(Millet, Os colhedores)
(Van Gogh, A siesta)
Esses últimos dias tem me vindo diariamente uma outra canção que eu cantava nos anos de comunidade: "Há um tempo para tudo, de nascer e de morrer, láralálálálá... "e fiquei pensando o porquê deste trecho, baseado no livro do Eclesisastes do Antigo Testamento, não me sair da cabeça.
Há uns dois meses atrás a Kerstin (a Barnmörska, ou enfermeira-obstetra) disse que no dia do parto eu entraria numa espécie de "túnel" e que seria difícil eu conseguir me comunicar com o mundo, daí a necessidade do Renato ficar atento na hora do parto percebendo se eu estava com sede, frio etc., já que a experiência intensa e dolorida não me permitira essa comunicação e só ele, me conhecendo bem, poderia me ajudar nisso.
Até um ou dois dias atrás eu ainda me sentia dentro do túnel. Na verdade, nós nos sentíamos. Cortamos quase toda a comunicação com o "mundo exterior" e nos centramos praticamente em viver e dar conta do nascimento e da adaptação com essa nova pessoa que agora existe entre nós dois aqui. Colocamos toda nossa energia nisso e agora começamos a sentir a tranquilidade de quem conseguiu atravessar o túnel, necessário para a chegada do outro lado onde sabíamos teria luz. Estamos agora do outro lado, mas não mais do mesmo modo como entramos na semana passada. Uma nova vida começa.
O Renato me olhou esses dias, com um ar muito profundo, reflexivo, emotivo e disse: "nossa... nós geramos uma vida..."
Revendo rapidamente a experiência de tantos amigos, da família e de gente conhecida eu sinto que o trecho do livro Eclesiastes, embora possa ser lido com uma idéia de que tudo esteja preparado anteriormente, como se fosse um caderninho onde tudo que aconteceria com voce durante sua vida estivesse anotado, eu, na verdade, vejo e sinto uma outra coisa. Talvez por isso eu gostasse tanto de cantar a música da época de comunidade.
Há um momento em que nossa necessidade pessoal nos guia para o plantar, outras, para o colher.
Há outros em que o chorar substitui o rir e o bailar o gemer.
Quando é chegada a hora de cada coisa, eu vejo que o que nos cabe é viver este tempo presente, mas pensar que ele é o resultado de uma opção passada e que é preciso vivê-lo intensamente para que o futuro planejado aconteça.
E embora a vida seja mesmo este viver o tempo para isso e para aquilo, acho que nas nossas experiências mais profundas (como a morte de um ente querido, o nascimento de uma nova vida, o casamento, o separar-se de alguém amado, a saudade dos que amamos etc) um instinto quase natural nos leva a entregar-se a este tempo. E sumir. E não ter tempo para responder os emails carinhosos dos amigos, e não ter tempo para escrever um texto no blog, embora haja milhares de coisas para contar.
Mas há um tempo de voltar.
De reestabelecer comunicação com o mundo e de deixar que outros momentos agora aconteçam.
Renato e eu agradecemos, de coração, tantos emails lindos e recados carinhosos aqui no blog e nos nossos emails. Lemos e nos deliciamos com cada um, mas foi difícil responder pessoalmente. As mamadas e os chorinhos tomaram conta do nosso tempo os últimos dias. O mais gostoso foi sentir que nosso tempo não foi só nosso. Tanta gente falou "choreiiii, ao ler que o Ângelo nascera". Outros disseram: "esperei muito pela notícia junto com vocês". E isso não porque eu ou o Re ou o Ângelo sejamos "especiais". Isso é o que acontece com todo mundo, porque eu vejo que nós seres humanos, somos como todos os mamíferos que vejo naqueles lindos programas sobre o Mundo Animal da Discovery: nós cuidamos uns dos outros. Nós nos preocupamos, nós vivemos não só o nosso próprio tempo, mas também o tempo do outro, porque o que nos é comum - a dor e a alegria, a morte e a vida - é o que nos une, nos identifica uns com os outros e nos ajuda a entender o que ocorre com o outro.
Agora, por exemplo, ouço um chorinho e a natureza diz que é tempo de amamentar. Até o próximo intervalo.
No outro post o lindo texto do Eclesiastes que pode servir de reflexão.
Comentários
Da fã e tia, Dri.
Eu acho que as vezes minha filosofia e meio de botequim, mas veja que elas são diferentes das que a gente tinha no "Botequim" da Vila Madalena... e nos no Mexicano!!! Quando você resolver ficar "mais fertil" tambem o papo so vai ser fralda... rs... beijos!!!
Esses dias varias vezes eu penso em te ligar porque o fato de estarmos vivendo o mesmo em tempos tão proximos nos aproxima ainda mais... e sua sabedoria e calma e ajudam sempre!!! obrigada!!!