(Alfredo Volpi)
Uma casa não é uma casa quando...
Um cartaz, preso num poste das ruas de Copenhaguem, me chamou atenção na semana passada. Tratava-se de convite para uma palestra pública e tinha como título a seguinte frase em inglês:
"A house is not a home".
Em português, a tradução literal, "Uma casa não é uma casa", creio que poderia ser pensada como "Uma casa não é um lar".
Essa frase, eu vou chutar, deve ter base na fenomenologia do filósofo Edmund Husserl. Sem me alongar e correr o risco de ficar chata, para Husserl uma coisa, uma casa, só é uma casa a partir do momento que tenho consciência da casa. Sem minha consciência, ela não é nada.
Apesar de eu amar filosofia e me lembrar do professor "Moura" fazendo gestos, com o dedo no ar, para explicar essa teoria de Husserl, eu não acho que o filósofo esteja tão bem cotado e popular assim. Provavelmente essa frase tenha sido inspirada na música, cantada por Dione Warwick, mais famosa nos anos 70 e 80, cuja letra linda e perfeita resume, muito bem, o tema desse post.
Lá na capital dinamarqueza, li o cartaz muito correndo, tentando acompanhar Ângelo e Renato que iam à frente, enquanto eu comprava um "breguetinho", uma lembrancinha dinarmarquesa para a nova casa.
Eu fiquei pensando o que queriam dizer com a frase e fiquei imaginando que devia se tratar de planejamento urbano. Talvez tratando de razões pelas quais a Prefeitura, ou governo dinarmarquês deveria pensar certas questões que envolvem a construção de casas ou apartamentos. A verdade é que eu não sei do que se tratava a tal palestra, mas eu sei que eu viajei e continuo viajado na "mauonese" (com u mesmo, eu falo assim), pois o cartaz me deu muito a pensar.
Adorei a idéia, porque é exatamente nisso que sempre penso quando me mudo.
"Uma casa não é um casa", porque a casa, o espaço físico, precisa de uma quantidade enorme de coisas para se transformar em uma lar, num espaço onde a gente se reconhece, se sente a vontade e sente que, literalmente, tem espaço.
Uma casa é uma casa quando...
(Ângelo dando nova função aos meus livros, fazendo nova história numa nova casa)
Eu acabei por pensar em minha amiga Andréa que teve muito trabalho (e prazer) para sair de um apartamento e se mudar para uma casa, aí no Brasil. Pensei em minha querida Daníssima, que tá se mudando para outro apartamento, em Baden, na Suíca, depois de ter morado uns sete anos numa pacatíssima e deliciosísima cidade ao lado de Baden. Em seu "msn", ela deixou uma frase se referindo à necessidade eterna de mudança.
Eu também pensei muito na Irene e no Caetano, os pais do Renato. Depois de viver mais de vinte anos na mesma casa, no grande ABC, eles estão se mudando para um apartamento em busca de um pouco mais de sossego e conforto.
Deixar essa antiga casa significa, no fundo, deixar o lar que os acolheu por tantos e tantos anos. Lá, onde cresceram os filhos e os aniversários foram comemorados, onde envelheceu a adorada cachorra, onde os almoços de domingos trouxeram tanta gente à mesa, onde a roupa foi estendida no varal e os dias vividos um-a-um. Lá, onde construíram um lar a muito custo.
Foi o cuidado e a dedicação diária que transformaram a casa, um espaço físico qualquer numa cidade grande de São Paulo, num espaço cheio de ternura, amor e história. E eu, que sou apenas a nora que frequentou a casa por algum tempo, já vinha sentindo uma ponta de tristeza de saber que, no retorno ao Brasil, a feijoada ou o churrasco não será feito naquele lugar onde me senti acolhida por tanto tempo.
Dando novo sentido ao espaço físico para ter espaço sentimental
(Coisinhas que me ajudam a fazer da casa um lar: algumas flores que compro toda semana e objetos de valor sentimental)
E foi, então, que continuei a pensar no lema da palestra em Copenhaguem. "A house is not a home", portanto, essa antiga casa dos meus sogros perderá todo esse sentido, quando a nova moradora chegar e puser suas coisas. Por outro lado, o novo apartamento, onde o varal provavelmente será substituído por uma secadora de roupa, e cuja sacada permite ter uma imensa e bela vista da cidade, se encherá de sentido, quando os dois para lá forem, para lá levarem alguns objetos especiais, das quais não abriram mão.
