("O aniversário", Marc Chagall, 1915)
Eu fiquei sabendo do acidente com o vôo da Airfrance pelo blog da Lúcia, uma querida "amiga" virtual. E, então, eu e Renato vimos algo no noticiário da TV sueca e fomos ler sobre a tragédia no site da Folha.
Sim. Uma tristeza tamanha que todas aquelas famílias brasileiras e não brasileiras devem estar passando. Creio que seja uma tristeza impossível de se imaginar, embora tentemos, de certa forma, participar.
Eu não sou de ficar fuçando nos noticiários brasileiros, sobretudo os trágicos, mas ontem fui encontrando colegas e amigas brasileiras e algumas estrangeiras e todas elas se diziam abatidas e sentidas com o acontecimento.
O fato da gente morar fora e viajar com mais frequência nesses mesmos vôos, ou o fato de termos família, que nos visita de vez em quando, ou amigos em tantos lugares diferentes, provavelmente colabore para que esse sentimento de medo, ou tristeza e ansiedade tenha um impacto diferente, embora não menos profundo do que em qualquer outro que veja a notícia.
Eu também fiquei muito sentida pelas famílias. Muito mesmo. No entanto, eu estaria exagerando ou mentindo se dissesse que isso me abala de uma forma que sinto medo de viajar, medo de pensar em alguém querido tomando um avião e me visitando etc. Eu não tenho. A verdade é que eu sempre pensei e sempre penso na possibilidade de tragédias assim acontecerem comigo ou com quem amo. Talvez você também sempre pense. Okey, eu sei que pensar e viver é algo totalmente diferente e eu não consigo sequer imaginar o que é ter que vivenciar um acontecimento horrível assim, mas eu não fico pensando, pensando e preocupada com o que poderá vir.
Eu também não fico curiosa pelos detalhes do caso e nem mesmo voltei aos noticários, porque me deixa louca ver como a imprensa adora explorar acontecimentos trágicos e o sofrimento dos outros, embora eu saiba que algumas informações sejam mesmo necessárias à família etc. Excuso-me ainda de ler porque, para além da tragédia, a verdade é que quando tomo um vôo, qualquer um, mas principalmente os longos, eu sei que há uma probabilidade (ainda que seja pequena) de que meu avião caia. Ou que ele se choque com outro. E que um acidente realmente venha a acontecer, mas eu preciso e prefiro correr o risco. Eu penso isso durante o vôo, mas nunca pensei com medo. Não penso tremendo, nem fico pedindo: "Ai meu Deus me livre disso!". Eu não sei explicar: eu penso apenas que desejo que tudo corra bem, mas ao mesmo tempo eu tenho uma clareza de que eu realmente não tenho garantia de que tudo vá correr bem. Ainda assim não sinto medo.
Quando eu viajava muito pelo Brasil de carro com o Rê e amigos eu também pensava nisso quando saía para viajar e sempre tentava fazer, a minha maneira, uma oração rápida. E talvez seja por isso que muitas pessoas sempre "rezem" pedindo proteção para si mesmos e para os que amam antes de viagens acontecerem. Nós queremos nos sentir mais confortados e seguros para algo que não estejamos preparados.
Contudo, nós sabemos que viver é estar sentado neste balanço enorme. Nós vamos e voltamos, rimos lá no alto e descemos com um friozinho na barriga, mas não sabemos até quando. O balanço sempre pára. Ou será preciso parar. E eu creio que o que mais nos deixe assim, tão participativos dessa tristeza, é não só imaginar a falta e o desespero de cada um daqueles que perdeu alguém nesse vôo, mas o fato de que nós sabemos que isso pode acontecer com qualquer um de nós. Ou com qualquer um que amemos.
O que dá medo é pensar no quão passageira pode ser a felicidade de agora. Dá medo pensar que não há nada, absolutamente nada, nem dinheiro, nem bens, nem amor, nem devoção, nem religião ou crença que nos garanta nos assegure o que pode ser o dia de amanhã. Nós fazemos muitas tentativas, mas, lá no fundo, lá no nosso lado mais humano, nós temos consciência de que não sabemos o que há por trás de tudo. Nós tentamos imaginar e cada qual tem uma teoria na qual se apega e tenta aplicar à vida, tentando fazer dela algo mais "controlável", porém, o futuro é totalmente desconhecido. É um espaço ainda vazio do qual tentamos fazer alguma idéia. Se há sorte e azar, se há acaso ou destino nós realmente não temos como saber. E é exatamente esse não saber nada, o ficar perdido no mistério que é a vida que nos dá uma ansiedade e nos deixa sem chão.
Talvez alguns não se sintam tristes porque sentem que podem ter fé na força que acredita. Eu não julgo isso. Cada qual escolhe a filosofia de vida que melhor lhe convém. Entretanto eu ainda penso que mesmo essa escolha fundamenta-se sobre o mesmo medo, ainda que não assumido.
