Pular para o conteúdo principal

O Brasil e alguns encontros transcendentais: "Carlos", o taxista musical


Entre o corre corre do penúltimo dia no Brasil, resolvi tomar um táxi entre o metrô Sumaré e minha casa. Estava sozinha. Ângelo havia ficado com a Vavá dele.

O calor era imenso. Eu estava exausta e ansiosa por terminar tudo. Havia passado o dia andando de lá para cá, de cá pra lá na loucura de São Paulo e tudo que desejava era chegar em casa o mais rápido possível. O táxi era para mim apenas um meio para se chegar ao fim. 

Quem o dirigia? Não pensei nisso. Eu havia tomado inúmeros táxis nas últimas semanas e nenhum deles, de longe, me fizeram lembrar "John", o táxista inglês. Um ou outro era indiferente, estava a cuidar de sua vida como eu da minha. Um outro teve a coragem de dizer que não entendia porque nós mulheres resolvemos dirigir carros, já que a única coisa que deveríamos pilotar seria o fogão em casa. Esse um, que dirigia mal pra caramba e ia todo nervoso na direção, não mereceu nem mesmo uma palavra minha. Nem mesmo um olhar. Só o dinheiro que eu fui obrigada a lhe dar.

E foi assim sem pensar em absolutamente nada que, ofegante, entrei no táxi pronta para dizer meu destino. 

O taxista me olhou e baixou rapidamente o volume do som. A música estava muito alta, tão alta que ele realmente não poderia ter me ouvido. Foi então que eu disse o nome de minha rua e tomei uns segundos de silêncio...

- Por favor, aumente novamente a música. Eu adoro Edith Piaf...

E então o taxista brasileiro, calmo, sorridente, girou o botão e pôs de volta "Ne mes quitte pas", muuuito alto. Fomos ouvindo e nuns minutos era como se, de algum jeito, a gente se entendesse perfeitamente. Não perguntei seu nome, como também não havia me lembrado de perguntar o de John, em Londres, mas gosto de pensar nele como Carlos, o taxista. 

Esparramei-me no banco de trás e percebi como o carro era bastante limpo e cheiroso. Abri bem a janela e encostei a cabeça no vidro. Senti o vento nos cabelos e uma sensação incrivelmente boa. 

Perguntei se ele havia assistido ao filme e ele disse que sim e havia amado. Pedi a ele que perdoasse meu julgamento pré concebido, mas que me parecia um gosto um tanto diferente para um taxista, já que até então eu só havia ouvido rádios ruins nos táxis que havia pego. Ele respondeu que adorava música francesa e boa música brasileira. Tinha Tom Jobim no carro e Elis Regina. Disse que estava aprendendo a apreciar música popular e que lhe fazia bem ouvi-las durante o trabalho. 

Sugeri a ele que visse também o filme Frida, já que tanto Piaf, quando Frida tratam de biografias de mulheres fortes, artistas e sofridas e que tentasse obter a trilha sonora

- Maravilhosa... completei. 

 E trocamos algumas idéias. Parei em frente minha casa e paguei-lhe a viagem. Respirei fundo, feliz, cheia de energia. Aquele encontro sim acabara por me lembrar John e me fizera pensar de novo como qualquer lugar é hora de conhecer gente boa. E de novo agradeci por ter de vez em quando encontros tão transcendentes. 
  

Comentários

Beth/Lilás disse…
Então, é nisso que o Brasil ainda é um país interessante e cheio de virtudes.
Pelo menos não somos todos 'iguaizinhos' e, penso que é por isso que 'los gringos' ficam apaixonados por isto aqui.
Taxistas bem informados e até com diplomas universitários tem aos montes aqui no Rio também.
bjs cariocas

Ah, obrigada pela passadinha lá no meu pedaço!
Anônimo disse…
Oi Sônia!

Eu já tinha gostado muito daquele post sobre o taxista ingles, mas gostei ainda mais de saber que você encontrou um tão fino, ou mais, quanto o John de Londres aqui mesmo na nossa terrinha!

