei que vale a pena.
Então, embora eu saiba que você deva estar sofrendo aí nessa distância do seu maior que está aqui em Estocolmo, só posso dizer que ele escolheu muito bem o lugar onde reconstruir essa nova morada... Estocolmo é uma cidade lindíssima. Linda! É romântica, tem uma atmosfera especial por causa das águas e dos barcos espalhados pela cidade. Tem muitos estrangeiros, muitos brasileiros vivendo lá, então, ele logo vai se sentir em casa...
Espero que você possa receber muita alegria vindo da realização dos seus filhos. E desejo um fim de semana acolhedor, como são os dias chuvosos, mas cheio de energia boa. Um grande beijo, Sônia.
Parabéns!!
Bjs..