("Dora", Somnia Carvalho, 2004. Inspirado na faxineira costureira Dora que conheci em São Paulo. Releitura de Isabelle Tuchband - Coleção: Daniela Morassutti Zuim)
"Hoje cedo, na rua Do Ouvidor
Quantos brancos horríveis eu vi
Eu quero um homem de cor..."
Luana, aquela adorável sobrinha, fez um comentário sobre si mesma e sua cor esses dias, quando o assunto era a "branquelice" do Ângelo e do Júnior:
"- Eu pioro quando tomo sol."
E eu voltei a me lembrar dessa sua frase "que faz pensar" ao ouvir novamente um cd da Elis e pôr mais atenção à letra da gostosa "Black is Beautiful".
A música, que já começa com grande ousadia ao chamar os brancos de "horríveis" (sobretudo se pensarmos trinta anos atrás), inverte o preconceito que a minha pequena sobrinha já sofre e no qual, ela mesma, já acredita.
(Os lindos e diferentes Luana e Ângelo)
Pensei ainda que as suecas provavelmente adorariam esta canção e concordariam com Elis Regina. Aqui, ser loirinho, de olho azul e cabelo fino não chama atenção. O diferente é bonito. Se aí tingimos nossos cabelos para nos aloirar, aqui "Black is beautiful".
Quando vim pela primeira vez para a Suécia, em outubro do ano passado, a impressão que eu tive, na cidade universitária de Lund, era que estava havendo um congresso de beleza na cidade... cheio de modelos femininos e masculinos desfilando de bikes, com pernas à mostra, com cabelos massageados com mousse e seus belos olhos azuis a brilhar na pele clara.
E pensei: "Como são lindos os suecos."
Claro que eu estava aplicando meu padrão ocidentalizado de beleza...provavelmente um padrão preconceituoso e colonizado de beleza. Entretanto, se você gostasse da idéia de ser atendido num café por algumas Anas Hickmans ou ver um repositor de supermercado estilo Brad Pitt e Matt Damon, você também concordaria comigo. Isso se os branquelos lhe apetecem.
Mas a verdade é que esses moçoilos perdem para os brasileiros morenões, mulatos e negros que por aqui passam. As suecas (e isso é depoimento de amigo nosso solteiro, branco, que tentou - e muito - conseguir uma namorada suequinha) gostam mesmo é de "um homem de cor". Se tiver cabelo rastafari, hum... melhor ainda.
O mesmo ocorre com os homens. Nossas morenas, mulatas e negras parecem ser as únicas desejadas por aqui. E não tem mesmo como negar que a beleza de Juliana, uma carioca que conheci, da Márcia, cearense, Ivone e Ivani, baianas, e outras mais, se destacam na multidão e atraem olhares.
Metade das mães jovens, bonitas, inteligentes e atraentes (como eu), que participam do grupo de mamas que frequento, são casadas com estrangeiros morenos, ou ao menos, cabelo escuro. Talvez Malmö seja exceção ao restante da Suécia, já que aqui há mesmo milhares de imigrantes. Não sei dizer muito mais que aquilo que vejo aqui onde vivo e não vou discutir neste post o provável preconceito de uma outra geração ou de uma parcela dela. Aqui tô tomando essas pessoas - que não são poucas - para quem o diferente é o que atrai.
(Luana provando pela primeira vez a diferente comida japonesa, comigo e com Dri. O sushi e sashimi que, segundo ela, apesar de ser peixe cru, eram "muito bons")
O fato é que eu deveria conseguir trazer a linda, morena e perpicaz Luana para cá quando ela fosse mais mocinha, para que ela percebesse que as Barbies que ela venera e que os bobinhos da escola dela não sabem que ela é uma pérola morena para os belos escandinavos (ou os homens da tribo do Norte, como minha linda amiga Inara os chama).
O que a muito jovem e inexperiente Luana ainda não sabe - mas a tia metida à filósofa sonha em poder ensinar - é que é preciso questionar sempre: padrões, comportamentos, pré-conceitos e imaginar uma outra verdade, outra realidade, bem diferente daquela que nos acostumamos a acreditar. Questionar e duvidar foi o que comecei a aprender bem com René Descartes, um dos primeiros filósofos que estudei na graduação, e que tentei me especializar ao me tornar íntima de Theodor Adorno, no meu mestrado.
Pena eu não saber disso antes, quando me chamavam de Olívia Palito, Pau de virar tripa, e outros elogios mais, na infância, durante o ginásio inteiro, quando o modelo rechonchudinha ainda estava em voga e minha "magrelice e cumprideza" fugiam aos padrões rigorosos das crianças e adultos da época.
Bom, antes tarde...
Comentários
Beijão
Dani
1daystand.blogspot.com
Mafer
Mas... eu acho essa questão espinhosa, mas necessária, embora aqui no blog eu apenas tenha raspado nela de forma muito superficial.
beijos
Parabéns pelo seu post!!!
Sutil, delicado, certeiro, lindo de viver - ótimo, para necessárias reflexões ...
Minha mãe (negra, como eu) tem uma voz possante e é cantora por dom, tantas vezes cantou a canção Black is Beautiful e talvez por isto me emocionei tanto lendo seu post.
Por ironia do destino, não me casarei com um homem de cor e sim com um sueco branquelo, prova de que é possível, sim, amar e admirar "o diferente"!
Que a linda Luana perceba o quanto antes, quão bela ela é - mesmo sendo "diferente" dos igualmente lindos priminhos ...
Caramba, não me canso de repetir que seu blog foi meu melhor achado na Internet, neste meu processo de emigração do Brasil ... Obrigada por isto!
E vive la différence!
Bjs
Janaina Souza
Obrigada por esse presente agora a noite...
Pus meu bebê pra dormir, estou sozinha em casa, chuva lá fora e vim aqui fechar o computador... obrigada...
É tão bom escrever no blog que eu me empolgo e faço textos longos demais para a internet... mas é bom saber que, ainda assim, tem gente que pára e lê e partilha das idéias... valeu!
um beijo enorme nessa sua mãe que deve ser especialíssima para cantar essa maravilhosa canção... e!!! a gente precisa se conhecer!!! um beijo no seu branquelo tambem!!!
eu não acredito que exista algum povo sem preconceito. A gente sempre teme o diferente, então, acaba se colocando como superior, como forma de provar a nós mesmos que nós é que somos os "aprováveis"... preconceito é uma forma de fraqueza humana boba boba e a gente tem que fugir dele... melhor ainda quando consegue viver tranquila como voce, dane-se os outros!