Parto Natural e Medo
Desde pequenininha, no Brasil, ouço histórias horrorosas sobre parto normal ou, se você preferir, parto natural: na família, na conversa entre as vizinhas, nas choronovelas etc... Eu adorava ficar meio do lado de minha mãezinha nas conversas ouvindo o papo dela com a mulherada a respeito das dores terríveis do parto e do processo todo e ia formando um filminho na minha cabeça. Me sentia gente grande no meio delas. Não sei o quanto veio dessas histórias, das imagens da TV etc e o quanto veio de minha fantasia de menina. É difícil ter certeza, mesmo porque, esses dias, minha mãe me contou coisas lindas sobre como foi a noite em que me teve e isso eu nunca lembro de ter ouvido. Mas me parece que muitas outras mulheres no Brasil também cresceram com a mesma idéia de um filme de terror, incluindo nossas próprias mães: "O meeeeedo do parto", com direito à musiquinha de filme do Hitchcock: "pém, pém, pém". E esse medo parece sustentar pensamentos do tipo: "que droga que pra ter um bebê precisa-se sofrer tanto!", "que azar meu se eu escolher um dia engravidar". Essa, aliás, foi uma das coisas que eu pensei quando tava na sexta série. A professora de Educação Moral e Cívica dizia que mulher nascera para sofrer. Inclusive nessas aulas sobre "mulheres" os meninos saiam da sala. Isso sim era horrível. Certa ocasião eu me recusei a ficar e disse que não tava interessada, mesmo porque nem sabia se eu um dia queria ser mãe. As meninas me olharam muuuito horrorizadas. Fiquei muito mal depois, me sentindo uma ameba. Um outro recorrente pensamento feminino brasileiro parece ser: "se eu puder pagar, claro! não vou querer sofrer e vou fazer uma cesareana."
Mas como será na Suécia?
Eu tenho pensado e falado muito sobre esse assunto com meu marido Renato aqui. Um assunto óbvio para um casal grávido de 38 semanas. Mas é realmente muito curioso o que o "estar aí" (No Brasil) e o "estar aqui" (na Suécia) (fazendo um trocadilho chulo com a teoria do "dasein" do filósofo Heidegger) pode mudar radicalmente o que uma pessoa pensa e, automaticamente, como essa pessoa sente.
Até ano passado, antes de engravidar, minha idéia sobre o parto ainda era de muito, muito medo. Embora eu nunca tivesse pensado em cesareana como saída para o meu medo, quando fiquei sabendo que estava grávida, um mês depois de ter acertado a vinda para a Suécia fiquei apavorada. E claro que não faltaram muitos incentivos do tipo: "venha fazer o parto aqui". "é loucura, lá elas não tomam anestesia " (o que é mentira, porque além de muitas tomarem usam da epidural mais avançada que tem, aquela que permite à mulher continuar caminhando, ter o parto de cócoras etc), "na Suécia, o parto é como no tempo das cavernas", "aqui é muito melhor", e por aí vai. Ouvi inclusive isso de gente que se diz muito entendida na área da medicina, médicos brasileiros que acham que ser de primeiro mundo é poder usar de tecnologia como a cirurgia para substituir o parto natural.
Mas quem é essa Sônia agora, que vinda do interiorrrr paulistano, cheia de medos, agora vem querer dar uma de "sabida" pra cima da gente?
O fato é que eu estou quase convencida de que no Brasil somos educadas para o medo do parto e essa é a grande diferença entre nós e as mulheres suecas ou outras européias. Desde que cheguei sou atendida no sistema público de saúde daqui. Sou melhor atendida no sistema público de saúde daqui do que era em muitas clínicas para as quais sempre paguei caro no Brasil. Diga-se de passagem tudo é muito limpo, bonito, organizadíssimo e toda sala de consulta tem uma biblioteca que as suecas adoram usar. O mesmo atendimento que eu tenho, todas as outras mulheres (suecas ou não) também têm. Talvez esse ponto da igualdade também incomode uma ou outra pessoa que goste de estar num ambiente diferenciado da rede particular. Na verdade, porque eu acho que nossa idéia do "meu médico" nos dê algum alívio psicológico para viver um processo tão longo e intenso.
Pré-Natal na Suécia: para além dos exames de ultrassom
Mas há tantas diferenças no modo de levar o pré-natal e conduzir o parto que eu teria que escrever demais e iria cansar vocês. Vou tentar ficar nas coisas que mais me chamaram a atenção e que conseguiram me dar uma tranqulidade muito grande até aqui.
Na Suécia, como na Inglaterra, nos Estados Unidos, Holanda, na Noruega etc, uma mulher grávida é acompanhada, desde o início pelas enfermeiras obstetras, em sueco, pela barnmorska. A tradução para o português é ruim porque parteira é aquela mulher bem intencionada que conhece a prática do parto no Brasil, mas não teoria. Não estudou para isso. Aqui minha barnmorska Kerstin estudou (e muito) para ser enfermeira e obstetra. Ela trabalhou aqui e na Nicarágua onde fez centenas e de partos. Fala fluentemente 3 línguas. Quando queremos, fazemos a consulta eu falando em português, ela em espanhol, embora na maioria das vezes falemos em inglês mesmo. Aliás, toda barnmorska fala, no mínimo, um inglês fluente. A idéia é que a gravidez não é uma doença e, como tal, não precisa de acompanhento médico se tudo estiver correndo bem. A mulher precisa de cuidados, informações que a levem a ter um bom parto.
