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"Disseram que eu voltei americanizada...": sobre o retorno ao "lar" a e os primeiros estranhamentos

("As costas de Luísa", Sami Charmine)

Queridas e queridos, o post abaixo foi escrito por mim logo no início da semana passada, numa madrugada em que havia perdido o sono por conta do fuso.
Salvei no word e só hoje estou conseguindo postá-lo da casa de minha mãe. Não vou reler porque possivelmente me decidiria por não publicá-lomais.
Vi abaixo vários comentários carinhosos me pedindo notícias. Muitos amigos me mandaram emails e querem telefone, celular, respostas pela internet. Estou meio sumida aqui também. Nossa primeira e segunda semana foi assim um turbilhão de coisas acontecendo. Desde chegada com virose brava minha e do Ângelo, passando por reforma sem água no prédio onde moramos e atraso total das nossas bagagens por conta da burocracia brasileira.
Foi um tempo de procurar escolinha, rever a família próxima, fazer exames e acertar o parto e tudo que podem imaginar de uma volta ao país de origem com 8 meses e meio de gravidez.
Tudo corre bem. A (re) adaptação não é simples e é disso que falo abaixo.
Ainda não tenho internet pela casa e um canto para escrever e isso me trava muito. Praticamente não tenho navegado na rede e o farei assim que sentir a poeira baixando. Por enquanto, um abraço para quem está aí. E podem deixar notícias de vocês que eu consigo ler... Somnia.
...
"Nossa “volta pra casa” tem sido recheada de sensações estranhíssimas se considerarmos que havíamos vivido no Brasil quase toda nossa vida (mais de trinta e poucos) em contraposição com apenas quse 4 anos de Suécia.

A volta, mesmo programada, pensada e decidida nos joga num mar de reconhecimento. A sensação nesses primeiros dias ainda é de misto de saber e sentir que somos brasileiros, porque nascemos aqui, crescemos e construímos nossa vida aqui. De se sentir brasileiro porque falamos a língua de todos, entendemos a cultura, pertencemos ao lugar onde temos raízes que nos ligam a pessoas amadas.

Por outro lado, deixar uma terra onde se viveu uma vida tão imensamente diferente, onde falávamos outra (outras) línguas, vivemos outro tipo de cultura local, outro modo de viver e priorizar a vida, outros valores, outra música, outro tipo de conhecimento acerca do mundo é quase como viver um choque.

Muito curioso foi percebermos esses dias que se imaginávamos um choque na ida e na adaptação nos esquecemos totalmente que ele também existe no regresso. Isso talvez ocorra porque tentamos nos adaptar ao máximo no lugar onde escolhemos ter essa experiência de viver fora de nossa terra.

Pensando ontem a noite com meus botões fiquei imaginando porque quando falo normalmente do que é muito ruim no Brasil as pessoas me respondem coisas, ou insinuam respostas do tipo:

- “Não adianta comparar, lá é Suécia, aqui é Brasil.”
- “Em todo lugar tem coisa ruim e coisa boa, se conforme!”
- “Se lá era tão bom por que foi que você não ficou por lá?”
- “Não suporto o frio, então a Suécia não pode ser lugar bom pra se viver!”
- “Hum, mas agora você só sabe comparar e reclamar, que companhia chata e pessimista você se tornou!”
- “O Brasil tem problemas, mas se pensar bem é ótimo para se viver!” (na verdade eles querem dizer, é praticamente o melhor lugar para se viver)

Provavelmente minha conclusão seja ingênua, porque toma apenas um argumento como dado, mas pensei muito nas pessoas locais que conheci na Suécia. E também nos europeus que por ali viviam. Não é regra, mas em geral muitos deles parecem ter uma noção muito boa sobre o que cada país vizinho na Europa oferece de bom e ruim, assim como o seu próprio.

A proximidade dos países europeus faz com que ainda criança se possa cruzar em duas, três horas de carro uma outra terra, outra língua, outra cultura. A necessidade de se falar mais que sua língua materna começa cedo assim como a compreensão de que o mundo está um pouco para além de sua própria terra.

Quase metade dos poloneses imigram a procura de trabalho e não voltam a viver no país de origem. Milhares de suecos têm experiências de estudo e trabalho em outros países, assim como seus vizinhos.
Esses fatos me ajudam a entender porque de minha amiga Nikol, que veio de Munique para Malmö para viver experiência semelhante à minha, não ter se sentido ofendida quando critiquei duramente seu povo após outra experiência ruim que tive em terras alemãs.

