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Estamira! Para toda ação há uma reação...

(Cena do documentário "Estamira", de Marcos Prado, 2004)

Desde o post da semana passada sobre minhas ações com o meio ambiente, tenho ido de bicicleta levar parte do meu lixo que eu não conseguia reciclar no prédio onde moro atualmente.

Na Suécia, o sistema de reciclagem do lixo é bastante organizado e está entre os melhores do mundo, apesar de eu perceber que não há uma padronização em todos os condomínios e também que há gente que reclame da demora do recolhimento das caçambas em áreas distantes.

O sucesso da reciclagem do lixo no país é uma combinação de várias ações diferentes, cada qual tomando para si sua responsabilidade:

1. A Prefeitura cobra que todos os prédios comerciais e residenciais usem latões de plástico, onde são feitos a coleta seletiva pelos moradores, incluindo os que vivem em casas no centro ou fora dele.

2. Há cobrança de um aluguel mensal pelos latões que são distribuídos pela Prefeitura, então, cuidar do lixo acaba custando no bolso, de alguma forma.

3. Não existe lixo colocado em saquinhos nas calçadas ou nas ruas. Todos eles são depositados nos latões, normalmente colocados em uma sala especial dentro dos condomínios ou na garagem das casas.

4. A coleta é feita separadamente por caminhões diferentes que passam em datas também diferentes para recolher o lixo.

5. Os moradores precisam separar:
- lixo orgânico (restos de comida para os quais são distribuídos sacos de papel em alguns condomínios)
- latas e alumínios
- cartão: embalagens de leite, suco, bolachas etc de papel duro (sem as tampinhas de plástico)
- plásticos (incluindo garrafas pet, embalagens, saquinhos de supermercado, tampinhas de embalagens de leite etc)
- jornais (revistas e jornais com exceção de cartas e envelopes)
- pilhas e baterias
- lixo especial: móveis, roupas, aparelhos eletrodomésticos ou eletrônicos.

6. Os moradores limpam as embalagens antes de colocá-las no lixo.

7. Existe centenas de caçambas espalhadas pela cidade com todos quase todos os itens de reciclagem para que o morador possa fazer a coleta corretamente, caso seu condomínio não o faça.


8. Há, fora do centro, alguns pontos de coleta para lixo especial, já que grande parte dos condomínios não tem uma ala separada para isso. É preciso, então, levar até esses centros e depositar em novos latões onde se separa madeira, ferro, eletrônicos, roupas etc.

Esse trabalho pessoal imenso que se tem apenas com a coleta seletiva de lixo foi das maiores coisas que notei logo que me mudei para a Suécia.


(Criança em propaganda em site da Prefeitura de cidade sueca sobre a necessidade de se fazer coleta seletiva de lixo. A visita aos centros de coleta começam ainda no jardim da infância, como visitas guiadas para a criançada)

Enquanto moradores de condomínios no Brasil, o que fazíamos era apenas separar alimento de qualquer outro produto reciclável, abrir a porta do elevador de serviço e depositar no corredor para que o funcionário do prédio juntasse os sacos de orgânicos e não orgânicos e os colocasse na calçada da rua, todos juntos, para que o recolhimento da Prefeitura.

No fim do dia o caminhão da coleta passava e jogava em sua caçamba todos os lixos juntos. Isso tudo na sexta maior cidade do Planeta, São Paulo, que mesmo sem incluir as regiões metropolitanas possui muito mais habitantes (mais de 14 milhões) que toda a Suécia (que deve chegar em torno dos 10 milhões este ano).

Quando falei no post anterior sobre tomar as rédeas do nosso comportamento irresponsável alguns de vocês talvez tenham se sentido julgados, pois já tem atitudes responsáveis quanto a coleta de lixo e não vêem muito como fazer mais que isso.

O post era, sobretudo, dirigido a mim mesmo. Cada santa e isolada vez que eu no último ano, vivendo neste novo prédio, joguei no "lixo especial" as embalagens de plástico e papel duro, para as quais vergonhazamente nesse imenso prédio não há espaço, eu me senti irresponsável. Eu pensava na minha reação em cadeia e em como eu não queria sair da minha zona de conforto para agir como eu já sabia que deveria agir.

