Esses dias trocando idéias com Jamnis, uma amiga daí das bandas brasileiras, a gente falava sobre responsabilidade social e outras coisas ultra sérias para um msn, sobre como é entediante ver que passados 5 meses, quando pego os jornais e sites brasileiros para ler, sinto que ainda estou em janeiro passado: os mesmos casos de violência, corrupção etc. Uma sensação de que nada muda. Acho que uma das coisas mais gostosas de poder viver outra cultura é ter sempre algo que ver, pensar e aprender. Muitas vezes (ou talvez algumas) aprendo que alguma coisa que eu julgava não ser tão legal no meu país é bem mais interessante do que eu mesma podia ver (por exemplo, as pizzas delivery... hum que saudade! rs...)
Mas estávamos a falar disso e eu dizia que é impossível não notar como um sueco ou sueca é educado para uma cultura ao mesmo tempo extremamente coletiva e individualizada. Individualizada no sentido de que cada qual gosta de manter um espaço de privacidade em que não haja invasão. A vida em família, a casa, por exemplo, é meio um templo. Você só é convidado para "invadir" esse espaço se for muito querido pela pessoa. Fico feliz que já tenha conseguido "invadir" uns três lares suecos aqui, tirando, inclusive, a idéia pré-concebida que eu também trazia de que os suecos são frios e distantes. Creio que provavelmente por isso também é mais difícil ver que a vida na TV gire em torno de fofocas de famosos ou coisas assim. Embora eu ainda entenda pouco dos programas de TV por causa da língua, já deu para perceber que o enfoque está longe disso. A vida particular do outro não me importa. É assunto dele. A minha sim é assunto meu e devo dar conta de tudo que a envolve.
No nível coletivo há milhões de exemplos, mas tomarei só alguns, começando pelo que contei à Jamnis. Quase todos os banheiros por aqui são pagos. Você paga 5 coroas (mais ou menos 1 real e alguns centavos) para usar um banheiro numa loja, num shopping, num restaurante. Parece absurdo de início, mas é assim. Isso porque não tem a tiazinha que ganha uma ninharia para limpar o banheiro ou a outra que segura e te entrega o papel. O custo de manter os serviços é alto. É a mesma garconete que também é caixa, que também limpa as mesas (que pôde estudar, que fala inglês melhor do que você ali na fila) que fará isso depois. Mas o curioso é que se você for ao banheiro, por lá as moedinhas e usar esse banheiro limpinho e se, ao sair, der de cara com alguém na fila, e se esse alguém for uma sueca ou sueco (os toilletes normalmente são mistos) ela ou ele jamais tentará segurar a porta para entrar sem por suas próprias moedinhas. Mesmo que você ofereça. Eles sempre deixam a porta bater, trancar, pagam sua cota e só aí entram. Claro que isso não acontece na maior parte dos casos em que o próximo é um estrangeiro ou turista. Se fosse no Brasil a primeira coisa a pensar sobre a atitude dos suecos seria: "que idiota!", "mané!" "cdf!". Mas o que move esse gesto é na verdade uma responsabilidade, na minha opinião, quase kantiana. Não interessa se ele poderia dar uma de John Armless (ou traduzindo "João Sem Braço", adoro essa expressão que o Re, meu marido palhacinho, sempre usa) ou aplicar a nossa famosa Lei de Gerson (que a Jamnis me lembrou). É o dever dele pagar pelo uso do banheiro. Se é o correto, se é um dever, não se questiona. Faz-se. Não se tenta passar a Lei para trás, porque é meu dever cumprir essa Lei que no fundo me protege quando eu quiser usufruir disso.
Tomando outro exemplo. Em minha rua passam por dia mais ou menos 6 a 7 mil bicicletas no inverno! No verão esse numero aumenta, mas não fui no contador para medir. Praticamente todo sueco ou sueca (incluindo as vovós de 70 e poucos anos, as grávidas) têm sua bike. E não é porque ele não possa comprar um carro, pelo contrário! Os meus vizinhos aqui, uma professora e um economista e suas 3 filhas, vão todos os dias trabalhar de bicicleta, não importa o tempo. Além de fazerem exercício, a idéia de usar um meio de transporte não poluente parece ser muito forte. É ecologicamente correto, é bom pra mim e para o meio ambiente. Certamente o fato da cidade ser projetada com ciclovias super organizadas que levam a bairros e cidades vizinhas é essencial. E é certo também que a topografia do país ajuda, mas mesmo nas cidades brasileiras que a população poderia usufruir desse meio de transporte, como é o caso das cidades litorâneas bastante planas e nas quais a temperatura ajuda, isso não acontece.
Os suecos devem ter lá muitos defeitos como povo e indivíduo (eu vou contando quando descobrir alguns!), mas só são o que são porque há um imperativo (ao menos na maior parte) em suas mentes: o que é bom pra sociedade é bom pra mim e eu devo fazer. Não importa se eu gosto ou não, aliás isso nem mesmo entra em discussão. Não importa se tenho pressa para chegar em casa e se estou com um carro mais possante que a vovozinha com suas sacolas do mercado ou a bike velhinha que tá atravessando a faixa. Eu paro. Eu espero, sempre! porque o indivíduo sem o carro tem prioridade. E eu nem comecei a falar dos meios de transportes super eficientes e novos e seguros, mas aí já é tema para outra postagem.
Comentários
Li o seu texto porque a bicicleta me chamou a atenção, e logo imaginei o que você iria falar sobre ela. Bicicletas como meio de transporte urbano me lembram 2 imagens de infância: a China e a cidade natal do meu pai, Lorena, SP, no vale do Paraíba. Acho que nem mais em Lorena se usa tanto a bicicleta como meio de transporte, infelizmente. Ponto pra Suécia.
Beijos
E é verdade... bicicleta sempre me lembrou a China e agora a imagem forte que tenho, na verdade, são de algumas cidades pequenas da Europa... Ah! e uma imagem maluquérrima é uma que tá lá nos vídeos da minha página. O Renato fez esse vídeo numa esquina maluca do Vietnam, onde as bikes e as motos zanzam feito moscas em meio aos pedestres e carros... curioso tambem! beijao