Pular para o conteúdo principal

O Discurso de Natal que eu não fiz


Acredito que você, ou muitos de vocês, tanto quanto eu, já desejou falar umas belas palavras, ou umas nem tão belas assim, na noite de Natal. Você já desejou imensamente estar exatamente ali naquela "noite feliz" ou fugir dela o mais rápido possível.  Estou viajando sozinha?

O Natal sempre teve "significados" para mim.

Já senti "de tudo" em noites de Natal. Amor fraterno, desejo imenso de mudar o mundo, ajudar a humanidade, assim como crença e descrença total em qualquer explicação não terrena sobre a vida e a humanidade. Eu hoje não saberia como descrever o que sou e em que, de fato, acredito... por isso o Natal continua cheio de significados.

Ontem, porém, eu senti a maior tranquilidade, uma paz (não de novela, nem de livro), uma coisa boa, realmente verdadeira dentro de mim. Desejei ter escrito o discurso, ensaiado na minha cabeça, para as pessoas que estavam na minha casa. Entretanto, minha eterna procrastinação na última hora deu lugar a uma certa insegurança de falar de sopetão na frente das vinte e quatro pessoas que estavam aqui. Eis aí o que eu queria ter dito a eles... mas também a você:

"Boa noite gente querida! Obrigado por estarem aqui!

Esta semana ensaiei várias vezes escrever, na parede acima de minha cama, um trecho de uma poesia que eu costumava ler, literalmente enfiada nos livros na Biblioteca das Letras na Unicamp, logo que entrei na Universidade. Depois eu li centenas de vezes no meu primeiro livro de poesias até que gastei as páginas de tanto ler. 

Esta semana, enquanto escrevia, apagava o giz e fazia de novo até que ficasse bonito suficiente na parede eu percebi o quanto a poesia de Fernando Pessoa (na voz de Ricardo Reis) hoje assumiu um significado tão diferente. É como se eu, uau! de fato e finalmente, tivesse conseguido passar do "que poesia linda!!!" para "que poesia significativa!". Pois é! Demorei dezoito  (!) anos para sentir que estou entendendo (talvez nem esteja ainda!) Fernando Pessoa.

"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive."

Tem alguém que vocês amam e não está aqui hoje com a gente? Alguém que poderia estar e escolheu não estar? Alguém que poderia, mas não pode mais estar? Eu tenho! Muitas. A começar pela minha irmã quem escolheu não estar e meu pai, quem não pode e não poderá nunca mais estar. 

Serei muito sincera: minha experiência com as pessoas foi quase sempre de achar que elas deveriam estar aqui comigo. Lembro da raiva que sentia de minha irmã por ela nunca vir a minha casa nos Natais que eu organizei. E, quando criança, ficava indignada de meu pai e minha mãe irem dormir às dez da noite e não celebrarem com a gente. Depois sentia uma decepção enorme de ver gente brigando e se maltratando, quando tinham feito a opção por estarem juntos naquela noite. E indignada com os gastos enormes em presentes quando as pessoas poderiam muito bem ter apenas pensado em quem não tinha nada naquela noite. 

Isso quer dizer que minha experiência de vida foi sempre ver o que faltava nas pessoas para elas serem o tipo de pessoa perfeita que eu achava que elas deveriam ser.

Nunca havia sentido amor incondicional. Quer dizer, talvez como mãe, mas não pela maioria esmagadora das pessoas que conheço.  Fui e quase sempre sou muito mais egoísta que altruísta.

Ao mesmo tempo eu sempre senti (ou seja, interpretei) dos outros, dos seus olhares, das suas meias palavras, das suas piadinhas disfarçadas que eu deveria ser de uma outra forma: na infância e adolescência deveria ser mais gorda, hoje, mais magra. Também achei que precisasse parecer mais bonita, mais arrumada, menos falante, mais sensual, menos sensual, mais educada, menos ríspida, menos intolerante, mais tolerante, mais amorosa, menos nhenhenhem, mais intelectual e inteligente, menos exibida, mais chique, mais simples.  Ufa! A lista é infinita.

Eu devolvia a raiva a cada uma dessas pessoas e à humanidade, de modo geral, o fato de ser cobrada (ou de achar estar sendo cobrada) o tempo inteiro para ser alguém que eu não era. E nunca seria. E mais: algumas coisas eu não queria ser e outras eu simplesmente não conseguia ser. 

Ontem foi a primeira vez na minha não tão longa vida eu tive a experiência de ser inteira, completa e perfeita * da forma como sou. Tive a experiência que o guardador de rebanos, Ricardo Reis, parecia querer me passar a vida toda: ser inteira. 

E ao conseguir de fato vivenciar a experiência de ser inteira, completa e perfeita eu pude ver a humanidade dos outros ao meu redor. E o quanto suas cobranças eram humanas, demasiadamente humanas. E ao tentar consertá-los ou, no mínimo, desejar que eles agissem e fossem diferentes era como se dissesse a cada ums: você é imperfeito! Para ser perfeito precisa ser assim e assim, deve me agradar nisso e naquilo. Só assim você pode ser boam o suficiente para que eu o ame ou a ame de verdade!

Minha mensagem hoje é esta! Grande parte do nosso sofrimento não vem do inferno que os outros provocam em nós, mas do inferno que imaginamos eles quererem provocar em nós... A recíproca também é verdadeira! Eles acham que nós queremos provocar algo neles, quando nem sempre é verdade e quando mesmo se for verdade, simplesmente não importa!