Nesses três anos de Suécia eu também ouvi de muitos amigos brasileiros, também acostumados a ter seu lixo tirado pelo funcionário do seu condomínio no Brasil, dizer que esse não era um serviço que eles se prestavam a fazer, porque dá muito trabalho.

Vi em outros apenas o costume de jogar tudo junto no lixo, porque talvez achem que muita gente já faça a coleta seletiva aqui. Vi em gente que gosto esse descaso com sua reação em cadeia. A mesma reação em cadeia que faz os moradores da Ilha das Flores se diferenciarem de outros seres humanos.



(Documentário "Ilha das Flores": tenha paciência e chegue até o final, há muito o que perceber)

Quando eu falei sobre como os suecos chamam a atenção de outros na rua quanto a jogar lixo, sujar lugares públicos etc, a verdade é que eu não queria dizer que vocês têm que fazer o mesmo pelas ruas do Brasil, eu estava mesmo era querendo enfatizar como a educação vem não só de ensinar-se, mas de se cobrar.

Eu sei que estamos quase a anos luz nessa questão do lixo. E é também fato que os países mais desenvolvidos, como os nórdicos, já solucionaram bastante (não totalmente) o problema da miséria, da fome, da violência e que, portanto, o assunto ecológico consegue atingir tanta gente.

É só pensar que qualquer um pode apenas escolher qual curso deseja fazer na Universidade, porque tem (desde o jardim da infância) seus estudos pagos pelo Governo. Educação é obviamente uma das primeiras exigências para se ter um povo que entende o resultado das suas ações. Ainda assim, quase metade dos jovens suecos (segundo dados informais que tenho) não tem interesse de cursar universidade, já que, entre outras garantias, há a de que independente do trabalho que se escolha fazer a remuneração será boa e garantida.

Pintor de parede, pedreiro, faxineiros, atendentes, engenheiros, professores recebem bem pelo que faz. A valorização do outro e do que ele sabe fazer, sem detrimento de cor, religião, beleza ou idade, é um dos caminhos, além da educação, para que o ser humano sinta que tem não só deveres, mas também direitos. Ou vice-versa.

Sentir na pele e estar preocupado com a reação do meu ato isolado, sozinho, quando ninguém está olhando é parte de uma atitude ética e moral. Quer dizer que entendi alguns valores chaves para a convivência pacífica entre seres humanos. Cuidar do Planeta acaba mesmo sendo consequência, porque cuidamos uns dos outros, primeiro.

Se não respeito nem mesmo a quem está na linha que segue minha cadeia de ações provavelmente não me fará pensar se o Planeta vai ou não explodir daqui vinte ou cinquenta anos.

(Poor Fauvette, 1881, astien-Lepage (1848-1884)

Isso tudo me lembra uma lição (por mais maluca que essa idéia possa parecer à nossa sociedade do "tudo é pra já") que tirei das aulas de meu professor Giacóia sobre Kant, filósofo alemão, idealizador de uma filosofia da Ética e da Moral*. Entre as frases que não esqueço está:

"Age de tal modo que a máxima da tua ação se possa tornar princípio de uma legislação universal".

Explico: máxima significa aquela ação que eu entendo como sendo necessária nesse exato momento como, num exemplo bem simplista, ultrapassar o sinal vermelho, porque excepcionalmente estou com muita pressa. Se eu universalizar minha máxima isso significaria que, não só eu, mas todas as pessoas que estão com pressa poderiam cruzar o sinal vermelho no trânsito.

Isso porque, segundo Kant, a LEI precisa valer para qualquer indivíduo. Sem diferença nenhuma. Essa Lei, criada pelo Estado a partir dos valores morais e etícos humanos, precisa ser universalizada para ver se há como ser aplicada.

O que aconteceria se todas as outras pessoas agissem como eu?

O caos, com certeza.