Eu sou humana e também participo dessa angústia vez ou outra. É normal. Entretanto, eu não acho que, após esse trágico acontecimento, nós devamos pensar: "Nossa! eu vou viajar, fulano vai viajar... etc!". Não devemos ter medo. Milhares de vôos acontecem a cada minuto e milhares de carros estão nas estradas, assim como milhares de navios, de gente indo e vindo. É o círculo da vida. A vida não pára e o melhor que nós podemos fazer é estar mais ou menos preparados para as perdas que nós vamos, com certeza, sofrer. Nós podemos não ir viajar nunca e ficar trancadinho em casa e ninguém nos garante que não seremos surpreendidos por uma quadrilha ou por uma tragédia da natureza.
As perdas podem vir em acontecimentos assim, quase inexplicáveis, como esse dessa semana, ou não. É preciso aceitar que nós não sabemos nada do dia de amanhã, nós até podemos investir nossa energia em preparar um futuro mais calmo e seguro, mas é só um investimento, não quer dizer que vá mesmo acontecer. Talvez por isso eu não entenda quem se mata trabalhando, enfiado num lugar que deteste ou viva sem tempo, paciência e olhos para desfrutar das coisas e das pessoas que ama.
Esse caso me lembrou a experiência que meus amigos Flávia (Xu-Muié) e Gustavo tiveram na última viagem de férias no Brasil, em dezembro. Com os amigos mais queridos, conhecidos de muitos e muitos anos, eles foram passar alguns dias na praia de São Paulo. E foi numa noite, que deveria ser como qualquer outra, que ouviram um barulho vindo da cozinha. Um dos amigos, um jovem, casado, brincalhão e aparentemente saudável, teve um AVC fulminante. Nem o amor deles todos, nem o despero, nem as tentativas dos médicos o segurou com vida. Meus amigos voltaram da viagem, que deveria só ter sido alegria e encontros animados, totalmente abalados, muito muito tristes e com uma certeza: tudo pode acontecer a qualquer minuto a qualquer um de nós...
Minha amiga Xu, na época, me disse mais ou menos assim: "eu quero viver intensamente o que eu tenho pra viver agora, porque eu não sei o que me espera"... E o que eu vejo é minha amiga celebrando com imensa alegria o aniversário de seu marido amado e o dia de anos do seu casamento, assim como participa de todas as reuniões, almoços, mudanças, alegrias e tristezas que acontecem com seus amigos e família. Viver com intensidade aquilo que ela tem hoje não vai poupá-la para as grandes perdas da vida, mas vai, com certeza, aliviar a dor quando elas vierem, porque sem culpa de não ter vivido o momento presente, enquanto ele ainda o podia ser feito, ela ao menos vai saber que fez o pouco que estava ao seu alcance fazer.
É assim que eu vejo tudo isso e é por isso que eu não fico preocupada ou triste de um jeito derrrotável: a vida segue seu curso e a morte é parte dela por mais que isso doa em mim ou em qualquer outro.
Comentários
Como diz aquela antiga música do Belchior “Foi por medo de avião. Que eu segurei. Pela primeira vez. A tua mão.” Pois é, eu assumo que tenho medo de avião. Salientando (de avião) Porque não tenho medo de altura, e nem de voar. Já saltei de pára-quedas e asa-delta. O avião me causa uma espécie de fobia que eu mesmo não conseguiria explicar. Minha mente busca a lógica para me fazer ter mais medo ainda. Como é que um negócio daquele tamanho consegue voar? É pesado demais, grande demais. E a respeito do trânsito pesado. As aves em rota de colisão com aviões, espaço aéreo ficando congestionado e olhando na imagem parece uma teia de aranha. Um pequeno vacilo na rota e a tragédia está feita. Se você tiver a Visão geral do tráfego aéreo mundial durante 24 horas, vai se assustar. E tenho um amigo piloto que me disse que às vezes eles se aproximam uma aeronave da outra o suficiente para um acenar ao outro, então talvez não seja tão grande para acomodar os 7,4 bilhões de passageiros que viajarão pelo ar lá por volta de 2020.
adorei seu comentário e obrigado por partilhar coisas profundas assim. Vou falar rapidinho porque estou saindo agora e estou atrasada... Eu entendo você dizendo que não sabe explicar o medo do avião... eu também tenho fobia de aranhas, por exemplo. Todo mundo me explica bla bla que elas não fazem nada, por exemplo, as pequenas... e isso é em mim... Melhorou muito, mas se preciso encarar uma é difícilimo...
