Eu conheço a autora do texto de hoje há mais de 15 anos e vocês por conta da maravilhosa história de uma colcha de retalhos. Estudamos juntas na mesma universidade, curtimos as mesmas badaladas festas, trabalhamos no mesmo grupo de professoras em determinada época. Depois, nos casamos, fomos viver fora e tivemos dois filhos: uma menina e um menino, no caso dela. Um menino e depois uma menina, no meu. E continuamos juntas sonhos muito parecidos e lutas semelhantes para manter, no mínimo, uma coesão entre as mocinhas e profissionais da época da universidade, as namoradas dos nossos maridos e as mães notas quase 10 que desejamos ser para nossos filhos.
O que eu vejo nessa Gislaine de mais de quinze anos em comum com a autora do texto é essa sensibilidade e o seu modo de falar naturalmente poético. A Gislaine estudou Letras na Unicamp, ama literatura, línguas etc, mas o modo dela escrever e o modo amável com o qual ela vê a vida transparece claramente nas linhas desse seu texto sobre este "encontro com sua mãe".
Não sei se é ela quem tem o dom de emprestar das letras o sentimento ou se o contrário!
E eu? Eu tô adorando todo dia ter texto como estes que vocês me mandaram para pôr aqui no blog!
E... Gi.. obrigada!
Minha mãe sempre foi severa consigo e com os outros. Para si, negou os luxos, a vaidade e também a expressão de um amor da vida inteira, tudo, penso eu, porque a vida já bastava enquanto sobrevivência, e amor, ah, o amor, as novelas já o expunham demais, ela não se arriscaria ao ridículo. Não me lembro de na minha infância tê-la visto uma única vez se enfeitando ou flertando com meu pai.
Eles sempre estiveram lá um para o outro, tranquilos, respeitosos, mas sem o contato das mãos ou beijos, inhos que fossem, carregando ao modo deles aquela coisa invizível que os unia. Ele jurou até a morte que era amor, ela jura até hoje, falando baixo, claro, pra que ninguém descubra a mulher atrás da mãe. Com os filhos, ela sempre nos protegeu feito bicho, do tipo que quase espancava a professora ou qualquer outro que não nos respeitasse. Perdemos a conta de quantas vezes ela saiu ao ataque.
Porém nunca encostou a mão em ninguém lá em casa, e não porque tenha lido manual de boas maneiras ou obras de pedagogia, esse tipo de comportamento simplesmente não era dela, só isso, e no mais, o seu olhar e suas palavras eram suficientes. Palavras duras das quais ela vez ou outra se desculpa. O problema é que palavra é palavra, e vai encontrar borracha pra apagar o que foi dito. Coisas de mãe e filho, coisas de gente e gente, porque no humano a crueldade martela em ditado na cabeça. Minha mãe é dura, quantas vezes abaixamos a cabeça de medo daquele olhar, quantas vezes nos calamos mas não menos levantamos a crista por não aceitar a reprimenda; e minha mãe também é mansa, dona dos opostos do humano, sabe com as palavras quase me colocar de volta na barriga e me proteger do mundo. Tenho cá comigo que as pessoas muito duras se defendem da própria doçura.
Assim é a minha mãe, que nos gestos mais silenciosos se revela um amontado de amor.
Essa pequena introdução é pra falar da senhora rindo ao meu lado na foto. Leve ela, não? Faz um ano neste mês de setembro que a mulher que eu mais amo veio me visitar. Não foi coisa pouca. Atravessar um oceano pode ser algo cotidiano para muitas pessoas, mas para a minha mãe foi um grito. Deixar sua casa, sua família, ainda que para encontrar um pedaço de si, deve ter doído demais. Imagine, depois de 70 anos ter de sair do seu bairro, andar em ruas que não eram suas, vestindo-se estranha pra si mesma. A novidade tem o gosto amargo da liberdade, porque sentir-se livre da vida de todo dia é tirar os pés do chão, e ai que medo que dá voar. A chegada da minha mãe em terras suíças parecia tirar o mundo de órbita. Eu não podia acreditar no salto que a velhinha havia dado, toda corajosa. Não é exagero meu, não mesmo, gritar, vocês sabem, consome uma energia danada.
Foi na viagem que ela se transformou na minha menina. Eu segurava suas mãos para que ela atravessasse segura as ruas, „e nossa, como tudo isso tudo é lindo!“, cozinhei carinhosamente para que ela se sentisse bem-vinda, „hummm, eu não sabia que você fazia coisas tão gostosas!“. Na foto estamos nós duas festejando: a vida, o aniversário da minha filha, o batizado do meu filho. Sentir-se criança é uma dádiva, e naqueles dias eu estava assim, abençoada. Toda a dureza daquela mulher havia se transformado numa canção de ninar.
A viagem acabou, os dias seguiram, e como mãe percebo mais e mais a difîcil tarefa de educar sem tropeços. Quem me dera ter filhos e não precisar jamais ser dura com eles ou comigo, quem me dera continuar apenas uma menina. Não sou a única a me perguntar como o amor sobrevive à aspereza ao mesmo tempo que dela se alimenta. Acho que a minha filha vai se perguntar o mesmo. E muitas outras meninas também."
Comentários
Que bonito o teu texto! Que bonita a foto!
Minha mãe, também, foi a " minha menina " por uns dias... Que delícia poder retribuir um pouco, né?
Bjs
Ela é o contrário de minha mãe, pois a minha já transparecia tudo, tanto o grande amor pelos filhos quanto pelo marido. Mas, são iguais na descoberta deste mundo novo, de sairem sozinhas e se lançarem no mundo.
Ahhh, falar sobre mãe me deixa comovida demais! amei simplesmente!
beijos cariocas
Arre, vai ser difícil escolher um por aqui!!!!
Bela..Parabéns para a autora da fotoe , tbm, parabe´ns á autora do texto.bjs e dias felzies
Exigi muito deles e também de mim. Tinha que ser o exemplo, né? rsrs
Agora vejo o quanto me pareço com minha mãe, o quanto essa mãe se parece conosco, o quanto somos parecidas, em síntese, todas as mães...
Esta frase me pegou de jeito: "Palavras duras das quais ela vez ou outra se desculpa."
Bj