Não importa! E a prova é de que mesmo achando tanta coisas e culpando os outros pelo que fizeram e não fizeram a mim eu vivi minha vida como, mais ou menos, eu desejava. Fiz minhas escolhas. Estou aqui. Estou com vocês agora e não quero que sejam o que eu desejo que sejam! Desculpem pelo.tempo que tentei fazer isso e pelas vezes que ainda tentarei.

Quero que se sintam livres para serem quem são comigo. E, por favor acreditem, falo de mim! E falo do fundo do coração, por isso peço também a gentileza de só ouvir. Ouvir e não acrescentar nada ao que digo que você pense que estou querendo dizer.

Desejo profundamente o que Ricardo Reis já havia desejado: Seja inteiro. Só assim você será grande. Para ser grande a receita é não exagerar, não excluir aquilo que de fato você é. Em cada coisa que fizer, por mais simples que seja,  coloque o melhor de si mesmo, seja você completo em cada ação. "Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive."

Amo vocês!
Feliz Natal!

...


(* inteira, completa e perfeita é uma expressão pronta e uma reflexão que só sou capaz de fazer a partir do Curso de Comunicação da Landmark World Wilde que fiz este ano. Se quiser saber mais, por favor busque neste blog informações relacionadas ao Fórum Landmark Brasil.  Infelizmente não consigo linkar os posts agora e faço isso com calma depois). 


Comentários

Lúcia Soares disse…
Que lindo, Sônia!
A gente complica a vida. Tudo o que ela precisa e nos pede é que ...vivamos.
Viver como somos, não como querem que sejamos, ou esperem.
Ser inteira, dar-se inteira, o tempo todo, é impossível, mas é preciso achar que podemos. Bom ano novo para você.
Eis que ele se descortina, inteirinho, para que sejamos melhores.
Beijo.
Beth/Lilás disse…
Querida Soninha,
Eu já estou assim faz tempo, tento ser inteira e intensa nas minhas coisas, mais do que isso, verdadeira e naturalmente linear, pois tenho visto tanta gente falando uma coisa e fazendo outra.
Te desejo o melhor sempre, a você e sua linda família, que tenham um ano de boas realizações e muita saúde.
um grande abraço carioca


Postagens mais visitadas deste blog

"Ja, må hon leva!" Sim! Ela pode viver!

(Versão popular do parabéns a você sueco em festinha infantil tipicamente sueca) Molerada! Vocês quase não comentam, mas quando o fazem é para deixar recados chiquérrimos e inteligentes como esses aí do último post! Demais! Adorei as reflexões, saber como cada uma vive diferente suas diferentes fases! Responderei com o devido cuidado mais tarde... Tô podre e preciso ir para a cama porque Marinacota tomou vacina ontem e não dormiu nada a noite. Por ora queria deixar essa canção pela qual sou louca, uma versão do "Vie gratuliere", o parabéns a você sueco. Essa versão é bem mais popular (eu adorava cantá-la em nossas comemorações lá!) e a recebi pelo facebook de minha querida e adorável amiga Jéssica quem vive lá em Malmoeee city, minha antiga morada. Como boa canção popular sueca, esta também tem bebida no meio, porque se tem duas coisas as quais os suecos amam mais que bebida são: 1. fazer versão de música e 2. fazer versão de música colocando uma letra sobre bebida nela. Nest

"Em algum lugar sobre o arco íris..."

(I srael Kamakawiwo'ole) Eu e Renato estávamos, há pouco, olhando um programa sueco qualquer que trazia como tema de fundo uma das canções mais lindas que já ouvi até hoje. Tenho-a aqui comigo num cd que minha amiga Janete me deu e que eu sempre páro para ouvir.  Entretanto, só hoje, depois de ouvir pela TV sueca, tive a curiosidade de buscar alguma informação sobre o cantor e a letra completa etc. Para minha surpresa, o dono de uma das vozes mais lindas que tenho entre todos os meus cds, não tinha necessariamente a "cara" que eu imaginava.  Gigante, em muitos sentidos, o havaiano, e não americano como eu pensava, Bradda Israel Kamakawiwo'ole , põe todos os estereótipos por terra. Depois de ler sobre sua história de vida por alguns minutos, ouvindo " Somewhere over the rainbow ", é impossível (para mim foi) não se apaixonar também pela figura de IZ.  A vida tem de muitas coisas e a música é algo magnífico, porque, quando meu encantamento por essa música come

O que você vê nesta obra? "Língua com padrão suntuoso", de Adriana Varejão

("Língua com padrão suntuoso", Adriana Varejão, óleo sobre tela e alumínio, 200 x 170 x 57cm) Antes de começar este post só quero lhe pedir que não faça as buscas nos links apresentados, sobre a artista e sua obra, antes de concluir esta leitura e observar atentamente a obra. Combinado? ... Consegui, hoje, uma manhã cultural só para mim e fui visitar a 30a. Bienal de Arte de São Paulo , que estará aberta ao público até 09 de dezembro e tem entrada gratuita. Já preparei um post para falar sobre minhas impressões sobre a Bienal que, aos meus olhos, é "Poesia do cotidiano" e o publicarei na próxima semana. De quebra, passei pelo MAM (Museu de Arte Moderna), o qual fica ao lado do prédio da Bienal e da OCA (projetados por Oscar Niemeyer), passeio que apenas pela arquitetura já vale demais a pena - e tive mais uma daquelas experiências dificilmente explicáveis. Há algum tempo eu esperava para ver uma obra de Adriana Varejão ao vivo e nem imaginava que