O pintor Paul Gauguin amou a luz na Baía de Guanabara
O compositor Cole Porter adorou as luzes na noite dela
A Baía de Guanabara
O antropólogo Claude Levy-strauss detestou a Baía de Guanabara:
Pareceu-lhe uma boca banguela.
E eu menos a conhecera mais a amara?
Sou cego de tanto vê-la, te tanto tê-la estrela
O que é uma coisa bela?
(Caetano Veloso, O Estrangeiro)
Essa idéia não me deixou as primeiras semanas de férias aí no Brasil, embora essa tenha sido a terceira vez que volto, desde minha vinda há dois anos para a Suécia.
Saindo de nossa realidade, aquela que se tornou normal, aceita e, muitas vezes, quase a única realidade possível, a gente leva tempo a acostumar-se à nova vida. Há um gasto enorme de energia para a adaptação, mas ela acaba acontecendo. Sempre.
O que a gente acaba não pensando muito é como nos sentiremos quando voltarmos à terra mãe, quando retornarmos à casa onde, por tanto tempo, foi tão simples e natural viver.
Nas primeiras semanas em São Paulo, sofri (sofremos) alguns choques. E, por mais que eu tentasse explicar a quem vive aí, percebi que parecia uma estranha. Ou uma chata. Talvez convencida. E por que não dizer, neurótica. Nem o outro nos reconhece, nem nós mesmos nos reconhecemos. Meu sentimento se pareceu com o de Ju Moreira, lindamente descrito em "A qual mundo pertenço".
De volta, estou feliz por ter de volta algumas coisas muito caras a quem deseja uma vida de qualidade, mas, por outro lado, sofro - de volta - um certo choque. Estar um mês e meio no Brasil faz com que a gente, aos poucos, vá deixando a chatice, o não conformar-se, a revolta, ou o que seja, de lado e vá tocando a vida novamente. E então começa-se a perceber o que tem de bom no lugar e tanto o corpo quanto a mente vai dando lugar a uma readaptação. Vai dando espaço a um certo esquecimento da realidade anterior, tida como "melhor", objeto de comparação. Esqueci, por exemplo, o que é estar a zero grau e exatamente com qual tipo de roupa deveria sair às ruas aqui. Passei frio no primeiro dia, porque já não estou tão adaptada como estava quando parti, semanas atrás.
Tenho certeza que isso tem a ver com sobrevivência. O mesmo que fiz no Brasil minha vida toda, fiz na Suécia quando cheguei. Nem o fato de ficar perdidíssima no supermercado por quarenta minutos, tentando comprar um fermento em pó, já que as línguas dos produtos se restringem às línguas nórdicas, me fez desistir ou arredar o pé de adaptar-me. Isso para dar um exemplo corriqueiro.
Me adaptei, como me adaptei no Brasil e superei desafios. O que sobra é um misto de felicidade estranha.
A sujeira de São Paulo, a miséria e a violência. A mentalidade pequena e senhoril de tanta gente que me irritou e me deixou indignada por semanas foi sendo "mascarada" com a vida, de certa forma, boa e normal que eu posso levar frequentando lugares bonitos e mais caros. Acaba dando lugar para o aconchego que se tem com os familiares, os amigos, a língua e os costumes. Acabo por beneficiar-me daquilo com o qual também não concordo, como a desigualdade.
Sou brasileira e nunca deixarei de ser. O que acontece comigo, desde que saí, é esta sensação inquieta de talvez não se sentir mais completa em lugar nenhum, embora eu possa ser bastante feliz em quaisquer um deles.
Talvez a pessoa que saia de sua própria terra e viva diariamente as dificuldades, as arguras e as maravilhas de outra acabe sendo uma espécie de Léo, como o personagem central de Matrix. Tomando a pílula azul e não sendo nunca mais capaz de enxergar apenas como quem só tomou a vermelha, Léo entende que outro mundo e outra vida é possível. Entretanto, nunca mais conseguirá voltar à "ingenuidade" e felicidade primeira. Aquela ficou perdida com sua experiência anterior. Daí ser tão fascinante a cena em que um outro personagem deseja ardentemente comer galinha, sentindo o mesmo gosto que sentia enquanto vivia na Matrix. Ao tentar fazê-lo, ele percebe que tal sensação já não é mais possível desde quando ele soube que a galinha era parte de seu mundo falso.
O mundo novo é estranho e lhes priva de algumas sensações, por outro lado, oferece uma visão que nem ele, nem Léo poderiam ter tido se continuassem a viver só no primeiro.
Não digo que quem toma a "pílula azul" é melhor que o outro que não tomou. Apenas que eles nunca mais conseguirão ver a mesma realidade de forma parecida. Por isso meu sentimento de ser tão difícil me explicar durante a estadia no meu país.
De volta a Malmö, estou tendo que me adaptar ao frio, que nem é muito, mas do qual meu corpo se esquecera, depois de seis semanas vivendo com trinta e poucos graus. Sentir-se estranho onde, há pouco, eu me sentia muito em casa, também é algo natural para quem retorna, ainda que o retorno traga tudo aquilo que eu sonharia ter também em minha pátria.
Atravessar as ruas e ser respeitada. Estar num lugar calmo e pacífico. Organizado e igualitário. Tudo isso são coisas que me deixam extremamente feliz e realizada. O contentamento, entretanto, nunca será total, já que eu nunca conseguirei que minhas duas realidades deixem de ser tão diferentes e eu nunca poderei viver lá e cá ao mesmo tempo.
Talvez isso tudo só aconteça ou passe pela minha cabeça porque o que me é estranho nunca foi e, espero nunca seja, indiferente. Ou vai ver isso tudo é só um jeito mais elaborado de eu poder dizer que a música brega, velha e esquecida do Dalton (Muito estranho) tenha ficado rodando meu cérebro nas últimas semanas. Não sei direito. Tudo está bem estranho...
Comentários
http://chezjoann.blogspirit.com/archive/2009/01/29/ladyblog-awards-2008.html
É ver que o Brasil poderia ser melhor se não fosse a roubalheira e a falta de carinho com este povo que os governantes teem.
Eu imagino o quanto você, muito mais que um gringo, sofre, quando vem aqui, pois você sabe que poderia ser melhor, né mesmo!
abraço carioca
nunca mais se sentir completa é o mesmo sentimento que tenho... fico pensando que foi essa a maçã que Adão e Eva comeram...
saudades de ti.
beijos
respeitar todos, pois assim sera respeitado e procurar entender este
dificil sentimento que eh o da irmandade.
aqui no Brasil, o que acontece eh a falta de autoestima na maior parte da populaçao esta mania de querer que o governo abarque tudo, sem lutar por nada.deixar nas mãos do outro o seu destino...
Tenho um pouco de medo disso acontecer quando, e se, eu for embora um dia.