Voltando de Praga, na República Tcheca, paramos numa linda cidadezinha chamada Potsdam, bem próximo de Berlim, na Alemanha. A grosseria dos alemães que por ali passavam, sua falta de empatia, seu jeito de olhar como se qualquer estrangeiro fosse menos que eles me fez pensar coisas horrorosas sobre todo o povo que vive lá.

Generalizei, claro, porque não havia sido a primeira vê que sentia essa falta de educação e falta de vontade de ser simpático dos alemães comigo. Também havia sentido algo parecido na Suíça, mas minha pequena experiência não me deixou concluir muito sobre o restante da população.

Quando falei a Nikol que me senti “judia” na terra de Hitler ela sorriu tristemente e disse: não é assim em todas as cidades, depende do tamanho e da região, mas infelizmente é verdade que os alemães, no geral, são mesmo um povo muito sem educação.

Bom, nós brasileiros somos conhecidos pela nossa generosidade e por nossa simpatia. Qualidades que provei já nesses primeiros dias de volta, seja no sorriso mais freqüente das pessoas, seja na sua forma meio de tentar ajudar como for possível. E é fato que sabemos dessas qualidades, as conservamos e as reconhecemos como sendo características nossas.

Então, se somos elogiados quanto a isso, sempre reafirmamos que sim! Os brasileiros são muito gente boa e recebem muito bem os estrangeiros. Estranho é que se alguma crítica é feita ela normalmente é tomada de forma muito ruim. Normalmente com pensamentos como os que citei acima. Sinto que nós brasileiros lidamos muito mal com crítica, seja porque a tomamos como verdade absoluta e imutável e nos deprimimos com ela (“Eu odeio o Brasil, daria tudo para viver fora dele!”) ou como algo vindo de alguém que não ama verdadeiramente seu país (“Brasil: ame-o! ou deixei-o!”).

Disso tudo sinto que por enquanto meu encontro com o meu Brasil não pode ser franco e gostoso suficiente. Se eu dizer que é ótimo, lindo e maravilhoso voltar para cá estou mentindo, sendo outra pessoa que não eu, porque não sei viver otimamente, lindamente e maravilhosamente num lugar onde há tantos problemas para se resolver, tantas coisas erradas e tanta cegueira para a verdade. Problemas com os quais eu sei que é importante saber conviver, mas dos quais não quero esquecer e pretendo ajudar a combater, de alguma forma possível.

Meu reencontro tem sido de alegrias em partes e tristezas em outras. Reconhecer problemas e encará-los como também responsabilidade sua não é normalmente agradável, embora necessário.

A conclusão que tiro no momento talvez seja boba demais, mas é o que venho sentindo: quanto mais saímos de nossa terra, mais aprendemos sobre ela, mais valorizamos alguns aspectos e sentimos saudades de vários outros. Ao mesmo tempo é a uma chance incrível de olhar para tudo de fora, com olhar estrangeiro, com certo desligamento emocional que só a distância, a vivência em outro lugar possibilita.

A crítica é preciso. A reflexão e a avaliação devem passar pela crítica. Caso contrário é como se eu apagasse tudo que vi, que ouvi e aprendi para apenas dizer como muitos brasileiros que afirmam amar seu país com discursos vazios, mas apenas nadar a favor da corrente que transforma este lugar em um lugar tão pouco conhecido ainda.

Eu amo o Brasil sim. Amo estar aqui em vários aspectos, embora eu desejasse ardentemente conseguir mudar muitas coisas e pessoas. Fico feliz de saber que viver na Suécia não me cegou para o que aqui tem de bom e, sobretudo, para o que aqui tem de ruim. A Somnia continuará borboletiando e somniando no Brasil, mas sem tentar se passar por outro borboleta que não ela. A sinceridade, ainda que seja mais sutil em um ou outro post, continuará existindo, porque é para isso que blogs existem e é só por isso que eu amo tanto escrever aqui."