A pergunta então fica: eu posso aplicar a minha máxima? Não. Minha ação é moral e ética? Não. E se a ação não é conforme a moral e a ética eu não devo agir assim. Eu sei que não porque a lei me diz que o sinal de que posso passar o semáfoto é verde e não vermelho. E eu ainda devo seguir a lei não porque ela vai me afetar, mas porque eu devo ter "amor" (palavras do filósofo) à lei moral, por seguir uma lei ética.

É claro que a discussão pode ultrapassar centenas de posts e é polêmica, mas creio que a idéia central é que no fundo nós sabemos o que é certo e errado. Quase todo mundo sabe.

Revendo hoje o "Ilha das Flores", que recebi da amiga Mafer esses dias, me lembrei de Estamira, um documentário sobre uma senhora que viveu sua vida toda em um dos lixões do Rio de Janeiro e que, apesar de sofrer todos as consequências de uma sociedade desigual e falsa, ainda sente que é no cuidado do lixo que podemos ainda ter esperança para o futuro.

Pensando ainda em tudo que vocês falaram na semana passada, em nosso comportamento e na realidade sueca, brasileira e de tantos outros lugares eu quero ficar com a brava e lutadora Estamira e com meu velho amigo otimista Immanuel Kant...


"A culpa e do hipócrita, mentiroso, esperto, ao contrário, que joga pedra e esconde a mão..."

Estamira

“Não preciso pois de perspicácia de muito largo alcance para saber o que hei de fazer para que o meu querer seja moralmente bom. Inexperiente a respeito do curso das coisas do mundo, incapaz de prevenção em face dos acontecimentos que nele se venham a dar, basta que eu pergunte a mim mesmo: 'Podes tu querer também que a tua máxima se converta em lei universal? 'Se não podes, então deves rejeitá-la, e não por causa de qualquer prejuízo que dela pudesse resultar para ti ou para os outros, mas porque ela não pode caber como princípio numa possível legislação universal."

Immanuel Kant**

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* A Filosofia da Moral Kantiana está reunida em três obras: "Fundamentação da metafísica dos costumes (1785)", "Crítica da razão prática" (1788)" e "Metafísica dos costumes" (1798).

**Kant, I., Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Editora Abril, Col. Os Pensadores, SP, 1973, p. 205, 4 Idem, p.

Comentários

Anônimo disse…
O sr. Kant está com a razão, mais uma vez. rsrs E me fez lembrar em um dos medos suecos: o de quebrar as regras! rsrs Mas e é assim que a sociedade deles funciona como funciona.
Outra coisa que lembrei do lixo, é o 'pant'. Levar nos supermercados e voltar com dindin no bolso. Acho uma boa forma de incentivar o bom comportamento.
Boa semana, Somnia!
Lu Souza Brito disse…
Somnia,

Sabe o que acho mais bacana nos seus posts? Você não apenas diz o que todos (ou a maioria) está cansado de saber mas não faz. Seu post me faz refletir. Me faz ponderar o que estou fazendo e se é o bastante. O que mais posso fazer? Qual ação posso tomar? Coom posso ajudar meu bairro, minha cidade, meu país? Porque acho que a coisa começa daí...do menor pro maior, de casa pro bairro, pra cidade, etc.
Claro que nossa realidade é bem diferente da sua, mas só por isso iremos cruzar os braços e desistir? Fosse assim desistiríamos em um primeito momento, visto que enquanto 2 pessoas querem ajudar, outras 5 querem apenas atrapalhar!
Beijos
ÓTIMA REFLEXÃO...BELÍSSIMO POST!
QUERIA SABER SE VC NÃO VAI MAIS PARTICIPAR DA BLOGAGEM COLORIDA? FOI TÃO LEGAL SUA PARTICIPAÇÃO ANTERIOR...
BJS
Somnia Carvalho disse…
Mari,

excelente lembranca! acredita que eu havia planejado falar disso, mas acabei me esquecendo! o post ja ficou gigante sem o assunto... acho que da para abordar em outro!

