(Amamentando Ângelo em praça na frente de Museu em Göteborg, Suécia, 2007)
Provavelmente vocês também ficaram sabendo do "Mamaço", uma manifestação feita por mais de 50 mães no Itaú Cultural como protesto à proibição sofrida pela antropóloga Marina Barão de amamentar seu filho no local, em março passado.
A notícia me trouxe à tona novamente algo que sempre me marcara na vida na Suécia e da qual por muitas vezes pensei em trazer para vocês: a questão da amamentação em público.
Ângelo, meu primeiro, nasceu lá, como vocês também sabem. E talvez o fato de ter aprendido a ser mãe e aprendido a amamentar por lá tenha me dado um desprendimento para amamentá-lo em público ao qual infelizmente muitas mulheres brasileiras são privadas. Declarada ou mascaradamente.
Por um ano e meio eu andei pela Suécia, por suas inúmeras cidades, restaurantes, bares, museus, shoppings e praças públicas. Por onde quer que ia não havia nenhuma dúvida. Ângelo com fome, eu sacava o peito de onde tivesse e o amamentava. Assim, sem problema algum. Assim, sem nenhum olhar masculino tentando se deliciar do peito da mãe alheia. Assim, sem nenhuma senhora me olhar como quem olha um mãe meio abusada. Assim, sem nenhuma cobertinha vindo tampar metade do peito de fora.
Eu só não tenho muitas fotos para mostrar porque, por mais forte que fosse meu desejo eu ainda tinha uma alma colhida e tolhida no Brasil, então as fotos são sempre discretas e poucas.
Amamentei o menino por quase um ano e meio no peito e durante este tempo praticamente todos os dias o fiz também fora de casa. Lembro-me de uma única vezinha que percebi um cara me secando todo nojento lá de cima de um andar do shopping center. Nesse dia, lembro-me de virar-me para outro lado e de ter me incomodado muito.
Essa naturalidade nunca, digo NUNCA sem medo de errar, foi verdade aqui no Brasil. Nem com Ângelo, quando vínhamos de férias, nem com Marina quem amamentei por 6 meses. Em casa de parentes indispensável uma fralda grande para tampar os peitos e não parecer folgada demais. Numa festinha em Buffet infantil? Por favor não tenha o dispudor de tirar seu peito para fora na mesa onde todos estão. "Senhora, há um berçário logo ali onde pode amamentar!", disse-me não uma, mas várias mocinhas funcionárias de buffet infantil no Brasil. Então sempre fui eu para um cubículo, de portas fechadas, fazer aquilo que não se deve fazer em público.
Vejam só que contradição: a mesma cultura do biquini que permite fio dental em praias familiares não gosta de ver peito de mãe sendo sugado por criança.
Na sua casa enquanto recebe visitas? Olhares. Num restaurante? Olhares. Numa praça? Olhares. Num banco de shopping? Mais e mais olhares. De homens tarados. De mulheres também preconceituosas. De crianças curiosas. Isso porque no Brasil eu nunca me atrevi a amentar sem usar as tais fraldinhas do medo.
Digo isso também sem medo de errar porque eu me lembro sim de ter recebido um ou outro olhar na Suécia de algumas velhinhas, acho que umas duas, e elas me abriram um sorrisão, baixaram assim fazendo um de levinho a cabeça em afirmativo como quem diz: "Isso, minha filha! É assim que se faz! Amamente seu filho no peito!". Nunca! Digo, nunca, um olhar de reprovação. E eu juro que foram centenas de vezes!
O fato ocorrido no Itaú Cultural e a proibição burra feita pelo funcionário sob ordens da empresa não é, ao meu ver, algo isolado no nosso país. Infelizmente. É só resultado, como quase tudo, de uma cadeia de pensamentos e idéias ligadas à nossa cultura.
Peito no Brasil é quase sempre sinônimo de: "partes sensuais" só perdendo para as nádegas.
Tal idéia se apresenta nos mais variados grupos e geram tendências de comportamento:
- os tarados de plantão acabam por coisificar o peito e entendem que o único objetivo desta glândula feminina é a satisfação sexual do macho, nem que seja apenas visual.
- as carochinhas e os conservadores acreditam que o ato de expor o peito e amamentar um filho em público seja normalmente feito por uma mulher que tenha, claro!, o desejo de despertar o apetite sexual dos tarados de plantão.