Eu não sou dona da verdade, nem quero! Acho que voce dizer que o que te assusta é na verdade toda a informação que voce tem a respeito é espetacular para eu pensar o meu tema e a minha chave de resposta pro medo...
preciso refletir mais e vou refletir enquanto pedalo correndo pro centro agora. Eu só penso assim agora, rapidinho, o medo vem de você pensar que o avião pode cair é isso? de algo acontecer e você morrer? ou sofrer? é medo do futuro então?
então vê comigo se meu racicionio se mantem ou não: voce se sentir triste e chocado com o acidente não tem também a ver com o medo do futuro? com o medo do que pode lhe acontecer, a sua vida e aos que voce ama se uma tragedia vier a ocorrer?
se fosse isso eu ainda penso que o meu post ainda faria sentido mesmo nesse seu caso... mas voce ta ai para discordar e me explicar! vou gostar muito de continuar prosa!
agora! deixa eu voar na minha bicileta!
beijos carinhosos
beijos
Tô com o MrJones aí em cima. Também confesso meu medo de aviões, mas já voei e vou voar agora na terça para Londrina, antes baixando em Sampa, quer dizer no total 4 vôos. Ufa!
Caramba! Eu estou hoje apenas uma dona de casa tranquila e não como meu marido que mais parece um executivo voador prá lá e prá cá. Não! Eu viajo esporadicamente e, talvez por isso tenha tanto receio.
E isso que o Mr.Jones disse sobre os céus do nosso planeta é de arrepiar. Veja lá no meu blog o vídeo.Será que isso aguentará até 2020?
O que está nos torturando é o fato deles não conseguirem dar ao povo a resposta certa para o que aconteceu, deixa todo mundo com a pulga atrás da orelha. Até em terrorismo já pensei, quem sabe!
Mas, juro que vou entrar naqueles aviões pensando sobre o que você escreveu e filosofou - você tá certa!
Agora, fala ae: você disse que tem medo de navios, portanto, faria um cruzeiro como aquele que fiz em março? Se não, porque?
Tchau! Deixa eu tomar meu Rivotril! hahah
bjs cariocas
preciso pensar para dar uma resposta para voce... andei pensando desde ontem quando li seu comentario... mas ainda nao elaborei o que sinto.
Eu sei que muita gente ve como se fosse falta de sensibilidade com quem sofre, mas não é. O fato da gente precisar e tentar encarar que a vida é mesmo essa montanha russa danada, na minha humilde opinião, pode ajudar a gente a sofrer menos...
mas sobre a viagem de navio eu sinto que eu faria sim, mas eu pensaria mais como voce e o Mr. Jones... ainda assim eu sinto que devo tentar ser racional, entende? porque nada me garante que va ou não acontecer... mas quanto a mim sinto que tenho tambem medo desse inesperado e da morte que eu imagino ser lenta e horrivel na agua...
ainda assim não acho que eu deva não andar... como voce tem feito com o avião...
beijocas
Olha, não é pra apavorar mais ainda o assunto, mas li hoje no blog da Meire uma notícia que saiu no JB e, pela força que Paulo Coelho tem internacionalmente, deverá ser revisto todo este contexto dos vôos intercontinentais sobre esta tal zona de convergência.
Dá uma olhadinha aqui:
http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/06/03/e030613133.asp
beijocas cariocas
Eu luto diariamente. Mas ainda tenho muitos medos.
Acho que é pensando positivo que a gente leva a vida sem enlouquecer.
Eu passo por alguém sem coraçao quando digo que nao me dà medo viajar por causa do acidente. Entre 180.000 voos anuais, aproximadamente 4 tem problemas. Acho que estou muito mais segura no ar do que visitando minha mae por terra (pela BR-101). penso assim também, que se for pra acontecer, vai acontecer. Até là, o que eu quero é curtir, viver, amar... Mais de 90% das nossas preocupaçoes sao com coisas que acabam nao acontecendo (justamente como essa), entao me digam: vale a pena? Nao perco uma noite de sono hà anos, tenho muito do dia seguinte pra viver!!!
Falando sobre o "medo de avião"; um piloto certa vez me disse com muita propriedade: "Pesquisas dizem que 87% das pessoas tem medo de avião e 13% são mentirosas" (rs). É, achei engracado mas acho q tem 1 fundo de verdade. Eu faco parte do grupo que voa numa boa... durmo, leio, me distraio com os filmes, etc. Mas sempre faco minha oracão antes de cada decolagem e pouso. Mr. Jones tem razão: o bicho é muito grande e pesado!
Acredito sim q cada um tem "a sua hora"... e me cobro muito para viver intensamente. Fico muito feliz que vc enxerga isso :-)
O que aconteceu com nosso amigo foi chocante, mas também uma mensagem pra mim. "Carpe Diem" deve ser a palavra de ordem de cada dia!
Beijos, Xu