Esse novo espaço físico, até então vazio de sentido para eles, para mim, para o Renato e Adriana, em breve, será o espaço onde novas histórias serão contadas. Será nele que Angelinho-Linho-Linho visitará e se lembrará dos avós, por exemplo. A nova casa se encherá de significado após ganhar significado na consciência de quem lá estiver.
Com a nova casa uma nova vida se inicia. A mudança exige adaptação e exige empenho. Mas é possível transformar novamente essa casa num novo lar, porque, na verdade, é a presença de Irene e Caetano que possibilita isso.
Em casa novamente...
Foi assim que transformei, ou estou transformando, esse novo apartamento aqui na Suécia em meu lar. Embora tenha me mudado tantas vezes com Renato aí no Brasil, mudar para cá, no ano passado e, agora para este outro ap., foi das mudanças mais difíceis que fizemos. O fato de ter deixado mais da metade das coisas no Brasil, das construções aqui serem antigas (prédios antigos, com quase um século de vida), de alugarmos o espaço com alguns móveis e objetos dificulta mais a tarefa de fazer da casa, meu lar.
Foram necessárias algumas semanas. Muita paciência e dedicação. Nem nós, nem o Ângelo reconhecíamos esse lugar como nossa. Foram necessárias muitas horas montando os móveis, extremamente desmontados, do IKEA . Mas, bem mais que isso, foram necessária algumas vivências aqui, no novo lugar, ao mesmo tempo que antigas vivências foram recuperadas.
Espalhamos alguns antigos objetos pela casa, como porta-retratos com fotos da família; meus livros, alguns escolhidos com carinho num sebo ou lido com tanto prazer ou dificuldade; um cd do Chico Buarque, muitos da Fortuna, do Madredeus e tanta coisa que adoro ouvir; um DVD do Despeche Mode que o Re adorava ver e cantar nos domingos de manhã; uma almofada de crochê, feita pela minha mãe; alguns presentinhos dados com carinho para o Ângelo... Todas essas coisas têm feito com que nos sintamos "em casa" novamente.
A nossa casa, embora não nossa, embora não no nosso país é este espaço que a gente cria, com lembranças do passado, mas com vivências novas e presentes. Essa história da qual sentiremos saudade um dia, olhando uma foto ou recordando "causos". É aqui que Ângelo tem crescido, aprendido a engatinhar e está tentando andar. É no quartinho dele que gastamos algumas horas juntos, brincando até a hora dele dormir. É aqui o meu lar.
Foi para esta casa, provisória, mas agora cheia de significado, que comprei a tal lembrancinha em Copenhaguem: um imã de geladeira com a foto do Castelo de Roseborg, em cujo jardim eu e Renato temos ido desde que chegamos aqui e onde passamos novamente o dia de sábado, agora com Ângelo.
Um lugar lindo, cheio de paz e perfeito, do qual sempre me lembrarei no futuro. Assim como os antigos e preciosos objetos, essa lembrancinha nos ajuda a fazer dessa casa não somente uma "house", mas o nosso "home, sweet home".
(ps: para que este post não ficasse mais imenso ainda, coloquei a letra da música "A house is not a home", num outro post abaixo, mas vai lá e confere para ver que beleza de composição.)
Comentários
Beijos!! Obrigada!
tem gente que chega, tem gente que sai
Na casa de Irene, enfim alegria
Na casa de Irene a tristeza se vai..."
a casa de Irene é mais que os tijolos né Irene?
Que belo post. Entendo tão bem essa coisa de mudança. Nos meus 42 anos de vida, já foram 24 homes (entre casas, aptos, quartos alugados, etc). Lugares que eram só lugares e de repente viraram meus cantinhos. E é sempre assim: houses que viram sempre homes, só dependem do nosso carinho.
Bjs
Andréa