- as desesperadas por forma física não só deixam de amamentar em público como também em ambiente privado, passando a tarefa para a mamadeira e as babás as quais provavelmente não amamentaram suas crias por verem na patroa um bom exemplo do que seja uma mulher moderna-chique, capaz de não tirar crítica das carochinhas e dos conservadores bem como de atrair os olhares dos tarados de plantão.
(Eu, cabadinha, mas "firme e forte" amamentando Ângelo na praça junto à Universidade de Lund, Suécia, 2007
Obviamente também deve haver tarado, carochinha, conservador e loucas pela forma na Suécia, mas se vocês tiverem a opotunidade de passear pelo país verão não dezenas, nem centenas, mas milhares de crianças sendo amamentadas pelos espaços públicos. Tem a ver com o fato dos homens lá (para felicidade de muitas e infelicidade de algumas) não olharem de jeito nenhum para uma mulher como se ela fosse um objeto. Nada de "fiu, fiu", "ei! gostosa!" ou simplesmente aquela encarada animal (em todos os sentidos). Nadinha de nada! E isso tem a ver com conquistas de igualdade que a sociedade sueca vem conseguindo ao longo de muitos anos.
Colabora ainda o fato da sociedade de lá não ter todo o apelo (ou da obrigação) da sensualidade como a nossa. Por isso não só em praias como em praças públicas as pessoas trocam de roupa, como tirar o sutiã e colocar o biquini rapidamente, em público. Por isso o topless é autorizado, mas não a cerveja. Fazem com naturalidade. Chocam os desinformados da situação, mas entre eles é bem naturalzão mesmo.
Eu sou meu corpo. Meu corpo sou eu. Não somos um pedaço de carne cujo único objetivo é provocar o sexo oposto.
A cultura de não amamentar em público não é privilégio do Brasil. Quando estava visitando minha amiga Lujan, em Londres, quem também precisava amamentar seu bebê Téo, fui avisada por ela de que não seria legal que a gente o fizesse no lugar onde estávamos, pois algo assim é compreendido como falta de respeito e educação com o restante. Não sei mais do que isso, portanto não posso sustentar uma tese sobre isso nem descer a lenha na cultura inglesa. Por favor o faça quem vive por aí para a gente saber!
Sobre o assunto no Brasil creio haver ainda outros aspectos os quais ajudam a explicar nossa cultura de não amamentar em público e acredito que o maior deles seja a cultura do não amamentar.
Basta fazer uma pequena ronda pelas nossas maternidades, sobretudo as particulares e bem caras, e perguntar para as enfermeiras de plantão como lidam as mães modernas e chiques com suas crias recém saídas de suas barrigas (é bom lembrar, de cesareana em 99% dos casos). Você provavelmente vai ouvir como elas se dedicam bastante a cuidarem dos cabelos, das unhas e a receber convidados na maternidade, menos a cuidarem de seus próprios bebês e amamentá-los. Isso, entretanto, é deveras complicado e já assunto para outro post...
E que me desculpem as muitas mães dedicadas, conscientes e "amamentadoras" de plantão porque embora eu sinta muito orgulho de vocês bem como de manifestações como o "Mamaço" acho que cutucar outras feridas de vez em quando ajuda a sentir orgulho no peito. E (desculpe se não consigo evitar o trocadilho) dos peitos da gente!
...
Agora é com vocês porque o povo quer saber!
Como é a cultura da amamentação e da amamentação em público no lugar onde você vive? Qual a sua opinião sobre o tema?
Comentários
Todos os shoppings têm o "Fraldário", agora também em restaurantes, Museus, etc.
Sutilmente, uma maneira de mostrar um lugar reservado para as mães e seus bebês.
Minha filhas iam para lá, alguns apertadinhos, outros espaçosos, até para se livrarem de uma "chamada" de algum segurança ou garçon, estc.
Hpa 30 anos, quando os criei, nem era comum ir para a rua com crianças de colo. Bebês ficavam em casa, mamães não saiam pra todo lugar, com medo de contágio, sol, vento, chuva, etc.
Eu, se tivesse amamentado, bem que queria poder fazê-lo onde desse, onde tivesse um lugar para me sentar e ficar ao abrigo de olhares curiosos.
Beijo!
eu, como sou descendente de indios, tiro as tetas pra fora em qualquer lugar nesta terra fria que eh a Suiça.
Eu nao me controlo. O bb chorou, eu tiro.
Nada mais natural.
Nao agüento olhares. Eu os devolvo com furia.
