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"Boca aberta, dentes à mostra": o encontro necessário com a arte no dia a dia


("Boca aberta, dentes à mostra", montagem de Zoe Leonard, Statens Museum, Copenhaguem. Foto de Somnia Carvalho, janeiro de 2008)

Qual impressão que você teria ao se deparar com um exército de bonecas, exposto de forma linear, num sala grande e branca de um museu?


No mês de novembro fui rever uma exposição no Stadt Museum, em Copenhaguem que havia me causado certo impacto. A curta distância entre Malmö, cidade onde vivo no sul da Suécia, com a capital da Dinamarca é tão pequena que permite essa troca bastante produtiva entre os dois países e seu povo.

“Reality Check”, como foi intitulada, tratava-se de uma exposição de arte contemporânea na qual o visitante era convidado a duas coisas. Primeiro, perceber como a realidade foi sentida e captada pelos artistas que ali estavam expondo. Segundo, vivenciar a exposição a partir de uma percepção própria daquela realidade testada antes pelo artista e traduzida por ele para uma outra realidade.

Dividida em várias zonas espalhadas pelo grande museu, “Reality Check” trouxe inúmeras obras intrigantes e diversos olhares perceptivos.

Entre muitas obras de forte impacto estava a de Zoe Leonard, artista americano. Leonard criou a obra “Mouth open, teeth showing” em 2000, para a qual juntou 162 bonecas e as colocou em fileiras diagonais numa grande sala do museu. Representantes de várias décadas, cada uma possui uma característica de beleza celebrada por cada década.

As bonecas não haviam sido ordenadas pelo tamanho e isso me causou um certo desconforto. Algumas estavam vestidas e continuavam bem cuidadas, outras estavam sem nenhuma roupa e deixavam ver a engenhoca que era seus corpos.
Com cabelos emaranhados ou partes quebradas, algumas bonecas tinham aspecto aterrorizador. O brinquedo que serviu numa realidade passada para fazer rir e brincar perdera seu valor, quando separado da criança. Deixados de lado, substituídos pelo tempo, as bonecas tinham todas algo em comum: foram testemunhas de uma realidade vivida. Enfileiradas, como um exército, perderam a ingenuidade e singeleza, causam medo e estranhamento. A sensação de realidade deslocada.

Checar a realidade da obra de Zoe Leonard significa pensar em muitas questões sobre outras realidades: como era cada criança que acompanhou cada boneca? Como viveram e o que fizeram depois? Como o processo de consumismo transformou um brinquedo antes valorizado em um lixo não quisto? Como cada boneca revela o ideal de beleza que sua época lhe impôs e como esse ideal foi sendo substituído e desvalorizado com o tempo e a moda?

As bonecas de Zoe Leonard são em última estância assustadoras. Parecem fantasmas, porque não têm mais a vida que cada criança lhe dera. Enquanto bonecas, pertencentes a um indivíduo, elas ganhavam autonomia e vida tal como aquele. Enquanto exército numa sala vazia participam de uma mesma sina: serem criadas, queridas e depois abandonadas.

Tal como o padrão de beleza que um dia imitaram, produzidas em série, acabam totalmente despersonalizadas fora do contexto de moda do qual participaram.

Ter em frente o exército de bonecas de Zoe Leonard é ser lançado ao questionamento. Impossível passar por ele sem nada sentir e pensar. Minha realidade foi modificada a partir da realidade de Zoe Leonard e de suas bonecas e é para isso que acredito que as obras de artes precisem existir.


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