(Anita Malfatti, "Homem Amarelo", 1915-6)
Nos anos que fiquei como rata de arquivo no IEB da Usp, Instituto que reúne um acervo pessoal riquíssimo sobre muitos dos intelectuais e modernistas brasileiros, eu li e escrevi o nome de Luzia dezenas e dezenas de vezes.
Luzia Portinari Greggio é autora do livro "Tomei a liberdade de pintar a meu modo", sobre Anita Malfatti e também de um documentário com o nome da artista.
Entre os anos de 2003 e 2007 eu anotava, lia os catálogos de antigas exposições sobre Anita e passava horas analisando algumas obras de acervos pessoais que nunca pude ver pessoalmente para comparar com aquelas que pude ver ao vivo. A verdade é que esse é o primeiro feed back que recebo sobre minha tese (vejam que trabalho intelectual é algo que demora para render!). A mesma Luzia que eu lia nos catálogos me disse ter lido minha tese (que conheceu através do Borboleta) e que vai me enviar o catálogo da exposição.
Para uma pesquisadora é bom demais.
Nessa retrospectiva que celebra os 120 anos do nascimento de Anita Malfatti, Luzia Greggio reuniu 120 obras da artista envolvendo seus diferentes períodos estilísticos, algumas das quais eu não conheci pessoalmente. Desde as primeiras obras, antes de Anita ir estudar na Alemanha, passando pelo seu período mais próximo do impressonismo e expressionismo até sua volta ao Brasil e suas telas quase primitivas.
Trazer à tona o nome de Anita Malfatti e sua importância para o movimento modernista e a pintura do Brasil é louvável.
(Anita Malfatti em Veneza, na década de 10, Acervo: MAC-USP)
Você consegue imaginar como sendo quase esquecida uma mulher nascida em 1889, com atrofia congênita no braço direito, tendo tudo para ser apenas a mulher e a coitadinha que esperavam que ela fosse naqueles anos, buscar formação artística na Europa, depois nos Estados Unidos, voltar ao Brasil com telas que fizeram pensar os intelectuais da época e impulsionar a Semana de Arte Moderna?
Uma pintora que com exposições em Paris, na Alemanha e na América, aluna, colega e amiga de grandes artistas consagrados no mundo e no Brasil voltasse ao seu país e aqui fosse tratada, em sua época e depois dela, apenas como a pobrezinha que teve medo e regrediu à pintura acadêmica?
Eu não, porque arte e história ensina para a gente sobre o que somos e quem podemos ser e é que os países desenvolvidos nos ensinam com os museus que guardam sua memória. Pintura e poesia são outro jeito de contar como pensaram nossos antepassados, como chegamos a pensar o que pensamos. Fazer arte é um jeito de refletir, criticar e movimentar não só a arte, mas a política, a cultura e a sociedade do tempo na qual se está inserido. Ajuda, entre outras milhares de coisas, a pensar, por exemplo, o que uma tela da Anita do início do século 20 e uma instalação de uma artista de meados do 21 podem ter em comum.
Por essas e muitas outras razões que a mostra de Brasília (eu sei Brasília é longe!) é imperdível e eu, infelizmente, a perderei, porque Malmoeee está um bucadinho só mais longe!
Se você tem oportunidade de visitar (a entrada é gratuita!) não perca! Eu sei que nem todos vocês estão próximo de Brasília (embora nada no Brasil seja perto de nada mesmo!) mas se tiverem vale muito a pena conhecer um pouco melhor quem foi Anita Malfatti, quem na opinião de Greggio foi a pioneira das artes modernas no Brasil, e quem na minha está longe, muito longe de ser ainda conhecida não só do público leigo, mas também de muitos especialistas de arte que acreditam entender muito de Anita, apesar de tomarem apenas um curtíssimo período de produção da pintora.
(Anita Malfatti, "O Batizado", década de 40 e 50)
(...) Os historiadores do Modernismo, quando rotulam grosso modo a produção da
artista, acabam por designar com o termo “clássico” praticamente toda a sua obra que não
sejam as produções da Alemanha e dos Estados Unidos. Cremos que essa controvérsia
poderia ser substituída por uma outra indagação: como o moderno permanece na obra de
Anita Malfatti? Como Anita reconstrói esse moderno a partir de uma mélange de estilos e
gêneros? Por que o moderno é um conceito que, pela sua amplitude, não dá conta de, ou borra,
as especificidades dele próprio? Como Malfatti, ela mesma, se mantém em um espírito
moderno, ainda que em meio às produções consideradas mais conservadoras do período de
“retorno à ordem” dos anos 20? E, ainda mais instigante, por que, opondo-se ao passado, a
artista experimenta uma arte primitiva no final dos anos 40 e durante os anos 50?"
Essas são algumas das perguntas que me fiz e tentei responder em minha tese de doutorado. Para quem for na exposição, pode tentar conferir as respostas enquanto aprecia as telas.
E se você for não deixe de me dizer o que achou!
(Anita Malfatti com suas alunas em seu ateliê, MAC-USP)
Retrospectiva Anita Malfatti – 120 anos
De 23 de fevereiro a 25 de abril de 2010
CCBB Brasília – Galerias 1 e 2
De terça a domingo, das 9h às 21h
SCES, Trecho 02, lote 22
Tel: 3310-7087
Entrada da gratuita
Classificação livre
Fonte: CCBB Brasília
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