Alias, eu me sinto bastante animal neste momento. Sera que ser ou nao ser descendente dos macacos eh um tema na hora de se sentir confortavel em dar de mamar?
O corpo é uma festa."
entao, e estranho isso ne? a gente tem a impressao de que somos bem abertos e apoiamos todos o aleitamento etc, mas na pratica ha milhares de brasileiras que nao querem nem saber disso....
e alem desse porem tambem ha aquelas que querem muito amamentar, mas ai ficam se escondendo. Por sorte o evento ocorrido la no itau cultural era com uma mae informada! senao a gente nem levanta a discussao!
eu nao sei se na epoca das nossas maes era melhor, na verdade ate onde sei nao... hj em dia ha muito mais maes que amamentam no peito do que antes... se elas fazem so escondidinhas talvez seja o problema.
bj
eu acho que o fraldario e super importante pra troca do bebe... um lugar confortavel e limpo ajuda muito! e tambem se a mae quer amamentar quietinha e legal ne ter opcap? so se eu estiver maluca, mas aqui em sao paulo... deixa eu pensar, pensar... nao... nunca vi uma mae amamentando numa praca de alimentacao de shopping... talvez porque tenha o fraldario? nao sei... mas acho que o fato da gente sempre escolher o lugar quietinho e escondido diz muito a respeito de como fomos educadas sobre o assunto, voce nao acha?
beijocas
so para o pessoal ter certeza: entao! a Mariana e enfermeira em maternidade publica e sabe do que fala... rs...
sim, quando ouco as suas historias e da Pinta eu fico sempre pensando que ainda estamos muuuuito atrasildas nestes assuntos.
se vivesse aqui te indicava meu medico! rs...
curioso isso ne? que em Portugal seja parecido... porque somos parentes, aprendemos com voces, logo, faz sentido que a gente tambem seja ainda conservador quanto ao assunto... os dois precisamos aprender a desinibir...
mas e ai nas Suicas? a suicas tiram o peito em publico para dar de mamar? eles sao conservadores como eu tenho a impressao ou mais abertos?
gente pirei quando vi este nome aqui! para quemnao sabe Eduardo Galeano e um excelente e grandississimo escritor uruguaio de quem eu so tenho um livro, mas o qual nao paro de reler e reler e reler! rs...
mas provavelmente deve ser alguem fa dele que criou o codinome e passou pelo borboleta... nao e? qualquer um de
Por outro lado tenho que dizer que estou agradecida por alguem ter inventado a mamadeira nao por que eu sou chiche ou nao quero deformar os meus peitos mas porque eu nao tive o privilegio de poder dar o peito pro meu filho coisa que foi muito frustrante. Ainda lembro a minha dor nao somente fisica mais a dor na alma de nao poder so tirar o peito e dar pro meu filho. Aqui na Suecia como vc lembra as enfermeiras exigem duas coisas da mae 1)parir vaginal, 2) dar o peito, esses sao dois imperativos aqui, coisa que muitas vezes cria um trauma como foi o meu caso. Como sao as enfermeiras or "barnmorska eller bvc sköterska" por ai sao tao obstinadas como as suecas?
beijao pra vcs
Jessicka (Suecia)
e isso ai! eu entendo perfeitamente que o fato de ser excelente e necessario a gente amamentar nao significa que isso deva ser uma obrigacao... acho que na verdade a mulher deva ter opcao mesmo... eu so acho que quando se e massificada para sempre parecer a mae mais enxuta e magra do mundo e se aceita isso como o quesito primeiro e burrice! faz mal a mae e ao bebe nao e?
eu lembro bem da sua saga, da sua culpa, do seu sofrimento e lembro de ter lhe falado que devia esquecer porque voce tinha outras formas de ter aquele contato com seu nik... mas nao e so falar e dificil agir nao?
entao, eu nao posso falar muito sobre como as enfermeiras obstetras lidam com isso aqui porque eu so tive a marina e foi num hospital particular... mas ao menos la elas servem quase como primeiras babas das criancas... sao tratadas pela maior parte das maes como ajudantes, sao empregadas e precisam manter o emprego... elas ensinam e tal, mas ate onde vi e sei muuuuitas maes jogam o bebe desde o primeiro momento no colo da enfermeira e dane se!
beijoca
xeroca
Minha filha tem 2 anos e ainda mama quando estamos em casa. Antes de sermos simbolos sexuais, somos mamiferas. Nossos peitos foram feitos para amamentar, se ha outras funcoes para os seios, eh um mero detalhe.