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"Uma foto, mil lembranças": "Uma foto ruim e intrigante de uma época boa", por Elaine Carvalho


Snif... snif... estamos quase chegando ao fim da publicação dos participantes do concurso "Uma foto, mil lembranças". Um dos últimos textos é este aqui da jornalista toda sampa, Elaine Carvalho, quem eu vim a conhecer exatamente por conta do concurso.

Em seu blog "Verdades e Insanidades", a Elaine, uma balzaquiana de 35 anos, escreve gostoso sobre literatura, algumas memórias pessoais e lança pontos de vista sobre múltiplos assuntos que lhe apetecem.

Curioso foi que a Elaine estará "concorrendo" com o texto de sua mãe, o qual publicarei logo depois desse. Foi tão bonito de ver mãe e filha assim sintonizadas num mesmo canal... em memórias que se conectam, mas nem sempre são conhecidas umas das outras.

O texto da Elaine toca numa questão sobre a qual eu vivo refletindo e já falei antes: o passado tal como o lembramos não se trata da realidade vivida, mas apenas da forma como sentimos este passado e o vivemos bem como da maneira manca como o mantivemos guardado na memória.

Obrigada Elaine!

...


Uma foto ruim e intrigante de uma época boa

"Algumas lembranças da infância são fragmentadas. Não se entende muito bem as circunstâncias, o local e a razão. É assim com as fotos que tirei aos cinco anos na escola onde fiz o Jardim 2. Em todas elas estou com uma cara bem triste e o que me intriga é que foram tiradas em uma das melhores épocas da minha infância.


Não pense que, se é assim, a coisa foi feia. Foi nessa época que morei na rua que mais tinha crianças na história das minhas residências. Como passavam pouquíssimos carros, a gente podia brincar à vontade. Meninos e meninas com muita energia pra gastar em brincadeiras sem gênero. Taco, pega-pega, mãe da rua, guerra de bola de barro do terreno baldio da esquina. Talvez por isso até hoje eu goste de mexer com argila.


Meus pais eram professores e chegavam sempre tarde, depois das dez. Então, noitinha eu ainda brincava, já não na rua, mas na casa da vizinha, que tinha três filhas. Olhar o os outros vizinhos pelo furo da parede era uma das nossas atividades. Às vezes, eu ajudava a mais nova nos desenhos. Ela estava naquela fase de repetir a mesma letra na linha inteira pra treinar a coordenação motora. Um ce maiúsculo, por exemplo, coisa que eu já tirava de letra.


Com tanta diversão, a escola nem era o ponto alto do meu dia. Mas a tia Márcia um doce e a Florestinha do Pixoxó tinha uma estrutura muito boa: piscina, árvores, parquinho. Por que é, então, que eu só saia com cara triste nas fotos?


Lembro vagamente da seguinte situação. Eu na sala e o fotógrafo me tirando daquela vibe boa pra me fotografar. Sacal. Então me pergunto se essa cara não poderia ser de tédio. Mas a expressão é de tristeza. Também não me lembro se isso aconteceu apenas uma vez. De repente, eu não estava num dia bom – podia estar com dor de barriga, sei lá -- e obviamente sai esquisita. Mas na minha lembrança confusa é como se essa “paparazzizada” fosse recorrente, o que torna muito mais dramática a dúvida sobre meus sentimentos na época.


O fato é que o fotógrafo paparazzi não me traumatizou. Hoje, eu adoro uma foto e pra, minha sorte, fiquei mais fotogênica."


Elaine Carvalho.



Comentários

Que legal esse texto da Elaine! Ela realmente parece mais "sem saco" do que triste na foto...acho que queria voltar logo pras brincadeiras e pra junto dos amigos...rsrs Legal lembrar de uma fase boa da nossa vida, principalmente da infância...Esse texto me inspirou...vou lá escrever um negócio no Café....rsrs beijos,
Beth/Lilás disse…
Também gostei muito da forma como a Elaine escreveu e descreveu esta época da infância.
Realmente ela não sorriu, e já vi fotos assim de crianças e agora fiquei aqui pensando com meus botões, porque será? Eu era uma sorridente garota e como diziam antigamente "vivia mostrando as canjicas", nem sei porque diziam isto, mas era o termo da minha época.
Eu era boba que nem só e qualquer coisa me fazia sorrir, fora isso sempre fui meio dentucinha, então quem é assim, está sempre com os dentes aparecendo, e necessariamente não quer dizer que estivesse feliz, né mesmo? hehe
muitos beijinhos cariocas
Nina disse…
ahaha, gostei mt tbm do fim do texto :-)

mt legal a forma que vc, Elaine, descreveu essas incertezas da infância, realmente nao lembro de ter feito cara mt boa nas poucas fotos que temos dessa época. Acho que é exatamente assim como vc disse, po, tao me tirando da brincadeira que tá tao boa e ainda tenho que fazer pose, ahh saco!

Mas o que achei ainda mais interessante foi o comentário da Sonia, qd diz que mt das nossas lembrancas extremamente pessoais, eu posso ter uma recordacao de um fato do jeito que criei, só na minha cabecinha, já a minha irma, tem desse mesmo fato, uma outra lembranca. E olha, é bem assim mesmo que as coisas funcionam!

Um bj
Anônimo disse…
Obrigada, meninas, é bom ver os feedbacks. E temos todos tantas lembranças da infância que dá sempre o que pensar. Somnia, vi que você tem a preocupação de apresentar os textos antes de publicá-los, mas como a gente não se conhece pessoalmente, achei que não teria como você fazer isso. E você arrematou tão bem o espírito da infância e a relação mãe e filha que agregou valor! rs...Muito legal. Obrigada, bjs, Elaine
Mery disse…
Lembrei de mim, não gostava de tirar fotos na Escola, parecia uma obrigação, e eu saía sempre de assim, meio desanimada, sei lá, sem saco mesmo...tenho cada uma!Nunca sorria!
Hoje é o contrário, virou moda tirar fotos com celulares e câmeras digitais, mas já me acostumei, tudo é motivo pra fotografar.
bjusssss
Mery*

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