Lindo post!
Márcia disse…
Oi Somnia,
Obrigada pela visita no Ser Mãe na América. Viajar com criança é um desafio! Nooossa! Semana que vem vamos passar por tudo isso de novo. Espero conseguir ser mais "descolada". kkkkk!
___
Adorei o post sobre o taxista. Meu pai tb eh um profissional do volante. :)
olhodopombo disse…
Somnia,
eu creio que seja uma lei invisivel da atração.
quando estamos numa onda X encontramos pessoas X,
quando estamos numa onda Y encontramos pessoas X Y...
enfim,

o bom eh sentir o momento do aqui e agora e poder fazer isso que voce esta fazendo, repartindo com nosoutros...
salud

Postagens mais visitadas deste blog

Azulejos em carne viva? O que você vê na obra de Adriana Varejão?

( "Azulejaria verde em carne viva" , Adriana Varejão, 2000) Gente querida, Domingão a noite e tô no pique para começar a semana! Meu grande mural preto, pintado na parede do escritório e onde escrevo com giz as tarefas semanais, já está limpinho, com a maior parte "ticada" e apagada. Estou anotando aqui o que preciso e gostaria de fazer até o fim desta semana e, entre elas, está finalizar a nossa apreciação da obra de Adriana Varejão , iniciada há dias atrás. Como podem ver eu não consegui cumprir o prazo que me dei para divulgação do post final, mas abri mão de me culpar e vou aproveitar para pensar mais na obra com vocês. Aproveito para convidar quem mora em São Paulo a visitar a exposição da artista, em cartaz no   MAM , Museu de Arte Moderna, no Parque Ibirapuera, com entrada gratuita e aberta ao público até 16 de dezembro deste ano. ("Parede com incisões a La Fontana", Adriana Varejão, 2011) Para "apimentar" a dis...

O que você vê nesta obra? "Língua com padrão suntuoso", de Adriana Varejão

("Língua com padrão suntuoso", Adriana Varejão, óleo sobre tela e alumínio, 200 x 170 x 57cm) Antes de começar este post só quero lhe pedir que não faça as buscas nos links apresentados, sobre a artista e sua obra, antes de concluir esta leitura e observar atentamente a obra. Combinado? ... Consegui, hoje, uma manhã cultural só para mim e fui visitar a 30a. Bienal de Arte de São Paulo , que estará aberta ao público até 09 de dezembro e tem entrada gratuita. Já preparei um post para falar sobre minhas impressões sobre a Bienal que, aos meus olhos, é "Poesia do cotidiano" e o publicarei na próxima semana. De quebra, passei pelo MAM (Museu de Arte Moderna), o qual fica ao lado do prédio da Bienal e da OCA (projetados por Oscar Niemeyer), passeio que apenas pela arquitetura já vale demais a pena - e tive mais uma daquelas experiências dificilmente explicáveis. Há algum tempo eu esperava para ver uma obra de Adriana Varejão ao vivo e nem imaginava que ...

Na Suécia também não tem... bebê com brinco na orelha

("Não tem brincos: é menino ou menina?", criança sueca posa para grife Polarn O. Pyret ) Nove em cada dez vezes que alguém no Brasil tenta ser simpático com uma grávida ou alguém com um bebê de colo a pergunta é sobre o gênero da criança. Menino ou menina? Já repararam? Embora essa pareça ser a única pergunta possível para tanta gente, a verdade é que ela diz muito sobre nosso modo de ser e pensar e a importância que damos ao sexo e a escolha sexual de uma pessoa. Tomemos outra situação: quando alguém olha para um bebê menino nas ruas no Brasil você acredita que haja alguma expectativa quanto a algum sinal, uma marca, deixando claro e evidente se tratar de um menino? E quando encontra uma menina? Bom, fato é que nossa menina Marina agora tem 8 meses e eu simplesmente não tenho condições de contar as dezenas de vezes em que fui parada nas ruas em São Paulo por alguém perguntando se tratar de uma menina ou de um menino.  Até aí nenhum problema! Bebês no começo não ...