Comentários

nes disse…
não podia deixar de comentar, porque sei muito bem tudo o que estás a sentir, e eu só estudei 1 ano na suécia, o que não tem nada a ver com o cimentar de uma vida de dia-a-dia de 4 anos.

quando voltei a portugal (que apesar de tudo, ainda é europa), quase entrei em depressão e sem razões que o explicassem.

também passei por tempos em que toda a gente me mandava calar que eu só sabia dizer "ah na suécia é assim, na suécia é assado", e achar que sabia como melhorar tudo.

forma longos meses até deixar de sentir que não devia ter voltado porque já não era esta a minha terra, e sofri mais ainda porque era difícil de explicar o que eu sentia e mais ainda de alguém perceber, sem ter passado pelo mesmo.

para vocês eu desejo tudo de bom, que as raízes penetrem a terra o mais depressa possível para que possam voltar ao vosso dia-a-dia apenas mais enriquecido com outros pontos de vista :)
Ivana disse…
ôÔôÔôÕ Somnia! Que bom que voltastes para o lugar (blog) onde os que estão longe podem te (re)encontrar!
Eu nunca morei fora deste país, mas já tive a feliz oportunidade de visitar a Europa (Holanda e França) e ano que vem, já tenho outra viagem planejada para lá. Apesar disso, consigo te entender porque só de passarmos por um país onde se tem o básico (transporte público, por exemplo) com qualidade, e experimentar isso, já torna a volta decepcionante em muitos aspectos, apesar de gostarmos do Brasil.
Não será fácil,Somnia, eu imagino. Mas torço para que consigas transformas estas descobertas em algo bom para você, para a sua família, resignificando toda esta experiência e "parindo" além da bbzinha que está quase chegando, excelentes posts, porque a gente gostcha!
Beijão!
Ivana disse…
Aliás Somnia, eu vi este vídeo esta semana na internet, como um dos mais acessados e lembrei de ti imediatamente!
Olha o bom humor do rapaz - sem falar que ele é um gato - a tranqüilidade e claro o cenário! Sim, porque é o não é o centro de Malmo onde a cena se dá?!:)

http://www.youtube.com/watch?v=ZAOjpY_N0EE&feature=player_embedded

Beijos!
Sonia, benvinda de volta! Embora, te confesse que estou com um pouco de peninha de vcs...pq aqui, cara amiga, nada melhora, só piora! Nunca vivi fora do páis, mas imagino seu choque ao retornar depois de ter vivido num país de primeiríssimo mundo. Mas o jeito é ir tentando se adaptar...ou, se puder, voltar pra lá ou pra outro lugar melhor...pois é o que eu faria se pudesse, se tivesse 30 anos a menos e tivesse essa chance. pois não vejo melhora nem a longo prazo. Beijos.
Somnia disse…
Oi Nes queridona, quanto tempo nao via vc por aqui... obrigadissima por este comentario carinhoso. E isso mesmo que dissestes: a sensacao de que nao seremos compreendidos de verdade e de que ou nos tomarao como chatos ou doentes nao anima... mas eu sei que isso passa, passa sempre. A chegada na suecia tambem doeu tanto e agora acho que la era minha casa... beijos


Ivana, voce e muito das fofas mesmo! esse video ai foi feito no centro de malmo sim... antes de tomar o aviao para ca eu passei ai nessa praca e vi exatamente o mesmo mocoilo. Ele nao e um policial sueco como o video diz nao. Ele e ator e essa era uma campanha super engracada de teatro na rua. Em varios pontos da cidade eles fingiam ser policiais, ficavam serios olhando o povo e dai comecavam a dancar como ele dancou... muito hilario mesmo. E o pessoal ficava na maior duvida.
brigada pelo video da minha malmo querida!!! e obrigada pelos incentivos!

hoje, aqui na escrivaninha da minha mae, sem ter que ficar agaichada / nao sei como escreve mais esta palavra / como na meu ape, ja fico mais animada em vir responder comentarios.
beijoca

Glorissima, entendo o que diz... mas sabe que eu sempre penso que na velhice eu poderia tranquilamente deixar tudo e ir morar num canto do mundo qualquer... calmo, bonito... o que vc acha que te segura aqui> e a familia, a historia... o que... (interrogacao)... talvez seja mesmo cada vez mais dificil sair do pais, com filhos e familia... e eu tenha so essa imaginacao fertil.
beijoca
Eveline disse…
Oi amiga, tudo?
Sabes que morei em portugal por alguns meses na decada de 90 e até hoje faço comparações daqui com lá. Acho impossivel morar fora da tua "casa" e não sentir e incorporar as diferenças, somente um ser muito paquiderme seria capaz não absorver as diferenças culturais. Normalmente quem critica e não compeende é quem não viveu a experiencia.
Então relaxa, pois a sensação de estar fora do prumo vai diminuir e deixa os outros de lado, te concentra em ti, na tua familia e nessa pessoinha linda que está para chegar.
Te cuida e seja bem vinda,
Beijos
Vivien Morgato : disse…
As adaptações são realmente duras.
Força por ai,
Lu Souza Brito disse…
OLá Somnia,

Bomter noticias suas. E como está a pequena Marina???

