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"Uma foto, mil lembranças": "Alegria, alegria! Esta foto é nossa!", por Stela Battaglia

!


A história concorrente de hoje é inspirada numa foto de várias décadas. Uma foto literalmente guardada num baú, repleta de memórias e histórias que esperavam para serem recontadas, porque o tempo, os desencontros e os encontros podem nos tirar de dormências...

A autora, Stela, eu conheci há alguns anos, quando comecei a dar aulas para a filha dela. Fiquei amiga tanto de uma quanto da outra, porque gente cheia de vida e profunda como elas a gente não encontra todo dia não...

Hoje, ao contrário do que normalmente faço, eu prefiro não tentar parafrasear o texto da Stela... Eu prefiro que vocês sintam uma onda de friozinho correndo pelo corpo como eu senti no meio e outra de esperança para o final...

A história da Stela fala por si mesma e, segundo ela, não haveria melhor momento em sua vida para tirar do seu baú uma foto e o concurso foi uma excelente forma dessa história poder ser contada... 

Obrigada querida Stela!

...


Alegria, alegria, esta foto é nossa!

"Ano? 1000...como as lembranças...
... 900... e 70... e 2...


Éramos professores, colegas e amigos. Além dos alunos, diários de classe e planejamentos que nos uniam, havia os passeios programados em grupo. Um deles, um almoço em Piracicaba. Divertido passeio, com direito a saborear um bom peixe assado à beira do rio, andar na praça, rir muito (sabe-se lá do quê!). Éramos todos amigos... aparentemente.


Aparentemente... porque ... entre o garotão loiro e a moreninha sorridente sentados lado a lado, no mesmo banco da praça, havia um sentimento a mais – ocultado, mas sentido pelos dois, perceptível para alguns conhecidos.


Um sentimento com vontade de crescer, mas inibido por contingências da vida. Ele revelava-se no sorriso dos encontros nos intervalos de aulas, horários de recreio, ligeiros recados deixados nos registros de aulas de cada um deles. Chegou até a reverberar na “coincidência” de morarem na mesma rua. “Alegria, alegria, essa rua é nossa!” foi o bilhete que a jovem encontrou em seu diário quando “ele” foi morar numa pensão ali, bem pertinho de sua casa; porém, os caminhos da vida colocaram os sentimentos na contramão dos acontecimentos.


Ele seguiu seu destino para o interior de São Paulo, continuando andanças, esquecendo o magistério. Ela permaneceu em seu berço paulista, sempre professora. Ambos casaram, constituíram família.
E passaram-se quarenta anos...sem contato, quase sem notícias um do outro. As poucas informações foram dadas pela moça da foto, uma grande e fiel amiga dos dois, por todo esse longo tempo...
Dessa amizade ficou, para a jovem, a imagem de uma semente que não brotou. Em seus pensamentos ela imaginava que havia sido apenas uma grande amiga para ele. E a foto do passeio a Piracicaba foi guardada na caixa de lembranças e na memória.


Do ano 1000 para 2000 – 2000 e 10. Um toque de telefone desperta a mulhermeninamorena da foto antiga. É a grande amiga.


Eu atendo ao telefone. “Tudo bem?” ela me diz. “ Tenho uma novidade. “Ele” está em São Paulo e gostaria de vê-la. Você quer encontrá-lo?”


O pensamento dispara as lembranças. Cenas, sensações, alma agitada. Com posso ver imagens se não tenho fotos em minhas mãos? Mas é isto o que acontece.
E o encontro se realiza. Por entre as diferenças físicas que o tempo esculpiu em nós, aparece a sutileza do que nos marcava e encantava um ao outro: o jeito do sorriso, a energia do toque das mãos na busca velada de um roçar de dedos.


Lembranças de antes entrelaçadas com o momento presente. Somos e não somos mais os mesmos jovens. Somos e não somos sexagenários. A ebulição interna mobiliza-me à procura da caixa de lembranças. Ah, a foto! Ainda a tenho! Se não foi necessária para me trazer lembranças, agora ela se torna um quadro vivo do que sentíamos! E o calor de um sentimento retorna e faz o coração pulsar. E nos faz jovens na alegria do reencontro. E dispara palavras e silêncios, toques e afastamentos, certezas e inseguranças.


A foto é tirada do seu exílio e silêncio. Assume seu lugar num porta-retratos; agora fala, sorri, gera palavras... e textos. Adquire vida, impulsionando à busca de mais vida, para que novas fotos garantam mais lembranças, para um futuro de uma vida que ainda se promete."

Comentários

Beth/Lilás disse…
Uau, senti firmeza logo quando comecei a ler - adorei este modo de esticar o tempo na lembrança que ela fez logo no primeiro parágrafo.
Depois fui me surpreendendo com a beleza da escrita, linda, firme, delicada. amei simplesmente tudo!
Desde a descrição sobre a foto ao momento presente que, na redescoberta, parece que terá um futuro lindo.
parabéns Stella!
beijinhos cariocas
pois é, eu safadiei no seu concurso :/
tem como me redimir? hihihihihihi
Que estória! Uau! Linda, emocionante, bem escrita e bem contada! E depois ainda dizem que a ficção imita a vida...não! A Vida é que imita a ficção! Amei! Beijos à Stela por ter tido a coragem de deixar acontecer, beijos
P7 disse…
stella,
realmente estrela-texto
friozinho de emoção,
precipitação de alegrias!
Dri Cechetti disse…
Estela,

Que lindo texto e mais emocionante ainda a história! Adorei "viajar" com você!

Felicidades às estrelas da foto e do texto.
Stela Battaglia disse…
Stela Battaglia

Descobri, com esta experiência, a alegria de compartilhar textos. Memórias, histórias, palavras, minhas e de tantos, são preciosas para todos.
Adorei ler os comentários sobre meu texto. Aguçou a vontade de escrever, tirar mais coisas das gavetas.
Obrigada, Sonia e um abração pra quem passear pelas lembranças do concurso!
Anônimo disse…
Ai, este uso do computador...
Stela Battaglia disse Stela Battaglia. Eu não disse prá mim mesma. Disse prá TODOS.
Vivendo, aprendendo e conhecendo usos das tecnologias. E por aí vai....
Stela Battaglia disse…
Deu prá descobrir que o anônimo ( involuntário) sou eu?
Luiz Antonio disse…
Luiz Antonio disse...
Oxigenio...Alegria...é de tirar o folego...

Que história eim...Menina Morena,você tranformou o conteúdo dessa foto,com uma escrita leve,com cenas,lembranças encantadoras,cheias de ternura,alegria e emoção que mostra claramente o conteudo de sentimentos que resistiu pacientemente ao tempo,guardado no Universo,esperando o momento certo para iniciar esta linda história.
Parabens mulhermeninamorena,estou emocionado.
Lúcia Soares disse…
Adoro histórias de amor eterno! Bj
Débora Sato disse…
Stella, não poderia esperar nada menos do que essa narrativa maravilhosa!! Parabéns!!!
Bruna Pinotti disse…
Maravilhosa forma de descrever o sentimento e a esperança, simplesmente retratando a vida!

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