A primeira consulta com ela foi uma lonnnga entrevista. Ela quis saber tudo sobre minha vida no Brasil, doenças na família, meus hábitos alimentares e de saúde, o que eu esperava da gravidez e do parto. Logo aí, me entregou uma pasta onde eu deveria ir pensando sobre como queria planejar meu parto e escrever tudo ali. As outras consultas sempre foram seguidas de informação sobre o parto natural, check-up para ver se tudo corria bem e sugetões de como me preparar. Uma coisa muito interessante é que (a exemplo do que acontece em quase todos os setores aqui na Suécia) a mesma Kerstin fazia tudo isso, colhia e examinava meu sangue e urina, ia para o laboratório na mesma hora, usava a máquina que ela mesma sabia operar e me dava o resultado naquela mesma consulta de 30 minutos ou 1 hora (contados milimetricamente no relógio, inclusive porque os suecos são malucos com pontualidade, o que merece outro post, rs..). Logo depois introduzia todas essas informações na rede do sistema de saúde, ou seja, no computador ultra potente que ela também sabe usar muito bem. Como o sistema é quase único e interligado, quando eu tive que ser examinada e fiquei hospitalizada na semana 34, devido a um trabalho de pré-parto, no outro dia a Kerstin estava com todas as informacoes do que acontecera comigo, porque já havia recebido tudo e sabia exatamente como proceder.
Essa rotina segue até o fim da gravidez, sem mencionar os cursos que os casais fazem, como aí no Brasil. A diferença é que o casal visita o hospital. Uma barnmorska explica tudo que irá acontecer no dia do parto e como será o papel do papai. Sim! aqui o papai participa ATIVAMENTE do parto e eu não estou falando de tirar fotos ou fazer a filmagem nossa e do nosso bebezinho lindo com carinha de joelho, o que já é muito legal. Tô falando que o Renato irá me acompanhar como uma espécie de "doula". Doula é uma pessoa que você contrata para te ajudar no dia do parto com a respiração, movimentos, massagens etc. Aliás, ele não teria muita escolha, sorte que ele tá adorando. Ele irá me ajudar a puxar o bebê, se precisar ou quiser (a mãe também pode fazê-lo) e terá de cortar o cordão umbilical, o que, aliás, tem importância muito grande devido ao simbolismo que tem. Ele inclusive vem me ameaçando dizendo: "eu vou cortar este cordão entre você e o Ângelo, aháháhá!". Mas aí já estou falando do momento do parto propriamente dito e é assunto pra outra conversa.
Comentários
Que texto MARAVILHOSO!!!! Nossa, fez com que eu sentisse você bem pertinho, falando essas coisas tão poéticas que você tem um dom de escrever e encantar!
Depois olhe seu e-mail, pois pensei muitas coisas para te dizer, muito do que já ouvi de professores da faculdade e que eu achei muito interessante!
beijos para essa família de borboletas!
Parabéns!Pelo seu texto.Tenho certeza que ele vai mudar a maneira de encarar o parto.
Parabéns!!!!!!!
com certeza me faz ter vontade de escrever mais e mais e mais... rs...
De coração, obrigada. O incentivo tem dado muito certo!!!
Beijão,
Alexandre
nossa!!! adorei ouvir isso de você!!! haha... e bom demais poder ter noticias de voces e ainda mais saber que de alguma forma consigo compartilhar tudo que tenho vivido. Mandem voces noticias agora!!!! um beijo na Samanta!!!
ADOREI o seu blog...
e como grávidas totais se identificam... estou como vc, sem medo algum do parto normal, esperando para pegar o João Pedro no colo, viver esse momento mais do que mágico que temos pela frente...
parabéns, está lindo...
um beijao
Dri / lucia
ADOREI o seu blog...
e como grávidas totais se identificam... estou como vc, sem medo algum do parto normal, esperando para pegar o João Pedro no colo, viver esse momento mais do que mágico que temos pela frente...
parabéns, está lindo...
um beijao
Dri / lucia
Sou Brasileira, e estou morando em Kalmar, na Suécia e pesquisando aki na net descobri sua página.
Eu só estou aki a 6 meses, sem contar que já fui ao Brasil,umas 3 vezes,rsrsr...
Mais descobrimos eu e meu marido que estamos grávidos do nosso primeiro bebe, e nós ficamos super nervosos pelo fato de termos tido informação de como era o sistema de partos aki...
E ficamos preocupados, pois além de não sabermos falar o idioma, tambem ñ falamos inglês, meu marido tem a ajuda de um tradutor, porque ele é jogador de futebol aki, mais graças a deus encontrei uma familia brasileira que nos ajuda muito, mais contudo ainda tava muito dificil para mim, imaginar como seria...
Mais ler o seu texto me deixou muito mais tranquila.
PARABÉNS!!!
Talyane.
Que legal que você pôde se sentir mais tranquila!
Aqui é tudo muito diferente sim! e eu estou adiando escrever como foi o parto ja faz 1 ano.
Planejo toda semana e deixo para depois... Espero que voce encontre logo uma barnmorska que te acompanhe e tudo corra muito bem! mas antes disso, vamos trocar mais figurinhas! voce esta muito perto de mim aqui! um beijo!