Tento imaginar o que está passando. Esta readaptação não deve ser mesmo fácil. Ver e viver no Brasil aliás não está sendo fácil para qualquer pessoa que simplismente nao se acomoda, que nao fecha os olhos para as desgraças que acontecem a todo momento...
Um super beijo para vocês.
Maariah disse…
:(
Nunca tive uma experiência asim por isso não consigo imaginar esse misto de emoções que estás a sentir. Acredito que acontece o mesmo com outras pessoas, tal como quem nunca vivenciou tudo isso não entenda esse sofrimento.

É por gostares tanto do Brasil, das tuas gentes e por a experiência na Suécia ter sido tão benéfica, tão positiva que tudo se torna mais sentido. É querer ter um bocadinho da Suécia e outro da Brasil bem juntinhos.
Beth/Lilás disse…
Soninha meu bem, que bom revê-la por aqui!
Tava louca pra saber notícias suas e vejo que não foi mole a volta,cheia de coisas pra resolver.
Olha eu também teria os mesmos sentimentos que você e são plenamente aceitáveis, mas espero que rapidinho você entre na nossa, ou seja, aceite tudo e vá fazendo a sua parte.
Para mudar alguma coisa de verdade neste país ainda vai demorar mais um ou dois séculos, mas vamos vivendo com o amor dos nossos mais queridos por perto, né mesmo!
beijos grandes cariocas
Beth/Lilás disse…
Soninha, precisAmos de seu voto muito importante para a Glorinha.
Passa no site abaixo e clica no nome dela ao lado. Ela tem que publicar o livro de poesias dela que está sensacional.
O site é este

http://www.dobradinhapontesculturais.blogspot.com/


conto com sua ajuda.
beijinhos e bom fimdi
Celia disse…
Descobri vc já tarde aqui na blogosfera. De repente vc mudou daqui da Suecia pra o Brasil.
Nao vivi o que vc está vivendo mas, posso imaginar que nao é um momento fácil. Nos nos adaptamos muito rápido as coisas boas...certas e que funcionam. Eu amo meu Brasil mas, sei que seria um choque voltar a viver lá. Claro que as comparacoes existirao sempre. Porém lhe digo, se vc vai mesmo viver ai querida, tente se readaptar novamente ao sistema do Brasil, tente nao fazer grandes comparacoes com a Suecia, pois isso só ira dificultar a readaptacao. Sei que nao é facil mas...pra vc ser feliz acho que é um meio caminho isso.
Desejo tudo de bom pra vc. Bj
Danissima disse…
estive fora esta semana. Fomos pra Belgica (Bruxelas, Brugges), Rotterdam e Köln.
Em Köln estava uma coisa de louco. Estava tendo "Gay Games" e a cidade estava tao, tao receptiva que me assustei ao pensar que vc foi tratada mal na Alemanha. Mas como disse a Nikol, tudo depende da cidade. Em Köln durante os Gay Games isso nao aconteceu.

Alemao eh grosso mesmo! Mas eu os considero grossos entre eles, tb. Entao, isso me toca pouco.

Agora, suiço tem seus problemas com estrangeiro, ah, isso tem.
Danissima disse…
Querida,
vai preparando terreno e colhendo experiências para consolar as outras expatriadas... Vc poderia se candidatar a Embaixadora dos Expatriados, que tal?
Eu voto em vc para o cargo.
Abraços e beijos
Lúcia Soares disse…
Sônia, comentei no primeiro post acima antes de ler este.
Mas ainda bem que disse que imagino o que é esta volta ao Brasil para vocês.
Não é o caso de se readaptar, pois sempre esteve em contato com o país e sabe bem que pouco evoluimos nesses quatro anos.
A série que estou fazendo (sem pretensão de ensinar nada) sobre o Brasil que eu amo, é justamente para falar das belezas da terra e de como estamos parados, esperando que poucas pessoas mal intencionadas acabem com ela.
Como digo sempre, não sou alienada, tenho plena consciência de tudo que nos ocorre, mas já que vivo aqui e não quero me mudar, tenho mais é que amar o que tenho, não?
rsrsrs
Sôninha, infelizmente aqui não é o paraíso, mas vocês serão muito felizes aqui, como em qualquer lugar em que estiverem.
O importante é estarem juntos, felizes, saudáveis, úteis, etc.
Beijos!
(fiquei satisfeita em saber que o Ângelo já se adaptou.)

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