engracado que aqui eles nao acham que trocar pelo dinheiro seja tambem coisa de quem apenas precisa dos trocados, mas tem mesmo a ver com consciencia...


abracao e otima semana
Somnia Carvalho disse…
Oi Lu!

acho que esse e um ponto mesmo importante... se a gente pensar no que nao e capaz entao melhor preparar uma cesta enorme parar chorar pitangas...

tem dias em que penso mais nas dificuldades de mudar algo e outros que ainda assim eu devo tentar... entao vamos indo nao e?
Somnia Carvalho disse…
Glorinha linha,

veja so querilda: eu so nao participei do rosa lembra? porque tava viajando... mas o do vermelho ta aqui tentando sair...

ontem quando acordei eu me inspirei tanto com a ideia do vermelho, vi posts das amigas e fiquei louca pra fazer o meu... mas eu queria criar a partir do vermelho... so conseguia pensar em pintar uma tela muuuito vermelha e ai postar e falar dessa inspiracao que as cores propostas por vc e trrabalhadas por outras me deram...

resultado: comecei 3 telas diferentes ontem... desenhei mais 4 coisas e nao pintei nenhuma!
muuuita dor de cabeca, terrivel mesmo que me tirou a inspiration...

eu espero fazer uma elas ate quinta, vamos ver! e ai posto... se nao fizer ai participo com outra coisa, mas eu nao queria postar qualquer coisa, so colar da internetica entendeu? queria mostrar como a gente pode ser influenciado, inspirado pelos posts alheios...

beijao, sonia
vou copiar essa mens no seu bloguissss
Maariah disse…
Olá Somnia, deixo aqui o link de um dos videos de publicidade sobre reciclagem feito aqui em Portugal:

http://www.youtube.com/watch?v=facIx95zQXs
Beth/Lilás disse…
Borboleta querida!
Que coisa legal vc ir de bicicleta levar o seu lixo para reciclagem, quem dera eu pudesse fazer isso nas minhas cidades!
Ultimamente ando tão obcecada com esse negócio de lixo e reciclagem que ando enchendo o saco do marido para trazer lixo de Niterói para Petrópolis nos fins de semana e ele já disse que eu não ouse enfiar sacos de lixo para trazer para reciclagem em Petrópolis, senão ... sei lá o que fará! hehe
Mas, o fato é que eu também me preocupo bastante e tento fazer minha parte, lavando as pets antes de colocar na minha lixeira especial só para recicláveis.
Agora, estamos a passos de tartaruga neste Brasil varonil, pois este é um tema que nossos políticos, a maioria ignorantes e insensíveis a isso, não estão nem aí. E eu digo uma coisa, se um dia aparecer alguém na política que levante esta bandeira e faça um bom trabalho na sua cidade, poderá ser referência para muitos e o início de uma nova era por aqui.
Por enquanto continuaremos a ver lixões como este horroroso da sua foto, subindo para os céus. Acho que nosso país ainda é dos únicos que tem esta forma de lixões, para cima. Um horror!
Mais uma vez, parabéns pelo post e pelas reflexões que nos obriga a ter sobre o assunto!
beijinhos cariocas
Beth/Lilás disse…
Ahhhhhh, ia me esquecendo de te contar que hoje, em Porto Alegre, aconteceu justamente aquilo que comentei aqui no blog sobre a gente chamar a atenção quando alguém está fazendo uma coisa errada.
Acreditas que um sujeito estacionou numa vaga para deficiente físico e um outro homem que o observava, chamou-lhe a atenção e foi cruelmente atingido pelo sujeito infrator com um pedaço de ferro que tinha nas mãos!
Como eu disse, neste país, até para fazer o bem está difícil!
bjs
Oi Somnia! Cadê seu texto e suas telas menina? Vc disse que ia colocar no blog...queria ver sua arte...
beijos.
Françoise disse…
Esse curta metragem exibimos nas escolas sempre ao iniciar uma proposta pedagógica sobre as questões que abordou no post. Não tem sido fácil, os alunos estão ficando "entupidos" de teoria e poucas mudanças em suas atitudes......

Bjos prôce!
Fran

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